sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Folha de S.Paulo - Análise/Religião: Papa asfixiou esquerda, e agora promove agenda - 29/10/2010

Folha de S.Paulo - Análise/Religião: Papa asfixiou esquerda, e agora promove agenda - 29/10/2010: "Papa asfixiou esquerda, e agora promove agenda

Bento 16 se envolve em política quando o que se discute são pontos da doutrina católica associados ao conservadorismo

IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O eventual efeito eleitoral da fala de Bento 16 ontem ainda é insondável, mas ela não causa surpresa.
Expoente do movimento que despolitizou a igreja à esquerda, como homem-forte no papado de João Paulo 2º, Joseph Ratzinger costuma envolver-se em debates políticos quando o que está em questão é a defesa de pontos da doutrina católica associados ao conservadorismo.
Entre esses conceitos, a ampla definição de 'defesa da vida', que vai da classificação de aborto como homicídio ao veto ao uso de camisinhas como contraceptivos.
A tradição que Bento defende, contudo, não é tão consensual na história. A oposição total ao aborto só foi estabelecida a partir 1869, quando Pio 9º determinou que era um pecado passível de excomunhão.
Até então, com idas e vindas, o pensamento predominante era o de santo Tomás de Aquino (1225-1274), segundo o qual o feto não recebia a alma imediatamente após a concepção. A briga era mais por 'quando' a alma se alojava no embrião.
Ratzinger foi eleito papa em 2005 com um discurso claro sobre sua visão da igreja como uma entidade que precisa aferrar-se à tradição para sobreviver num mundo de relativismos, ainda que isso seja impopular e aumente a sangria de fiéis.
Papa, levou o discurso à prática. Em 2006, causou rebuliço na Itália ao condenar a pílula do dia seguinte como abortiva em plena campanha eleitoral do país, que discutia o tema. Em 2007, apoiou a excomunhão de políticos mexicanos favoráveis à descriminalização do aborto e fez a 'defesa da vida' na sua viagem ao Brasil.
Quando criticou o uso de preservativos na luta contra a Aids na África, ano passado, o papa foi duramente criticado por governos e pela ONU. Sua viagem a Portugal foi marcada por protestos contra a condenação da liberação do aborto e da união gay no país. O mesmo acontecerá agora na Espanha.
No Brasil, por fim, há a polêmica devido à mudança de posição de Dilma Rousseff sobre a descriminalização do aborto -ela era a favor e agora se diz contrária, contradição explorada por José Serra em debates e na TV.
Bispos também criticaram o PT pela defesa histórica da descriminalização, como partido e no governo. O PT contra-atacou, vendo ingerência no processo eleitoral, ao mesmo tempo em que tentou colar uma imagem 'pró-vida' em Dilma.
É nesse contexto que Bento 16 defendeu o que chamou de 'grave dever de emitir juízo moral, mesmo em matérias políticas'.
O episódio como um todo parece marcar uma espécie de epílogo da disputa entre o Vaticano conservador e o chamado clero progressista -influenciado pelo marxismo e pelas ideias liberalizantes do Concílio Vaticano 2º, encontro encerrado em 1965.
Os progressistas ajudaram a fundar o PT e eram bem-vindos pelo partido no debate eleitoral. Ao longo dos anos, perderam espaço na hierarquia, e a manifestação papal demonstra que a doutrina Ratzinger fincou raízes por aqui, com a inevitável repercussão política.

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