A família Frias, que controla o jornal Folha de S. Paulo, nunca advogou para o PT. Pelo contrário. No entanto, em editorial publicado no dia 25 de outubro, há menos de um mês, portanto, defendeu expressamente a tese de que as punições dos réus da Ação Penal 470 não fossem privativas de liberdade. "Há mais de dez anos, portanto muito antes do mensalão, sustenta-se aqui que a pena de prisão deveria ser destinada, em tese, aos que recorrem a violência física ou grave ameaça na consecução do delito de que são culpados", afirma o texto, que conclui afirmando ser desnecessária a prisão dos eventuais culpados.
Ontem, na última sessão do STF sob o comando de Carlos Ayres Britto, o ministro Dias Toffoli levantou a questão. Disse que, no caso da Ação Penal 470, seria mais correta a punição financeira do que privativa de liberdade. "Aqui o intuito final era financeiro, não era violência, não era atentar contra a democracia e contra o Estado Democrático de Direito porque eles são muito mais sólidos do que isso. O intuito era o vil metal. Que se pague então com o vil metal", disse ele. Toffoli comparou ainda o rigor das penas ao tempo de Torquemada, representante máximo da Inquisição.
Nesta quinta, em sua manchete, a Folha aborda o tema, mas desqualifica a posição de Toffoli, como se ela fosse a consequência do fato de, no passado, ter advogado para o PT. O texto interno reduz ainda mais a legitimidade do ministro para defender sua posição. "A participação de Toffoli gerou polêmica antes do início do julgamento pelo fato de ele ter sido advogado do PT e assessor da Casa Civil no período em que Dirceu comandava a pasta (Toffoli votou pela absolvição do petista). O ministro também namora advogada que participou da defesa de um dos réus", afirma a reportagem.
Abaixo, o editorial da Folha, de 25 de outubro deste ano:
Para quem precisa
Os crimes são cometidos mediante violência ou fraude. No primeiro caso, só resta à sociedade prender os infratores --são perigosos demais para continuar à solta. Será adequado tratar todos os demais do mesmo modo?
Esta Folha tem argumentado que não. Há mais de dez anos, portanto muito antes do mensalão, sustenta-se aqui que a pena de prisão deveria ser destinada, em tese, aos que recorrem a violência física ou grave ameaça na consecução do delito de que são culpados.
As condições na maioria das cadeias brasileiras são abjetas. Mas a sociedade continua a abarrotá-las de indivíduos, condenados por juízes que fecham os olhos, como a efígie da Justiça, para a norma constitucional que proíbe "penas cruéis" e "tratamento degradante".
São mais de 514 mil presos no país, num sistema que comporta 306 mil. Ao mesmo tempo, 153 mil mandados de prisão aguardam ser cumpridos, conforme o eufemismo judicial. Celerados estão livres, enquanto uma parcela de criminosos que não oferece o mesmo risco está detida.
Dizer que a prisão deveria reeducar é outra falácia. Claro que é preciso aumentar o número de vagas nos presídios, torná-los compatíveis com um país civilizado e compelir os detentos a trabalhar. Mesmo na Suécia, porém, os cárceres fazem jus ao clichê de que toda prisão é uma universidade do crime.
Constatá-lo não implica complacência. Delinquentes violentos devem ser submetidos a longuíssima privação de liberdade, e a progressão dessas penas deveria ser até mais difícil do que é.
Quanto aos outros, não faltam medidas duras à disposição do juiz: impedimento duradouro de exercer cargo público ou determinada profissão, restituição dos valores subtraídos e prestação de serviços à comunidade, que podem se tornar encargos severos quando prolongados --e são verificáveis pelos recursos da tecnologia eletrônica.
A indignação pública perante o escândalo do mensalão se expressa, contudo, no legítimo anseio de ver os culpados atrás das grades.
Sempre houve corrupção política, mas o governo Lula a praticou em escala sistêmica, sob o comando da camarilha então incrustada no ápice do Executivo e do partido que o controla. As punições hão de ser drásticas, e seu efeito, exemplar, mas sem a predisposição vingadora que parece governar certas decisões (e equívocos) do ministro Joaquim Barbosa.
Tendo arrostado um partido que continua no poder e cujo chefe desfruta de imensa popularidade, seria decerto pedir demais ao Supremo Tribunal Federal que fosse ainda além, condenando nosso sistema prisional ao evitar que esses réus sejam despachados, sem motivo inarredável que não a letra da lei, para o inferno das cadeias.
Tal desfecho estaria sujeito a interpretações perniciosas. Ignorou-se a lei, tudo termina em pizza, diriam muitos. Evitou-se que os mensaleiros se façam de mártires encarcerados, diriam outros. Nem por isso a prisão desses criminosos terá sido necessária.
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