Todos soltos, todos soltos, até hoje
Não foi Dilma quem prendeu a bancada da Papuda, nem Aécio quem soltou os tucanos, mas a conta está aí
Nos debates medíocres da TV Bandeirantes e do SBT, em que Dilma Rousseffparecia disputar a Presidência com Fernando Henrique Cardoso e Aécio
Neves parecia lutar por um novo mandato em Minas Gerais, houve um
momento estimulante. Foram as saraivadas de cinco "todos soltos"
desferida pela doutora.
Discutia-se a corrupção do aparelho petista e ela arrolou cinco
escândalos tucanos: "Caso Sivam", "Pasta Rosa", "Compra de votos para a
reeleição de FHC", "Mensalão tucano mineiro" e "Compra de trens em São
Paulo". A cada um, ela perguntava onde estavam os responsáveis e
respondia: "Todos soltos". Faltou dizer: todos soltos, até hoje.
Não foi Dilma quem botou a bancada da Papuda na cadeia, foi a Justiça.
Lula e o comissariado petista deram toda a solidariedade possível aos
companheiros, inclusive aos que se declararam "presos políticos". Aécio
também nada tem a ver com o fato de os tucanos dos cinco escândalos
estarem soltos. Eles receberam essa graça porque o Ministério Público e o
Judiciário não conseguiram colocar-lhes as algemas. O tucanato deu-lhes
graus variáveis de solidariedade e silêncio.
Pela linha de argumentação dos dois candidatos, é falta de educação
falar dos males petistas para Dilma ou dos tucanos para Aécio. Triste
conclusão: quando mencionam casos específicos, os dois têm razão. A boa
notícia é que ambos prometem mudar essa escrita.
A doutora Dilma listou os cinco escândalos tucanos, todos do século passado, impunes até hoje. Vale relembrá-los.
CASO SIVAM
Em 1993 (governo Itamar Franco), escolheu-se a empresa americana
Raytheon para montar um sistema de vigilância no espaço aéreo da
Amazônia. Coisa de US$ 1,7 bilhão, sem concorrência. Dois anos depois
(governo FHC), o "New York Times" publicou que, segundo os serviços de
informações americanos, rolaram propinas no negócio. Diretores da
Thomson, que perdera a disputa, diziam que a gorjeta ficara em US$ 30
milhões. Tudo poderia ser briga de concorrentes, até que um tucano
grampeou um assessor de FHC e flagrou-o dizendo que o projeto precisava
de uma "prensa" para andar. Relatando uma conversa com um senador,
afirmou que ele sabia "quem levou dinheiro, quanto levou".
O tucano grampeado voou para a Embaixada do Brasil no México, o
grampeador migrou para o governo de São Paulo e o ministro da
Aeronáutica perdeu o cargo. Só. FHC classificou o noticiário sobre o
assunto como "espalhafatoso".
PASTA ROSA
Em agosto de 1995, FHC fechou o banco Econômico. Estava quebrado e
pertencia a Ângelo Calmon de Sá, um príncipe da banca e ex-ministro da
Indústria e Comércio. Numa salinha do gabinete do doutor, a equipe do
Banco Central que assumiu o Econômico encontrou quatro pastas, uma da
quais era rosa. Nelas estava a documentação do ervanário que a banca
aspergira nas eleições de 1986, 1990 e 1994. Tudo direitinho: 59 nomes
de deputados, 15 de senadores e 10 de governadores, com notas fiscais,
cópias de cheques e quantias. Serviço de banqueiro meticuloso. Havia um
ranking com as cotações dos beneficiados e alguns ganharam breves
verbetes. No caso de um deputado, registravam 43 transações, 12 com
cheques.
Nos três pleitos, esse pedaço da banca deve ter queimado mais de US$ 10
milhões. A papelada tornara-se uma batata quente nas mãos da cúpula do
Banco Central. De novo, foi usada numa briga de tucanos e deu-se um
vazamento seletivo. Quando se percebeu que o conjunto da obra escapara
ao controle, o assunto começou a ser esquecido. FHC informou que os
responsáveis pela exposição pagariam na forma da lei: "Se for cargo de
confiança, perdeu o cargo na hora; se for cargo administrativo, será
punido administrativamente". Para felicidade da banca, deu em nada.
COMPRA DE VOTOS PARA A REELEIÇÃO DE FHC
Em maio de 1997, os deputados Ronivon Santiago e João Maia revelaram que
cada um deles recebera R$ 200 mil para votar a favor da emenda
constitucional que criou o instituto da reeleição dos presidentes e
governadores. Ronivon e Maia elegiam-se pelo Acre e pertenciam ao PFL,
hoje DEM. Foram expulsos do partido e renunciaram aos mandatos. Ronivon
voltou à Câmara em 2002. De onde vinha o dinheiro, até hoje não se sabe.
MENSALÃO TUCANO MINEIRO
Em 1998, Eduardo Azeredo perdeu para o ex-presidente Itamar Franco a
disputa em que tentava se reeleger governador de Minas Gerais. Quatro
anos depois, elegeu-se senador e tornou-se presidente do PSDB. Em 2005,
quando já estourara o caso do mensalão petista, o nome de Azeredo caiu
na roda das mágicas de Marcos Valério. Quatro anos antes de operar para o
comissariado, ele dava contratos firmados com o governo de Azeredo como
garantia para empréstimos junto ao banco Rural (o mesmo que seria usado
pelos comissários.) O dinheiro ia para candidatos da coligação de
Azeredo. O PSDB blindou o senador, abraçou a tese do "caixa dois" e
manteve-o na presidência do partido durante três meses.
Quando perdeu a solidariedade de FHC, Azeredo disse que, durante a
disputa de 1998, ele "teve comitês bancados pela minha campanha". Em
fevereiro passado, o Supremo Tribunal Federal aceitou a denúncia do
procurador-geral contra Azeredo e ele renunciou ao mandato de deputado
federal (sempre pelo PSDB). Com isso, conseguiu que o processo
recomeçasse na primeira instância, em Minas Gerais. Está lá.
COMPRA DE TRENS EM SP
Assim como o caso Sivam, o fio da meada da corrupção para a venda de
equipamentos ao governo paulista foi puxado no exterior. O "Wall Street
Journal" noticiou em 2008 que a empresa Alstom, francesa, molhara mãos
de brasileiros em contratos fechados entre 1995 e 2003. Coisa de US$ 32
milhões, para começar. O Judiciário suíço investigava a Alstom e tinha
listas com nomes e endereços de pessoas beneficiadas. Um diretor da
filial brasileira foi preso e solto. Outro, na Suíça, também foi preso e
colaborou com as autoridades.
Um aspecto interessante desse caso está no fato de que a investigação
corria na Suíça, mas andava devagar em São Paulo. Outras maracutaias,
envolvendo hierarcas da Indonésia e de Zâmbia, resultaram em punições.
Há um ano a empresa alemã Siemens, que participava de consórcios com a
Alstom, começou a colaborar com as autoridades brasileiras e expôs o
cartel de fornecedores que azeitava contratos com propinas que chegavam a
8,5%.
Em 2008, surgiu o nome de Robson Marinho, chefe da Casa Civil do governo
de São Paulo entre 1995 e 2001, nomeado ministro do Tribunal de Contas
do Estado. Em março passado, os suíços bloquearam uma conta do doutor
num banco local, com saldo de US$ 1,1 milhão. Ele nega ser o dono da
arca, pela qual passaram US$ 2,7 milhões. (Marinho tem uma ilha em
Paraty.) O Ministério Público de São Paulo já denunciou 30 pessoas e 12
empresas. Como diz a doutora, "todos soltos".
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