domingo, 1 de março de 2015

A marcha dos derrotados tucanos e seus sabujos

A marcha dos derrotados tucanos e seus sabujos



A marcha dos derrotados tucanos e seus sabujos



Ricardo Kotscho

ok1 A marcha dos derrotados tucanos e seus sabujos
Marcha da Família em São Paulo, no dia 19 de março de 1964 / Foto: Reprodução/Capa Correio da Manhã




As "marchadeiras" estão de volta. Foi também num mês de março, 51
anos atrás, que as senhoras da UCF (União Cívica Feminina) e do MAF
(Movimento de Arregimentação Feminina) saíram às ruas de São Paulo na
"Marcha da Família com Deus pela Liberdade", a senha para o golpe de
1964 desencadeado apenas 12 dias depois, que jogaria o país numa
ditadura militar por longos 21 anos.


Estava no centro da cidade neste dia 19 de março. Vi a elegante
multidão, calculada em 500 mil pessoas, que saíra da praça da República,
atravessando o Viaduto do Chá e marchando em direção à catedral na
praça da Sé, gritando palavras de ordem e empunhando faixas contra a
subversão e a corrupção: "Um, dois, três, Brizola no xadrez. Se tiver
lugar, vai o Jango também". Jango era João Goulart, o presidente da
República, e Leonel Brizola, seu cunhado e governador do Rio Grande do
Sul, ambos gaúchos.


O objetivo era um só: derrubar o governo e vingar a derrota imposta
aos paulistas em 1932, como registrou no dia seguinte a Folha de S.
Paulo: "A disposição de São Paulo e de todos os recantos da pátria para
defender a Constituição e os princípios democráticos, dentro do mesmo
espírito que ditou a Revolução de 32, originou ontem o maior movimento
cívico já observado em nosso Estado".


As mulheres foram na frente, acompanhadas pela criadagem das suas
residências e funcionários das empresas dos maridos, dispensados do
cartão de ponto naquele dia. Na retaguarda, sem dar as caras na rua,
ficaram os mentores da conspiração armada pelo complexo
empresarial-midiático-militar, com o apoio dos Estados Unidos, reunidos
no Ipes (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) e Ibad (Instituto
Brasileiro de Ação Democrática). O resto é história que hoje pode ser
pesquisada no Google.


***


A função de um jornalista é contar o que está acontecendo nos dias
atuais, sem brigar com os fatos, gostando ou não deles, mas para
entende-los é preciso recuar no tempo e buscar as raízes das crises
cíclicas vividas pela nossa jovem República, como esta de agora. É uma
das poucas vantagens de se ficar velho nesta profissão.


Naqueles dias de 1964, quando tinha acabado de completar 16 anos,
vivíamos o auge da Guerra Fria, com o mundo dividido ao meio entre o
capitalismo dos Estados Unidos e o comunismo da União Soviética.


A Guerra Fria acabou junto com a União Soviética, as siglas Ipes,
Ibad, UCF e MAF sumiram na poeira, a ditadura morreu de velhice e os
militares estão nos quartéis, fora da cena política, cumprindo suas
missões constitucionais, não há navios da esquadra americana rondando as
costas brasileiras, acabamos de sair da sétima eleição presidencial
consecutiva após a redemocratização do país, mas tem gente poderosa,
principalmente na burguesia paulista, que ainda vive com o espírito de
1932 e 1964.


Só o que não mudou foram os barões da mídia, que continuam exatamente
os mesmos, utilizando os mesmos métodos. Essa gente não esquece, não
aprende e não perdoa. Se ontem o inimigo a ser abatido era Getúlio
Vargas e, mais tarde, foram os seus herdeiros políticos Jango e Brizola,
hoje são Lula e Dilma. Em lugar dos gaúchos, os inimigos são os
nordestinos que votam no PT. Para combate-los, os udenistas que levaram
Vargas ao suicídio, criaram vários partidos e acabou sobrando só o PSDB.


***


No ano passado, sentiram que poderiam ganhar as eleições com Aécio
Neves e varrer o PT do mapa. Ficaram muito animados, jogaram no tudo ou
nada, e acabaram sendo derrotados pela quarta vez seguida. Perderam por
pouco mais de três milhões de votos, mas não se conformaram, e logo
começaram a falar em impeachment (até pediram um parecer a renomado
jurista) e a promover pequenos protestos do "Fora Dilma", que
fracassaram em público e renda.


Com o agravamento da crise política, econômica e ética enfrentada
pelo governo petista, tendo como epicentro a Petrobras, que eles já
combatiam desde a criação da empresa no último governo Vargas, sem que a
presidente e o partido mostrem poder de reação, os derrotados de 2014 e
seus sabujos resolveram organizar e jogar todas as suas fichas numa
nova marcha programada para o próximo dia 15 de março.


Agora, a CUT e vários movimentos sociais resolveram também promover
um ato em defesa da Petrobras, diante da sede da empresa em São Paulo,
marcada para o dia 13. Só para lembrar: 13 de março de 1964 foi o dia do
célebre Comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, que marcou a
guinada à esquerda de Jango e o início do fim do seu governo.


E adivinhem quem estava lá, ao lado do presidente, defendendo as
reformas de base e a indústria nacional? José Serra. Sim, o próprio, que
agora está do outro lado, muito animado com o ato do "Fora Dilma" do
dia 15.


Como presidente da União Brasileira de Estudantes, o jovem Serra, aos
22 anos, fez um dos discursos mais radicais daquela noite. "A questão
básica do meu discurso era a mobilização antigolpe, que tínhamos de nos
mobilizar", lembraria ele, 50 anos depois, em entrevista à Folha.


***


Reunidos em São Paulo na sexta-feira, os caciques do PSDB, liderados
por Fernando Henrique Cardoso, com a participação do mesmo José Serra,
anunciaram que defendem as manifestações pelo impeachment de Dilma, mas
sem envolver o partido, e avisaram que não irão ao ato marcado para a
avenida Paulista. "Quanto mais populares, mais fortes serão os
protestos", justificou Aécio Neves, o presidenciável tucano derrotado.


Assim como os mentores da grande "Marcha da Família", os tucanos
preferem ficar na moita e ver tudo da janela, sem suar a camisa. O que
vier é lucro. A mobilização deve ficar por conta das lideranças anônimas
nas redes sociais e da mídia aliada.


O clima radicalizado e cada vez mais agressivo dos dois lados, na
cidade e no país, às vezes me faz lembrar os dias tumultuados que
antecederam o golpe de 1964, mas é evidente que tudo mudou no Brasil e
no mundo, tornando imprevisíveis o tamanho e as repercussões da marcha
dos derrotados inconformados.


Está claro também que o ato mobilizará setores além do tucanato
udenista e seus sabujos, dos mais variados partidos e tendências
políticas, à esquerda e à direita, inclusive eleitores petistas que
votaram em Dilma há apenas quatro meses, e se mostram descontentes com
os rumos do governo no segundo mandato.


Basta dizer que hoje apenas um entre cada quatro brasileiros apoia o
governo Dilma-2 (23% de ótimo e bom no último Datafolha), que também só
tem o apoio garantido de um em cada quatro parlamentares na Câmara
comandada pelo seu desafeto Eduardo Cunha.


Aconteça o que acontecer, não se deve esperar coisa boa nos dias
seguintes, pois o que realmente move os organizadores deste ato, por
tudo que já foi divulgado nas redes sociais, é o ódio ao PT e aos
nordestinos, e a vingança contra as vitórias de Lula e Dilma nas últimas
eleições presidenciais.


Só espero que a história não se repita, nem como farsa.


Vida que segue.

Nenhum comentário:

Postar um comentário