O chapeiro e o dono da padaria
Antonio Prata
O chapeiro e o dono da padaria
Não precisa ser marxista para concordar que as necessidades do chapeiro e do dono são diferentes
As vitórias da Dilma, no Nordeste, do Aécio, no Sudeste e a mesma
divisão mostrada pelo Datafolha para o segundo turno ressuscitaram o
velho preconceito de que pobre não sabe votar. Os mais ricos e
escolarizados escolheriam racionalmente e votariam no PSDB, enquanto os
mais pobres e com menos anos de estudo, iludidos pelas "esmolas" e
falsas promessas do governo, fechariam com o PT.
divisão mostrada pelo Datafolha para o segundo turno ressuscitaram o
velho preconceito de que pobre não sabe votar. Os mais ricos e
escolarizados escolheriam racionalmente e votariam no PSDB, enquanto os
mais pobres e com menos anos de estudo, iludidos pelas "esmolas" e
falsas promessas do governo, fechariam com o PT.
Essa ideia equivocada deriva de uma falsa premissa: a de que existiria o
voto certo e o errado. Candidaturas não representariam interesses
distintos de diferentes camadas da sociedade, mas sim a verdade ou a
mentira. Uma eleição não seria, portanto, uma escolha entre múltiplas
propostas, mas se assemelharia àquele golpe em que, sobre um tabuleiro,
uma pessoa vai rolando uma bolinha e a escondendo cada hora sob um de
três copos; no fim, você tem que descobrir qual copo esconde a bola,
quais estão vazios; qual candidatura é a certa, boa para todos, quais
são as vazias, querendo nos enganar.
voto certo e o errado. Candidaturas não representariam interesses
distintos de diferentes camadas da sociedade, mas sim a verdade ou a
mentira. Uma eleição não seria, portanto, uma escolha entre múltiplas
propostas, mas se assemelharia àquele golpe em que, sobre um tabuleiro,
uma pessoa vai rolando uma bolinha e a escondendo cada hora sob um de
três copos; no fim, você tem que descobrir qual copo esconde a bola,
quais estão vazios; qual candidatura é a certa, boa para todos, quais
são as vazias, querendo nos enganar.
Ora, bolas, o Nordeste não deu 60% dos votos à Dilma porque foi enganado
por ela. Deu porque, sob o PT, as condições de vida daqueles milhões de
eleitores melhoraram. E o mensalão? E o escândalo da Petrobras? E a
inflação? Nada disso conta? Não a ponto de escolherem outro candidato. É
um voto racional.
por ela. Deu porque, sob o PT, as condições de vida daqueles milhões de
eleitores melhoraram. E o mensalão? E o escândalo da Petrobras? E a
inflação? Nada disso conta? Não a ponto de escolherem outro candidato. É
um voto racional.
A mesma coisa vale para os 39,45% do Aécio no Sudeste. O sudeste é mais
rico, vê seus interesses representados pelo candidato, não precisa tanto
de programas sociais --só quer menos Estado, evidentemente, quem não
depende dele. E o mensalão mineiro? E o escândalo do metrô? E a compra
de votos pra reeleição? Nada disso conta? Não a ponto de escolherem
outro candidato. É um voto racional.
rico, vê seus interesses representados pelo candidato, não precisa tanto
de programas sociais --só quer menos Estado, evidentemente, quem não
depende dele. E o mensalão mineiro? E o escândalo do metrô? E a compra
de votos pra reeleição? Nada disso conta? Não a ponto de escolherem
outro candidato. É um voto racional.
Na boa: você não precisa ser marxista-leninista pra concordar que as
necessidades do chapeiro são diferentes das do dono da padaria, vai?
necessidades do chapeiro são diferentes das do dono da padaria, vai?
Na quinta, Armínio Fraga e Guido Mantega foram entrevistados por Miriam
Leitão, na GloboNews. O que Armínio dizia era, numa livre tradução, que o
PT está quebrando a padaria e, caso isso aconteça, quem mais se
estrepará será o chapeiro. Mantega se defendia afirmando que a padaria
não está quebrando, só está com pouco movimento por conta da crise
mundial. E lembrava que, mesmo nesse período difícil, o Brasil manteve
contínuos aumentos de salário e seguiu contratando chapeiros. Armínio
rebatia que a crise já tinha passado e as outras padarias estão melhores
que a nossa e acusava o governo de só manter o emprego e o salário
nesses níveis na base da gambiarra. As planilhas estariam cheias de
araminho e fita isolante. É a crise!, se defendia Mantega, alegando que
na hora do dilúvio é mais importante botar a bacia embaixo da goteira
que consertar o buraco no teto. Uma hora o teto vai cair, vaticinava
Armínio. Com a gente, nunca caiu, se orgulhava Mantega, com vocês, caiu
três vezes! Era a crise, se defendia Armínio. O que importa é que as
pessoas estão bem, sorria Mantega. O que importa é que o balancete vai
mal, sorria Armínio.
Leitão, na GloboNews. O que Armínio dizia era, numa livre tradução, que o
PT está quebrando a padaria e, caso isso aconteça, quem mais se
estrepará será o chapeiro. Mantega se defendia afirmando que a padaria
não está quebrando, só está com pouco movimento por conta da crise
mundial. E lembrava que, mesmo nesse período difícil, o Brasil manteve
contínuos aumentos de salário e seguiu contratando chapeiros. Armínio
rebatia que a crise já tinha passado e as outras padarias estão melhores
que a nossa e acusava o governo de só manter o emprego e o salário
nesses níveis na base da gambiarra. As planilhas estariam cheias de
araminho e fita isolante. É a crise!, se defendia Mantega, alegando que
na hora do dilúvio é mais importante botar a bacia embaixo da goteira
que consertar o buraco no teto. Uma hora o teto vai cair, vaticinava
Armínio. Com a gente, nunca caiu, se orgulhava Mantega, com vocês, caiu
três vezes! Era a crise, se defendia Armínio. O que importa é que as
pessoas estão bem, sorria Mantega. O que importa é que o balancete vai
mal, sorria Armínio.
E eu, que não sou chapeiro nem dono de padaria, fiquei com a sensação de
que os dois tinham razão e estavam errados, alternadamente.
que os dois tinham razão e estavam errados, alternadamente.
ANTONIO PRATA, escritor e colunista
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