A sentença e a execração
Por Luciano Martins Costa em 13/11/2012 na edição 720
Comentário para o programa radiofônico do OI, 13/11/2012
Os jornais celebram a pena imposta ao ex-ministro José Dirceu no julgamento da Ação Penal 470, conhecida como o caso do “mensalão”. Também há profusão de referências à sentença de José Genoíno, ex-presidente do Partido dos Trabalhadores, mas todo o arsenal do discurso jornalístico é dirigido contra Dirceu.
Ele incorpora, por seu temperamento incisivo e sua absoluta dedicação à política, tudo que a imprensa detesta na alternativa de poder representada pelo PT. Pela mesma razão, ele acumulou também desafetos no próprio partido, que mal conseguem dissimular o alívio por vê-lo aparentemente exilado do núcleo mandatário.
Folha de S.Pauloe Estado de S.Paulo dedicam cadernos especiais ao assunto, que de novo tem somente a definição das penas, e aproveitam para fazer a apologia do processo sobre o qual, claramente, pesou a influência da própria mídia.
Na contramão
Destaque-se, de início, a diferença entre narrativa e discurso. A narrativa, linguagem própria da literatura, ganha validade no jornalismo quando tem como pressuposto a busca da fidelidade com relação ao fato narrado. Embora literatura e jornalismo se confundam em suas origens, já faz muito tempo que se diferenciam justamente pela narrativa.
O discurso, ao contrário, não tem relação natural com nenhum dos dois gêneros. Trata-se de uma estratégia comunicacional de convencimento. O Globo, o Estadão e a Folha oferecem, nas edições de terça-feira (13/11), uma oportunidade valiosa para a análise dessa linguagem.
Os dois jornais paulistas dedicam cadernos especiais ao acontecimento, mas é na Folha que as escolhas editoriais explicitam mais claramente o propósito da execração: não há justificativa, no campo jornalístico propriamente dito, para a decisão de ilustrar a primeira página do suplemento com uma grade de cadeia sobre o título “José Dirceu é condenado a 10 anos e 10 meses de prisão”.
Mesmo em casos muito escabrosos, em que foram expostas ao público ações de autores de crimes hediondos, são raras as ocasiões em que a imprensa chegou tão baixo.
O editorial na primeira página da Folha, outra raridade descolada para o acontecimento que a imprensa considera histórico, comemora sem pudores o que os jornais consideram uma decisão jurídica exemplar.
Há divergências na própria Folha, como a que é apresentada por Janio de Freitas sob o título “A voz das provas”, mas esse texto foi publicado no espaço comum da editoria “Poder” e não foi incluído no caderno que será guardado pelos leitores.
Janio de Freitas expõe o que considera contradições do relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, afirmando que ele “se expandiu em imputações compostas só de palavras, sem provas”. Na contramão de praticamente toda a imprensa, Freitas não considera que o julgamento representa a refundação do poder Judiciário ou da própria República: na sua opinião, cresce o descrédito, e a decisão sobre as penalidades “decepciona e deprecia (o Supremo Tribunal Federal) – o que é péssimo para dentro e para fora do país”.
Um alívio para muitos
Oficialmente, a Folha considera que foi “um julgamento minucioso, que resulta em condenações fundamentadas solidamente em nexos fatuais e lógicos”. O jornal paulista, como seus pares, faz uma aposta em um novo futuro para a Justiça, e observa que “outros casos, a começar pelo das relações de Marcos Valério com o PSDB de Minas Gerais, terão de ser examinados sem demora”.
Poderiam ser acrescentados ainda outros casos que aguardam o mesmo empenho do poder Judiciário, como o escândalo do Banestado, o verdadeiro paradigma dos crimes financeiros e de corrupção no Brasil, mas nesse vespeiro ninguém – nem a imprensa – vai mexer.
O Estadão, que já havia criticado o que considerava excessos do ministro relator, em editorial intitulado “Os ‘barracos’ no STF” (09/11), sai com uma edição mais contida. Chama seu caderno especial de “Mensalão – um julgamento histórico”, mas oferece ao leitor uma coleção mais equilibrada de interpretações. Mesmo o texto conclusivo, uma entrevista na qual um historiador considera que o julgamento “pode mudar nossa cultura política”, evita o tom triunfalista.
A natureza da imprensa, composta basicamente de fragmentos de fatos que podem ou não compor a história e a própria cultura, não autoriza afirmações grandiloquentes como essa. Pode-se dizer também o contrário: que o Supremo Tribunal Federal exerceu o máximo de seu poder discricionário para consolidar uma campanha da imprensa, produzindo um fato jurídico que atende a conveniências políticas no campo oposicionista e no partido do governo.
Ele incorpora, por seu temperamento incisivo e sua absoluta dedicação à política, tudo que a imprensa detesta na alternativa de poder representada pelo PT. Pela mesma razão, ele acumulou também desafetos no próprio partido, que mal conseguem dissimular o alívio por vê-lo aparentemente exilado do núcleo mandatário.
Folha de S.Pauloe Estado de S.Paulo dedicam cadernos especiais ao assunto, que de novo tem somente a definição das penas, e aproveitam para fazer a apologia do processo sobre o qual, claramente, pesou a influência da própria mídia.
Na contramão
Destaque-se, de início, a diferença entre narrativa e discurso. A narrativa, linguagem própria da literatura, ganha validade no jornalismo quando tem como pressuposto a busca da fidelidade com relação ao fato narrado. Embora literatura e jornalismo se confundam em suas origens, já faz muito tempo que se diferenciam justamente pela narrativa.
O discurso, ao contrário, não tem relação natural com nenhum dos dois gêneros. Trata-se de uma estratégia comunicacional de convencimento. O Globo, o Estadão e a Folha oferecem, nas edições de terça-feira (13/11), uma oportunidade valiosa para a análise dessa linguagem.
Os dois jornais paulistas dedicam cadernos especiais ao acontecimento, mas é na Folha que as escolhas editoriais explicitam mais claramente o propósito da execração: não há justificativa, no campo jornalístico propriamente dito, para a decisão de ilustrar a primeira página do suplemento com uma grade de cadeia sobre o título “José Dirceu é condenado a 10 anos e 10 meses de prisão”.
Mesmo em casos muito escabrosos, em que foram expostas ao público ações de autores de crimes hediondos, são raras as ocasiões em que a imprensa chegou tão baixo.
O editorial na primeira página da Folha, outra raridade descolada para o acontecimento que a imprensa considera histórico, comemora sem pudores o que os jornais consideram uma decisão jurídica exemplar.
Há divergências na própria Folha, como a que é apresentada por Janio de Freitas sob o título “A voz das provas”, mas esse texto foi publicado no espaço comum da editoria “Poder” e não foi incluído no caderno que será guardado pelos leitores.
Janio de Freitas expõe o que considera contradições do relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, afirmando que ele “se expandiu em imputações compostas só de palavras, sem provas”. Na contramão de praticamente toda a imprensa, Freitas não considera que o julgamento representa a refundação do poder Judiciário ou da própria República: na sua opinião, cresce o descrédito, e a decisão sobre as penalidades “decepciona e deprecia (o Supremo Tribunal Federal) – o que é péssimo para dentro e para fora do país”.
Um alívio para muitos
Oficialmente, a Folha considera que foi “um julgamento minucioso, que resulta em condenações fundamentadas solidamente em nexos fatuais e lógicos”. O jornal paulista, como seus pares, faz uma aposta em um novo futuro para a Justiça, e observa que “outros casos, a começar pelo das relações de Marcos Valério com o PSDB de Minas Gerais, terão de ser examinados sem demora”.
Poderiam ser acrescentados ainda outros casos que aguardam o mesmo empenho do poder Judiciário, como o escândalo do Banestado, o verdadeiro paradigma dos crimes financeiros e de corrupção no Brasil, mas nesse vespeiro ninguém – nem a imprensa – vai mexer.
O Estadão, que já havia criticado o que considerava excessos do ministro relator, em editorial intitulado “Os ‘barracos’ no STF” (09/11), sai com uma edição mais contida. Chama seu caderno especial de “Mensalão – um julgamento histórico”, mas oferece ao leitor uma coleção mais equilibrada de interpretações. Mesmo o texto conclusivo, uma entrevista na qual um historiador considera que o julgamento “pode mudar nossa cultura política”, evita o tom triunfalista.
A natureza da imprensa, composta basicamente de fragmentos de fatos que podem ou não compor a história e a própria cultura, não autoriza afirmações grandiloquentes como essa. Pode-se dizer também o contrário: que o Supremo Tribunal Federal exerceu o máximo de seu poder discricionário para consolidar uma campanha da imprensa, produzindo um fato jurídico que atende a conveniências políticas no campo oposicionista e no partido do governo.
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