O que o brasileiro realmente quer de seu país?
Uma das situações mais extravagantes do processo eleitoral recente foi a expectativa de que o julgamento do mensalão pudesse afetar de forma significativa o desempenho do PT nas eleições municipais.Muitos apostaram que a cobertura jornalística intensiva seria suficiente para paralisar o partido e, sobretudo, o papel de Lula na campanha. Antes mesmo do início do julgamento, foram mais de dois meses de cobertura intensiva, visando trazer o tema para o debate nacional. Não funcionou.
Para mim, não houve novidade. No início do julgamento, em entrevista ao Globo News Painel, afirmei que não acreditava que o mensalão pudesse produzir repercussão importante entre o eleitorado. Naquela mesma semana, uma pesquisa de opinião apontava Lula como a personalidade com maior apoio para ser candidato a presidente em 2014.
Três meses e horas e horas de noticiário depois sobre o mensalão, nem Dilma nem Lula foram abalados com o resultado do julgamento. Ao contrário, a despeito das interpretações conflitantes sobre quem venceu as eleições, o PT foi o partido que mais obteve votos no primeiro turno.
Levantamento realizado pela Arko Advice indica que o PT foi a legenda que mais conquistou votos no primeiro turno das eleições municipais para prefeito em todo o país (16,8% do eleitorado nacional), seguida por PMDB (16,2%), PSDB (13,5%), PSB (8,4%), PSD (5,7%) e DEM (4,4%).
Qual a razão do descolamento entre a chamada “opinião pública” e o eleitorado? Por que, no final das contas, o PT não foi penalizado politicamente pelo julgamento do mensalão? Afinal, o eleitorado nacional tem uma ética, digamos, mais elástica do que a da imprensa?
Tenho algumas pistas. A primeira delas é o fato de que a imprensa escrita no Brasil é pouco relevante em termos numéricos. O impacto dos jornalões na realidade é pequeno. Sequer tiramos 7 milhões de exemplares de jornais por dia.
Em sua maioria, jornais de baixa qualidade editorial. Portanto, a cruzada jornalística em favor do justiçamento dos réus do mensalão não foi assimilada.
O segundo aspecto é que a informação é adquirida pela televisão, que é, predominantemente, de recreio. O noticiário, em que pese sua enorme audiência, é uma revista genérica que cola uma sequência de notícias variadas. Que vão, rapidamente, de acidentes de trânsito a atentados no Iraque, passando por inundações nos Estados Unidos, pela violência em alguma cidade brasileira e pela situação do comércio.
Não sendo palco de debates nem de formação de opinião crítica, o noticiário é tratado como “fast food” e consumido como tal.
O terceiro aspecto reside no fato de o brasileiro estar satisfeito com o Brasil e não desejar ser acordado desta situação por conta de ocorrências obscurecidas pelo passar dos tempos. Até mesmo porque o povo acha que, em se tratando de política, a possibilidade de haver alguma safadeza é grande, e isso não é nenhuma novidade.
Em se vivendo um momento ruim, o julgamento do mensalão poderia ser o detonador de expectativas trágicas para o governo e o PT no âmbito da política. Não é o caso. O meio ambiente social isolou o julgamento da maioria do eleitorado.
Para agravar as coisas, a noção acerca das instituições e de seus papéis é precária. Pesquisa indicou que apenas 4% dos brasileiros sabem para que serve o Supremo Tribunal Federal. Provavelmente, após o julgamento que transformou Joaquim Barbosa em herói nacional, o conhecimento sobre o que faz o STF vai aumentar. Um pouco.
Assim, fazer o exercício mental de que alguns fatos ocorridos há mais de sete anos, envolvendo políticos e vários partidos, agora vão ser julgados é muito cansativo. Em especial para um eleitorado não politizado, pouco interessado, precariamente informado e satisfeito com o cenário econômico.
Não faço um julgamento ético do comportamento do eleitorado diante dos episódios julgados no mensalão. Apenas constato um fenômeno que deveria levar a uma ampla reflexão sobre o que o brasileiro realmente quer do seu país.
Murillo de Aragão é cientista político
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