domingo, 12 de outubro de 2014

Por que as pessoas escrevem tão mal?

Por que as pessoas escrevem tão mal? 

Por que as pessoas escrevem tão mal?


07/09/2014 na edição 819
Tradução e edição: Fernanda Lizardo. Reprodução de artigo de Steven Pinker [“The Source of Bad Writing”, The Wall Street Journal, 25/9/2014]
















Por que tanta gente escreve tão mal? Por que é tão difícil entender uma
decisão de governo, ou um artigo acadêmico, ou as instruções para
configurar uma rede sem fio em casa?



A explicação mais popular é que a prosa opaca é uma escolha deliberada.
Burocratas insistem em fazer uso de jargões para cobrir sua anatomia.
Escritores de tecnologia de visual hispter se vingam dos
atletas que chutaram areia em seus rostos e das meninas que se recusaram
a namorá-los. Pseudointelectuais cheios de biquinhos usam de um
palavreado obscuro para esconder o fato de não terem nada a dizer, na
esperança de enganar seu público com jargões pretensiosos.



Mas esta teoria enganosa torna muito fácil demonizar as pessoas,
deixando-nos fora do gancho. Ao explicar qualquer falha humana, a
primeira ferramenta a qual recorro é a Navalha de Hanlon: nunca atribua à
malícia o que é adequadamente explicado pela estupidez. O tipo de
estupidez que tenho em mente não tem nada a ver com a ignorância ou o
baixo QI; na verdade, muitas vezes são os mais brilhantes e mais bem
informados que mais sofrem disso.



Frustrações diárias



Certa vez fui a uma palestra sobre biologia dirigida ao grande público
em uma conferência sobre tecnologia, entretenimento e design. A palestra
também estava sendo filmada para transmissão pela internet a milhões de
outros leigos. O orador era um biólogo ilustre que havia sido convidado
para explicar seu recente avanço nos estudos da estrutura do DNA. Ele
fez uma apresentação técnica repleta de jargões, adequada a seus colegas
biólogos moleculares, e logo ficou evidente para todos na sala que
ninguém entendia patavinas e ele estava perdendo o seu tempo. Evidente
para todos, isto é, exceto para o biólogo. Quando o anfitrião
interrompeu e pediu-lhe para explicar o trabalho de forma mais clara,
ele pareceu genuinamente surpreso e nem um pouco irritado. É desse tipo
de estupidez que estou falando.



É a chamada Maldição do Conhecimento: a dificuldade de imaginar como é
para alguém não saber algo que você sabe. O termo foi cunhado por
economistas para ajudar a explicar por que as pessoas não são tão
astutas na negociação quanto poderiam ser, sendo que muitas vezes
possuem informações que o seu adversário não tem. Os psicólogos às vezes
chamam isso de cegueira mental. Em um experimento didático para
comprová-la, uma criança vem ao laboratório, abre uma caixa de confeitos
de chocolate M&Ms e fica surpresa ao encontrar lápis ali. Não só a
criança pensa que outra criança que entrar no laboratório de alguma
forma saberá que a caixa está cheia de lápis, como vai dizer que ela
mesma sabia que havia lápis ali o tempo todo!



A Maldição do Conhecimento é a melhor explicação do porquê as pessoas
boas escrevem numa prosa ruim. Simplesmente não ocorre a elas que seus
leitores não sabem o que elas sabem – que não dominam o jargão de seu
meio, que não conseguem adivinhar os passos perdidos que parecem
demasiadamente óbvios para serem mencionados, que não têm como
visualizar uma cena que para elas é tão clara como o dia. E assim, o
escritor não se preocupa em explicar o jargão, ou em explicitar a
lógica, ou em fornecer os detalhes necessários.



Qualquer um que deseje acabar com a Maldição do Conhecimento primeiro
deve avaliar o quão diabólica é esta maldição. Tal como um bêbado que
está ébrio demais para perceber que não tem condições de dirigir, nós
não notamos a maldição porque ela mesma nos impede de perceber. Trinta
estudantes me mandaram arquivos de seus trabalhos com o nome
“trabalho.doc psicologia”. Se entro em um site de seguros de viagens,
devo decidir se clico em GOES, Nexus, GlobalEntry, Sentri, Flux ou FAST,
termos burocráticos que nada significam para mim. Meu apartamento está
cheio de gadgets dos quais nunca consigo me lembrar como utilizar por
causa de botões inescrutáveis que devem ser pressionados por um, dois ou
quatro segundos, às vezes dois de cada vez, e que muitas vezes fazem
coisas diferentes, dependendo de “modos” invisíveis acionados por outros
botões. Tenho certeza de que tudo estava perfeitamente claro para os
engenheiros que os projetaram.



Multiplique essas frustrações diárias por alguns bilhões de vezes, e
você começará a ver que a maldição do conhecimento é uma chatice
generalizada sobre os esforços da humanidade, a par com a corrupção,
doenças e entropia. Quadros de profissionais caríssimos – advogados,
contabilistas, gurus de computador, atendentes de suporte de empresas –
drenam enormes quantias de dinheiro da economia para esclarecer textos
mal redigidos.



Olhar para o outro



Há um velho ditado que diz: “Por falta de um prego a batalha foi
perdida”, e o mesmo vale para a falta de um adjetivo: a Carga da Brigada
Ligeira durante a Guerra da Crimeia é apenas o exemplo mais famoso de
um desastre militar causado por ordens vagas. O acidente nuclear de
Three Mile Island, em 1979, foi atribuído à má redação (operadores
interpretaram erroneamente o selo de uma luz de alerta), assim como
muitos acidentes aéreos fatais. O visual confuso da “cédula em
borboleta” entregue aos eleitores de Palm Beach na eleição presidencial
de 2000 levou muitos adeptos de Al Gore a votarem no candidato errado, o
que pode ter favorecido George W. Bush, mudando o curso da história.



Mas como podemos acabar com a Maldição do Conhecimento? O tradicional
conselho “sempre lembre-se do leitor sobre seu ombro” não é tão eficaz
quanto se poderia pensar. Nenhum de nós tem o poder de enxergar todos os
pensamentos alheios, de modo que se esforçar ao máximo para se colocar
no lugar de outra pessoa não faz de você muito mais preciso para
descobrir o que a pessoa sabe. Mas é um começo. Então é isso: “Ei, estou
falando com você. Seus leitores sabem muito menos sobre o assunto do
que você pensa, e a não ser que você rastreie o que você sabe e eles
não, certamente irá confundi-los”.



A melhor maneira de exorcizar a Maldição do Conhecimento é fechando o
ciclo, como os engenheiros dizem, e obter um retorno do universo dos
leitores, isto é, mostrar um projeto para pessoas semelhantes ao seu
público-alvo e descobrir se elas são capazes de acompanhá-lo. Os
psicólogos sociais descobriram que somos confiantes demais, às vezes ao
ponto da ilusão, a respeito de nossa capacidade de inferir o que as
outras pessoas pensam, até mesmo as pessoas mais próximas de nós.
Somente quando consultamos as pessoas é que descobrimos que o que é
óbvio para nós não é óbvio para elas.



O outro jeito de escapar da Maldição do Conhecimento é mostrando o
projeto para si, de preferência depois de ter se passado tempo
suficiente para o texto deixar de ser familiar. Se você é como eu, vai
se flagrar pensando: “O que eu quero dizer com isso?”, ou “Para onde
isso vai?”, ou muitas vezes “Quem escreveu esta porcaria?”. A forma pela
qual os pensamentos ocorrem a um escritor raramente é a mesma com que
são absorvidos por um leitor. Conselhos sobre a escrita não são
exatamente conselhos sobre como escrever, e sim como revisar.



Muitos dos conselhos aos escritores têm o tom de um conselho moral, de
como ser um bom escritor vai fazer de você uma pessoa melhor.
Infelizmente, para a justiça cósmica, muitos escritores talentosos são
canalhas, e muitos ineptos são o sal da terra. Mas o imperativo de
superar a Maldição do Conhecimento pode ser o pequeno conselho
profissional que mais se aproxima do conselho moral: sempre tente sair
de sua mentalidade provinciana e descubra como as outras pessoas pensam e
sentem. Pode não fazer de você uma pessoa melhor em todas as esferas da
vida, mas vai ser uma fonte de contínua bondade para com os seus
leitores.



[Steven Pinker é Professor de Psicologia na Universidade de Harvard
e presidente do Usage Panel of the American Heritage Dictionary.
Este artigo foi adaptado de seu livro “The Sense of Style: The Thinking Person's Guide to Writing in the 21st Century”.]



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