sábado, 11 de outubro de 2014

Altamiro Borges: Como enfrentar a onda conservadora?

Altamiro Borges: Como enfrentar a onda conservadora?

Como enfrentar a onda conservadora?


Por Valter Pomar, em seu blog:



A "onda conservadora" é um tema presente em muitas análise das eleições 2014.



Presente, especialmente, naqueles analistas que superestimaram os
aspectos progressistas das manifestações de junho de 2013, minimizando o
fato delas não serem homogêneas nem organizadas e, principalmente,
terem produzido uma reação por parte da direita política e midiática,
seja para "interpretar" seu significado, seja para neutralizar eventuais
desdobramentos positivos.



Presente, também com destaque, nas preocupações
daqueles que subestimaram os nossos adversários nas eleições
presidenciais de 2014, acreditando em vitória no primeiro turno e outras
quimeras do estilo.



Presente com força, finalmente, naqueles que destacam o que ocorreu no
legislativo (redução do número total de deputados da esquerda e eleição
bem-votada de porta-vozes da pior direita), minimizando o resultado que
obtivemos na eleição presidencial, contra quase tudo e contra quase
todos (e inclusive contra alguns da mal denominada base aliada).



Isto posto, a onda conservadora existe, suas raízes vem de 2003 e não
pode ser subestimada. Tampouco superestimada, sob pena de pessimismo,
derrotismo e desmobilização, na linha da profecia auto-anunciada.



A respeito, recomendo ler o texto "Onda conservadora", de Guilherme Boulos (reproduzo na íntegra ao final).



Segundo Boulos, o "último domingo revelou eleitoralmente um fenômeno que
já se observava ao menos desde 2013 na política brasileira: a ascensão
de uma onda conservadora. Conservadora não no sentido de manter o que
está aí, mas no pior viés do conservadorismo político, econômico e
moral. Uma virada à direita. Talvez, o recente período democrático
brasileiro não tenha presenciado ainda um Congresso tão atrasado como o
que foi agora eleito. O que já era ruim ficará ainda pior".



Boulos nota que São Paulo, que foi o berço das mobilizações de junho de
2013, foi também base fundamental desta virada a direita. "Contradição?
Nem tanto": "Por um lado, as jornadas de junho expressaram uma descrença
de que as transformações populares se darão por dentro destas
instituições. Foram sintoma de uma aguda crise urbana, traduzida no tema
da mobilidade. E deixaram um legado positivo com o crescimento das
mobilizações populares, ocupações e greves no último período. Esta
vertente esquerdista de junho talvez tenha se manifestado eleitoralmente
–além da votação no PSOL– pelo aumento das abstenções e votos
inválidos. Neste ano somaram 29,03%, mais do que os 26,93% do primeiro
turno de 2010 e do que os 26,79% que definem a média das eleições
brasileiras desde 1994".



Aqui há um ponto que eu gostaria de destacar. Nas atuais condições
históricas, uma estratégia socialista deve combinar ruas e urnas,
mobilização social e presença institucional, movimentos e partidos.



A descrença em transformações "por dentro" das instituições, se conduzir
à abstenção eleitoral e a invalidar os votos, se for acompanhada de um
movimentismo "sem partido", não vai conduzir a transformação alguma.



Mutatis mutandis, a ideia de transformação "por dentro", se não for
combinada com a mobilização social, tampouco conduzirá à transformação.
Por isto, aliás, é que devemos apontar que o esquerdismo e a esquerda
moderada cometem erros simétricos.



Voltemos a Boulos: "junho teve outra vertente, que deixou rescaldos mais
marcantes. A direita saiu do armário". (...) "Isso tudo se sintetizou
num antipetismo feroz que correu o país. As ofensas a Dilma em estádios
da Copa apenas repetiram o cântico que foi ecoado nas ruas meses antes".



Sim, este é o fato, a direita saiu do armário. Mas por qual motivo este fato ocorreu?



Na minha opinião, por motivos similares aos da eleição de Tancredo &
Sarney no Colégio Eleitoral, depois das Diretas Já; e aos da eleição de
Paulo Maluf prefeito de São Paulo, logo depois do movimento pela ética
na política conhecido como Fora Collor.



A saber: toda vez que há uma grande mobilização de massas com um sentido
progressista, há uma reação. E se a mobilização de massas não tem
organização, homogeneidade e desdobramentos, a reação terá maior êxito
em "domesticar" seu significado.



Boulos acrescenta algo muito importante: "Alguns petistas ainda não
compreenderam. Pensaram estar lidando com uma segunda versão do
movimento "Cansei". E por isso são incapazes de entender o que ocorreu
no último domingo. Aécio ganhou no Campo Limpo, Itaquera, Jardim São
Luis, Ermelino Matarazzo e Sapopemba. Elite?"



Novamente, este é o fato: o anti-petismo penetrou setores populares. Não
é apenas um fenômeno da "classe média tradicional" e do grande
empresariado. Mas que setores populares são anti-petistas? E por quais
motivos?



Arrisco a seguinte explicação, evidentemente incompleta e parcial: há um
fenômeno "geracional", há um fenômeno "social" e um fenômeno
"político-ideológico".



"Geracional": a nova classe trabalhadora (por idade ou por tempo de
carteira) não pensa da mesma forma que a "velha" classe trabalhadora e
não tem os mesmos vínculos e opiniões com o PT.



"Social": o fenômeno de ascensão social via consumo tende a gerar um
comportamento social que mimetiza a "velha classe média" no que ela tem
de pior. Risco que não é levado em devida conta por quem acha que nosso
objetivo é criar um "país de classe média".



"Político-ideológico": nos últimos 12 anos, a direita reforçou seus
aparatos de comunicação, cultura e educação. E a esquerda, na melhor das
hipóteses, fez muito menos do que deveria e poderia.



Os três fenômenos citados estão presentes, de forma combinada, em todo o
país. E estão na base da popularização do anti-petismo. Contudo, por
quais motivos as eleições conduziram a resultados regionalmente tão
contrastados?



Entre outros motivos, na minha opinião, porque...



1) os aspectos positivos do que fizemos nestes 12 anos impactaram de maneira regionalmente desigual;



2) a correlação de forças e a influência da hegemonia da classe
dominante também são diferentes de região para região. Em São Paulo, por
exemplo, há um peso maior do grande empresariado e dos setores médios
tradicionais;



3) finalmente, porque se é verdade que em nosso discurso faltou
politização/polarização de classe, também é verdade que em nosso
discurso esteve presente uma politização/polarização digamos "regional".




Este terceiro aspecto vale para nós, mas também para a direita. Aliás,
este é um tema que não aparece na análise de Boulos: o anti-petismo de
base popular (assim como, no passado, o anti-varguismo etc.) é mais
forte em determinadas regiões do país, como São Paulo.



Sigamos adiante com Boulos: "o que o PT teimou em não compreender é que o
modelo de governo que adotou nos últimos doze anos chegou ao
esgotamento. Junho de 2013 foi um sintoma disso. O pacto social
construído por Lula em 2002 não funciona mais. A ideia de que todos os
interesses são conciliáveis, de que todos podem ganhar, depende do
crescimento econômico e da desmobilização das forças sociais".



Para ser preciso, desde 2005 setores importantes do PT vem apontando
para o esgotamento da estratégia (não apenas do "modelo de governo")
baseado em mudanças sem rupturas, baseado na ampliação das políticas
públicas mas não em reformas estruturais etc.



Hoje, arrisco dizer que parte importante do PT já se convenceu de que é
preciso outra estratégia, embora haja opiniões diametralmente opostas
sobre o que seria esta outra estratégia.



Mas... os setores que são majoritários na direção nacional do PT não se
convenceram da necessidade de mudar a estratégia a tempo de incidir nas
eleições de 2014. Pesou nesta postura, na minha opinião, uma visão
equivocada acerca do cenário em que esta eleição se daria. Mas, desde
que perceberam qual o cenário real, vem havendo uma tentativa de
ajustar, senão a estratégia, pelo menos a tática.



Esta tentativa, como Boulos aponta, dá espaço preferencial para "uma
retórica semelhante à de 2006 contra Alckmin, dos de baixo contra os de
cima", sendo que "a eficácia [desta retórica] pode não ser a mesma".



Qual a alternativa? "Apontar o rumo de transformações populares para o
próximo mandato", opção que nas palavras de Boulos pode causar problemas
com aliados de centro e direita.



O desafio, resumidamente, está em saber trocar a roda do carro, com o carro andando.



*****
Onda conservadora

09/10/2014


Guilherme Boulos

O
último domingo revelou eleitoralmente um fenômeno que já se observava
ao menos desde 2013 na política brasileira: a ascensão de uma onda
conservadora. Conservadora não no sentido de manter o que está aí, mas
no pior viés do conservadorismo político, econômico e moral. Uma virada à
direita.
Talvez, o recente período democrático brasileiro não tenha
presenciado ainda um Congresso tão atrasado como o que foi agora
eleito. O que já era ruim ficará ainda pior. O pântano de partidos
intermediários, cujo único programa é o fisiologismo, cresceu
consideravelmente. A bancada da bala e os evangélicos fundamentalistas
tiveram votações expressivas em vários Estados do país.


O deputado mais votado no Rio Grande do Sul foi Luis Carlos Heinze,
que recentemente defendeu a formação de milícias rurais para exterminar
indígenas. No Pará, foi o delegado Eder Mauro. Em Goiás, o delegado
Waldir, com um pitoresco mote de campanha que associava seu número
(4500) com "45 do calibre e 00 da algema". No Ceará foi Moroni Torgan,
ex-delegado e direitista contumaz. No Rio de Janeiro, ninguém menos que
Jair Bolsonaro, que há muito deveria estar preso e cassado por apologia
ao crime de tortura.

Isso sem falar da cereja do bolo, São Paulo,
que desde 1932 orgulha-se em ser a vanguarda do atraso. Alckmin foi
reeleito com quase 60% de votos. Serra suplantou facilmente Suplicy e,
tal como em 2010, não teve pudores em recorrer ao conservadorismo mais
apelativo. Desta vez, com a redução da maioridade penal como bandeira. O
deputado federal mais votado foi Celso Russomano e o terceiro, o pastor
homofóbico Marco Feliciano. Dois coronéis, Telhada e Camilo,
conseguiram vagas na Assembleia Legislativa.

Como não falar numa
onda? Onda que teve como crista a surpreendente votação de Aécio Neves
para a presidência, que ficou apenas 8% atrás de Dilma quando todos os
institutos de pesquisa apontavam o dobro de diferença. De São Paulo
levou –direto para o aeroporto de Cláudio– 4 milhões de votos de
vantagem em relação a Dilma.

São Paulo, que foi o berço das mobilizações de junho de 2013. Contradição? Nem tanto.

Por
um lado, as jornadas de junho expressaram uma descrença de que as
transformações populares se darão por dentro destas instituições. Foram
sintoma de uma aguda crise urbana, traduzida no tema da mobilidade. E
deixaram um legado positivo com o crescimento das mobilizações
populares, ocupações e greves no último período. Esta vertente
esquerdista de junho talvez tenha se manifestado eleitoralmente –além da
votação no PSOL– pelo aumento das abstenções e votos inválidos. Neste
ano somaram 29,03%, mais do que os 26,93% do primeiro turno de 2010 e do
que os 26,79% que definem a média das eleições brasileiras desde 1994.

Mas
junho teve outra vertente, que deixou rescaldos mais marcantes. A
direita saiu do armário. Passou a adotar abertamente um discurso mais
ousado e raivoso. Os velhinhos do Clube Militar tiraram a poeira das
fardas para defender uma reedição de 64. Homofóbicos, racistas e
elitistas passaram a falar sem pudores de suas convicções. Isso tudo se
sintetizou num antipetismo feroz que correu o país. As ofensas a Dilma
em estádios da Copa apenas repetiram o cântico que foi ecoado nas ruas
meses antes.

E não foi só a elite. Alguns petistas ainda não
compreenderam. Pensaram estar lidando com uma segunda versão do
movimento "Cansei". E por isso são incapazes de entender o que ocorreu
no último domingo. Aécio ganhou no Campo Limpo, Itaquera, Jardim São
Luis, Ermelino Matarazzo e Sapopemba. Elite?

O que o PT teimou em
não compreender é que o modelo de governo que adotou nos últimos doze
anos chegou ao esgotamento. Junho de 2013 foi um sintoma disso. O pacto
social construído por Lula em 2002 não funciona mais. A ideia de que
todos os interesses são conciliáveis, de que todos podem ganhar, depende
do crescimento econômico e da desmobilização das forças sociais.

O
que temos hoje é o contrário. Uma sociedade muito mais polarizada e uma
economia beirando a recessão. A mágica de agradar a todos acabou e o
povo sente necessidade de mudanças. Quem teve força política para
capitanear o discurso da mudança não foi a esquerda, mas a direita. O
sentimento é difuso e despolitizado, por isso pôde ser encarnado
farsescamente pelo PSDB após o declínio de Marina Silva.

Este
segundo turno será um divisor de águas. A burguesia brasileira
provavelmente se alinhará em bloco com Aécio Neves, seu candidato puro
sangue. Se o PT quiser disputar o discurso direitista com Aécio corre
grave risco de ser derrotado e ainda sair desmoralizado para uma
eventual oposição a partir de 2015.

Outra alternativa que tem é
apontar o rumo de transformações populares para o próximo mandato, o que
não fez nos últimos doze anos. Fazer o combate pela esquerda. Se o
fizer, terá um preço a pagar em relação à base aliada e aos
financiadores. Dificilmente o fará.

O mais provável é que recorra
a uma retórica semelhante à de 2006 contra Alckmin, dos de baixo contra
os de cima, sem maior consequência prática. Mas o momento é outro e o
discurso da mudança está com muito mais capilaridade inclusive entre os
de baixo. A eficácia pode não ser a mesma. A onda conservadora está
vindo com força e, agora ou em 2015, obrigará o PT a reposicionar-se na
conjuntura, para lá ou para cá.

* Guilherme Boulos, 32, é formado
em filosofia pela USP, professor de psicanálise e membro da coordenação
nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto). Também atua na
Frente de Resistência Urbana e é autor do livro "Por que Ocupamos: uma
Introdução à Luta dos Sem-Teto".

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