Uma frase de um ministro do STF no processo do “mensalão” sintetiza a possibilidade de uma crise de legitimidade do Supremo, no próximo período, em função de julgamentos que começam a pipocar sobre os torturadores da ditadura: os réus, disse ele, são “profanadores da República”. Mas os assassinatos e torturas - contra pessoas indefesas sob custódia do Estado - transformou os agentes da ditadura em “políticos”, abrigados na Lei de Anistia? O artigo é de Tarso Genro.
Tarso Genro
Com o presente texto e outros futuros, pretendo dar algum tipo de colaboração ao debate político e jurídico, que versa sobre o futuro da nossa democracia, a partir do julgamento do “mensalão”, a saber, considerando-o episódio histórico, cujos efeitos ainda são difíceis de serem apanhados na sua verdadeira dimensão: até que ponto o Estado Democrático de Direito suporta transformações econômico-sociais que utilizem as suas instituições para atacar desigualdades? Em que medida o “clamor público” - falsificado pela mídia “partidarizada” (no sentido de defender abertamente uma das “partes” em conflito político aberto) - perverte estas instituições? E, finalmente, o Brasil realmente mudou, depois deste histórico julgamento?
Para adiantar algumas opiniões que sustentarei ao longo do debate adianto: o Estado de Direito atual, com o atual sistema político eleitoral não tem condições de sustentar as promessas de promoção social e econômica, que estão inscritas nas suas normas constitucionais. A mídia não compõe um “quarto poder”, mas ela é o próprio “estado ampliado”: é estado e sociedade ao mesmo tempo, ordena as relações políticas e jurídicas, de acordo com as forças econômicas e sociais hegemônicas na formação social concreta. O Brasil não mudará nada, após este julgamento: o que pode mudar o Brasil é uma profunda reforma política e um ajuste com seu passado violento, autoritário, escravagista e, até hoje, com um presente profundamente desigual, aceito por um povo paciente e generoso.
Nas análises que fiz, não manifestei convicções pessoais sobre a culpabilidade dos réus dentro da ordem jurídico-penal vigente. Busquei analisar a coerência interna da ordem. Procurei mostrar que - em face do falso clamor público criado externamente às instituições - os réus principais já entraram condenados no julgamento. E que, por coerência necessária (entre o sistema político e o sistema de direito), a falsa consciência, promovida externamente ao Tribunal e a futura decisão do Tribunal (já proferida) deveriam coincidir.
Observei que, para isso, seria necessário violar o princípio da presunção da inocência, pelos menos em relação aos réus políticos do processo. Usar argumentos oferecidos por doutrina, criada dentro da própria ordem (“domínio funcional dos fatos”) foi passo necessário para promover um julgamento “devido”, “legal” e “legítimo” - coerente, pois, com o Estado Democrático de Direito em plena vigência.
Algumas poucas observações críticas, que se reportaram aos meus textos, entenderam que, a partir daí, eu estaria concluindo que num julgamento originário de “devido processo legal” - dentro da ordem democrática - decorrem necessariamente sentenças que devemos entender como “justas”. Não penso assim. A Justiça em “abstrato” pode, ou não, estar refletida numa sentença concreta. Fazer Justiça - em abstrato - “é dar a cada um o que lhe é devido”. Mas, devido segundo o quê? Segundo o Direito Natural? Segundo os mandamentos divinos? Segundo a Lei escrita? Segundo os princípios da Constituição e as intenções do Constituinte? A mediação feita pelo Estado para “concretizar” a Justiça - na medida possível da ordem jurídica específica- é feita pelas instituições: os homens concretos que estão nas instituições.
Entendo, por exemplo, partindo de uma ordem ideal (aliás todos partimos de ordens idealizadas para definir o que é “justo” ou “injusto”, mesmo que nos aferremos à “ordem escrita”), que “fazer Justiça” é suprimir desigualdades reais: reduzir ou suprimir opressões, respeitar diferenças, tratar desigualmente os desiguais para “compensar”, mas isso só é possível num outro sistema social, num outro sistema econômico, num outro sistema político, organizado conscientemente com esta finalidade.
Se os Tribunais pudessem, por exemplo, voltar-se contra a ordem do capital e da propriedade privada, para repor as expropriações materiais e morais que o regime reproduz, incessantemente, entre os diferentes grupos de humanos, nos diversos andares das classes, o Estado Democrático seria outro. Mas isso ainda é, não só indeterminado para o futuro, mas também inexistente no passado, como indico neste exemplo concreto: se os Tribunais pudessem julgar improcedente uma ação de despejo contra locatários que, comprovadamente, não tem recursos para pagar os seus alugueres e pudessem, ao mesmo tempo, distribuir os imóveis dos que são proprietários de centenas deles, para indivíduos e famílias que moram nas ruas, poder-se-ia crer que o Estado Democrático de Direito seria difusor de um sentido de Justiça “em abstrato”, segundo a pré-visão de mundo que adotamos.
Mas a Justiça em abstrato da qual partimos, para analisar a grandeza do Direito Objetivo ou sua pequenez, é a Justiça que - quando feita - parte da consideração que os homens são iguais para viverem em igualdade, em termos materiais e culturais: uma Justiça corretiva das desigualdades reais. A Justiça em “concreto”, dentro de uma ordem concreta - quando feita - parte da ficção da igualdade perante a lei, sem a finalidade de transformar esta ficção, ainda que gradativamente, em realização de igualdade real.
Por que isso é impossível? Porque o Estado Democrático de Direito baseia-se, também, na expectativa da segurança jurídica permanente para todos, sem exceção. Nesta medida, os reflexos da segurança jurídica são desiguais: a segurança “de ter”, para quem “já tem”, resulta em efeitos práticos diferentes da segurança de “poder querer ter”, para quem “não tem”. Parece óbvio, que isso significa congelar o mundo real como mundo sempre fadado a ser desigual e concretamente injusto.
Logo, o Estado Democrático de Direito é um Estado promotor de desigualdades consensuais, que abrem oportunidades de igualdade real, limitadas. E o fazem, tanto por meio das liberdades políticas (no terreno da Política), como por meio do princípio da igualdade perante a lei (no terreno do Direito). As decisões judiciais, frequentemente, fazem a síntese, pela autoridade estatal, das conflitividades existentes entre estas formas de composição do Estado (Direito e Política), apontando o dissenso ou a convergência entre elas.
Mais do que isso só a Revolução. Como não é o caso, nem dos governos do Presidente Lula, nem dos réus políticos do processo - reformistas dentro da ordem - concluo que uma sentença, legal e legítima, dentro do Estado de Direito que eles ajudaram a forjar e os acolheu, tanto pode ser justa como injusta. E ela pode ser injusta quando, por exemplo, fica suprimido o princípio da presunção da inocência, para decidir-se - mais do que sobre os réus - também sobre um período histórico determinado. Períodos em que as próprias instituições judiciais estiveram cativas (como a ditadura), ou que estas não estavam cativas mas não concordaram, no todo ou em parte, com o que ocorreu no período (governo Lula). Como disse um eminente ex-líder da oposição, com o que foi realizado “por essa raça”.
Mesmo quando o processo politiza-se em excesso, por interesses claros e imediatos, para interferir em processos eleitorais, isso é Justiça concreta da ordem realizada plenamente. Assim, o Estado Democrático de Direito deve ser preservado e defendido, não porque ele seja justo “em abstrato”, mas porque ele é a forma histórica concreta mais avançada de preservar os direitos democráticos do povo e a dignidade humana. Porque ele é ambíguo: fruto de uma revolução é também fruto de um processo conservador; organizador de uma nova forma de dominação é, também, receptor de instituições libertárias; repressor é, também, aberto ao desejo; autoritário é, igualmente, politizado. E, sobretudo, deve ser preservado, porque a humanidade ainda não forjou instituições superiores às que funcionaram ou funcionam nas suas melhores experiências nacionais, embora isso não queira dizer “conservá-lo”, nem no formol do positivismo, nem na falsificação metafísica das suas finalidades.
Uma frase de efeito dita por um dos ministros mais eminentes da Suprema Corte neste processo do “mensalão”, sintetiza toda esta contradição e a possibilidade de uma verdadeira crise de legitimidade da Suprema Corte, no próximo período, em função de julgamentos que começam a pipocar na primeira instância sobre os torturadores da ditadura: os réus –disse ele- deste processo (“mensalão”) são os “profanadores da República”.
Segundo o Aurélio, “profanar” significa “transgredir”, “violar” a República, uma abstração jurídica e política, como se sabe. Pois bem, a mesma Corte, em decisão recente, interpretativa da Lei de Anistia, entendeu que os assassinos à sangue-frio dentro dos cárceres, os torturadores, estupradores de mulheres indefesas sob custódia do Estado - que torturaram filhos na frente dos pais e pais na frente de filhos- que assassinaram adolescentes, jovens e velhos, estão abrigados na Lei de Anistia, porque cometeram delitos em “conexão” com as políticas de defesa da ordem política da ditadura.
A transgressão aos princípios abstratos da República transformou os agentes governamentais ligados ao governo Lula, no “mensalão”, em “profanadores”. Mas os assassinatos e torturas concretas - contra pessoas indefesas sob custódia do Estado - transformou os agentes da ditadura em “políticos”, abrigados na Lei de Anistia?
Ambos os julgamentos, como se vê, tiveram um grau de politização dentro da legalidade vigente, que superou a devida atenção ao sistema de normas do Estado de Direito. E isso ocorreu porque ambos, em última instância, deveriam ir além dos réus, atuais ou futuros. Em ambos os casos eram julgados distintos períodos históricos da História pátria, que deveriam ser preservados ou “profanados”, pelas decisões majoritárias da Corte, que são construídas a partir das visões de mundo, da ideologia e das preferências políticas dos seus ministros.
Tudo isso pôde ser feito dentro da lei e com legitimidade, pois o Estado Democrático de Direito, como já defendi em outro artigo, tem espaços de construção doutrinária amplos, que permitem proferir - com legitimidade - tanto sentenças justas como injustas. Não seria um programa mínimo da decência jurídica do país, exigir do Supremo que ele inclua no rol dos “profanadores” da República os torturadores dos corpos da República?
Esta tarefa, ao lado da Reforma Política, deve ser uma agenda da esquerda que, ao longo do governo Lula, majoritariamente declinou de ampliar as conquistas políticas democráticas no Estado Democrático de Direito, através de uma certa acomodação economicista e pragmática na direção do Estado.
Quero sustentar, finalmente, que defender a dramatização excessiva do resultado deste julgamento, será um favor para quem pretende deixar de lado a agenda das reformas institucionais, necessárias para que não mais aconteçam fatos e processos como estes. Um estranho processo político, no qual a mídia precede o Ministério Público, antecipa a decisão do Supremo e constrói uma agenda eleitoral que dá causa e oxigênio a uma oposição que sequer tem oxigênio. Muito menos causa.
Para adiantar algumas opiniões que sustentarei ao longo do debate adianto: o Estado de Direito atual, com o atual sistema político eleitoral não tem condições de sustentar as promessas de promoção social e econômica, que estão inscritas nas suas normas constitucionais. A mídia não compõe um “quarto poder”, mas ela é o próprio “estado ampliado”: é estado e sociedade ao mesmo tempo, ordena as relações políticas e jurídicas, de acordo com as forças econômicas e sociais hegemônicas na formação social concreta. O Brasil não mudará nada, após este julgamento: o que pode mudar o Brasil é uma profunda reforma política e um ajuste com seu passado violento, autoritário, escravagista e, até hoje, com um presente profundamente desigual, aceito por um povo paciente e generoso.
Nas análises que fiz, não manifestei convicções pessoais sobre a culpabilidade dos réus dentro da ordem jurídico-penal vigente. Busquei analisar a coerência interna da ordem. Procurei mostrar que - em face do falso clamor público criado externamente às instituições - os réus principais já entraram condenados no julgamento. E que, por coerência necessária (entre o sistema político e o sistema de direito), a falsa consciência, promovida externamente ao Tribunal e a futura decisão do Tribunal (já proferida) deveriam coincidir.
Observei que, para isso, seria necessário violar o princípio da presunção da inocência, pelos menos em relação aos réus políticos do processo. Usar argumentos oferecidos por doutrina, criada dentro da própria ordem (“domínio funcional dos fatos”) foi passo necessário para promover um julgamento “devido”, “legal” e “legítimo” - coerente, pois, com o Estado Democrático de Direito em plena vigência.
Algumas poucas observações críticas, que se reportaram aos meus textos, entenderam que, a partir daí, eu estaria concluindo que num julgamento originário de “devido processo legal” - dentro da ordem democrática - decorrem necessariamente sentenças que devemos entender como “justas”. Não penso assim. A Justiça em “abstrato” pode, ou não, estar refletida numa sentença concreta. Fazer Justiça - em abstrato - “é dar a cada um o que lhe é devido”. Mas, devido segundo o quê? Segundo o Direito Natural? Segundo os mandamentos divinos? Segundo a Lei escrita? Segundo os princípios da Constituição e as intenções do Constituinte? A mediação feita pelo Estado para “concretizar” a Justiça - na medida possível da ordem jurídica específica- é feita pelas instituições: os homens concretos que estão nas instituições.
Entendo, por exemplo, partindo de uma ordem ideal (aliás todos partimos de ordens idealizadas para definir o que é “justo” ou “injusto”, mesmo que nos aferremos à “ordem escrita”), que “fazer Justiça” é suprimir desigualdades reais: reduzir ou suprimir opressões, respeitar diferenças, tratar desigualmente os desiguais para “compensar”, mas isso só é possível num outro sistema social, num outro sistema econômico, num outro sistema político, organizado conscientemente com esta finalidade.
Se os Tribunais pudessem, por exemplo, voltar-se contra a ordem do capital e da propriedade privada, para repor as expropriações materiais e morais que o regime reproduz, incessantemente, entre os diferentes grupos de humanos, nos diversos andares das classes, o Estado Democrático seria outro. Mas isso ainda é, não só indeterminado para o futuro, mas também inexistente no passado, como indico neste exemplo concreto: se os Tribunais pudessem julgar improcedente uma ação de despejo contra locatários que, comprovadamente, não tem recursos para pagar os seus alugueres e pudessem, ao mesmo tempo, distribuir os imóveis dos que são proprietários de centenas deles, para indivíduos e famílias que moram nas ruas, poder-se-ia crer que o Estado Democrático de Direito seria difusor de um sentido de Justiça “em abstrato”, segundo a pré-visão de mundo que adotamos.
Mas a Justiça em abstrato da qual partimos, para analisar a grandeza do Direito Objetivo ou sua pequenez, é a Justiça que - quando feita - parte da consideração que os homens são iguais para viverem em igualdade, em termos materiais e culturais: uma Justiça corretiva das desigualdades reais. A Justiça em “concreto”, dentro de uma ordem concreta - quando feita - parte da ficção da igualdade perante a lei, sem a finalidade de transformar esta ficção, ainda que gradativamente, em realização de igualdade real.
Por que isso é impossível? Porque o Estado Democrático de Direito baseia-se, também, na expectativa da segurança jurídica permanente para todos, sem exceção. Nesta medida, os reflexos da segurança jurídica são desiguais: a segurança “de ter”, para quem “já tem”, resulta em efeitos práticos diferentes da segurança de “poder querer ter”, para quem “não tem”. Parece óbvio, que isso significa congelar o mundo real como mundo sempre fadado a ser desigual e concretamente injusto.
Logo, o Estado Democrático de Direito é um Estado promotor de desigualdades consensuais, que abrem oportunidades de igualdade real, limitadas. E o fazem, tanto por meio das liberdades políticas (no terreno da Política), como por meio do princípio da igualdade perante a lei (no terreno do Direito). As decisões judiciais, frequentemente, fazem a síntese, pela autoridade estatal, das conflitividades existentes entre estas formas de composição do Estado (Direito e Política), apontando o dissenso ou a convergência entre elas.
Mais do que isso só a Revolução. Como não é o caso, nem dos governos do Presidente Lula, nem dos réus políticos do processo - reformistas dentro da ordem - concluo que uma sentença, legal e legítima, dentro do Estado de Direito que eles ajudaram a forjar e os acolheu, tanto pode ser justa como injusta. E ela pode ser injusta quando, por exemplo, fica suprimido o princípio da presunção da inocência, para decidir-se - mais do que sobre os réus - também sobre um período histórico determinado. Períodos em que as próprias instituições judiciais estiveram cativas (como a ditadura), ou que estas não estavam cativas mas não concordaram, no todo ou em parte, com o que ocorreu no período (governo Lula). Como disse um eminente ex-líder da oposição, com o que foi realizado “por essa raça”.
Mesmo quando o processo politiza-se em excesso, por interesses claros e imediatos, para interferir em processos eleitorais, isso é Justiça concreta da ordem realizada plenamente. Assim, o Estado Democrático de Direito deve ser preservado e defendido, não porque ele seja justo “em abstrato”, mas porque ele é a forma histórica concreta mais avançada de preservar os direitos democráticos do povo e a dignidade humana. Porque ele é ambíguo: fruto de uma revolução é também fruto de um processo conservador; organizador de uma nova forma de dominação é, também, receptor de instituições libertárias; repressor é, também, aberto ao desejo; autoritário é, igualmente, politizado. E, sobretudo, deve ser preservado, porque a humanidade ainda não forjou instituições superiores às que funcionaram ou funcionam nas suas melhores experiências nacionais, embora isso não queira dizer “conservá-lo”, nem no formol do positivismo, nem na falsificação metafísica das suas finalidades.
Uma frase de efeito dita por um dos ministros mais eminentes da Suprema Corte neste processo do “mensalão”, sintetiza toda esta contradição e a possibilidade de uma verdadeira crise de legitimidade da Suprema Corte, no próximo período, em função de julgamentos que começam a pipocar na primeira instância sobre os torturadores da ditadura: os réus –disse ele- deste processo (“mensalão”) são os “profanadores da República”.
Segundo o Aurélio, “profanar” significa “transgredir”, “violar” a República, uma abstração jurídica e política, como se sabe. Pois bem, a mesma Corte, em decisão recente, interpretativa da Lei de Anistia, entendeu que os assassinos à sangue-frio dentro dos cárceres, os torturadores, estupradores de mulheres indefesas sob custódia do Estado - que torturaram filhos na frente dos pais e pais na frente de filhos- que assassinaram adolescentes, jovens e velhos, estão abrigados na Lei de Anistia, porque cometeram delitos em “conexão” com as políticas de defesa da ordem política da ditadura.
A transgressão aos princípios abstratos da República transformou os agentes governamentais ligados ao governo Lula, no “mensalão”, em “profanadores”. Mas os assassinatos e torturas concretas - contra pessoas indefesas sob custódia do Estado - transformou os agentes da ditadura em “políticos”, abrigados na Lei de Anistia?
Ambos os julgamentos, como se vê, tiveram um grau de politização dentro da legalidade vigente, que superou a devida atenção ao sistema de normas do Estado de Direito. E isso ocorreu porque ambos, em última instância, deveriam ir além dos réus, atuais ou futuros. Em ambos os casos eram julgados distintos períodos históricos da História pátria, que deveriam ser preservados ou “profanados”, pelas decisões majoritárias da Corte, que são construídas a partir das visões de mundo, da ideologia e das preferências políticas dos seus ministros.
Tudo isso pôde ser feito dentro da lei e com legitimidade, pois o Estado Democrático de Direito, como já defendi em outro artigo, tem espaços de construção doutrinária amplos, que permitem proferir - com legitimidade - tanto sentenças justas como injustas. Não seria um programa mínimo da decência jurídica do país, exigir do Supremo que ele inclua no rol dos “profanadores” da República os torturadores dos corpos da República?
Esta tarefa, ao lado da Reforma Política, deve ser uma agenda da esquerda que, ao longo do governo Lula, majoritariamente declinou de ampliar as conquistas políticas democráticas no Estado Democrático de Direito, através de uma certa acomodação economicista e pragmática na direção do Estado.
Quero sustentar, finalmente, que defender a dramatização excessiva do resultado deste julgamento, será um favor para quem pretende deixar de lado a agenda das reformas institucionais, necessárias para que não mais aconteçam fatos e processos como estes. Um estranho processo político, no qual a mídia precede o Ministério Público, antecipa a decisão do Supremo e constrói uma agenda eleitoral que dá causa e oxigênio a uma oposição que sequer tem oxigênio. Muito menos causa.
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