Opinião
O juiz acusador e a audiência de custódia
Em um verdadeiro Estado de Direito, as instituições públicas promovem os direitos
Divulgação
O meio jurídico, mais cuidadosamente a área do Direito
Processual Penal, tem debatido com interesse a aplicabilidade de um
recurso de extrema valia para garantir que o preso tenha seus direitos
assegurados e para que se evitem arbitrariedades no processo penal, tal
qual preconiza o Estado Democrático de Direito. Trata-se da audiência de custódia.
Sua implementação consistiria na condução imediata de todo custodiado
à autoridade judiciária, para que essa assumisse a guarda, a proteção
do indivíduo privado de liberdade, e assim pudesse não só aferir a
legalidade da prisão – qualquer que fosse sua natureza –, mas também
constatar se o investigado está sendo tratado de maneira coerente com a
presunção de sua inocência e se sua integridade pessoal está sendo
preservada.
Além de indispensável medida para que o processo penal brasileiro
esteja de acordo com o postulado por tratados internacionais de direitos
humanos, a audiência de custódia traz à luz e revigora o papel
primordial do julgador – salvaguardar os direitos do imputado. Isso não
seria nada de extraordinário, nem tampouco necessário, se tal função não
estivesse sendo cada vez mais sobrepujada pela figura do juiz acusador.
Ainda que a figura do juiz acusador seja uma severa e mortal agressão
aos mais comezinhos valores e princípios do Estado Democrático de
Direito, alguns de nossos julgadores tem se inspirado nesse modelo,
extrapolando os limites indispensáveis da isenção, equidistância
e preservação dos direitos fundamentais dos casos que lhes são
submetidos em favor de uma certa imagem de justiceiro criada pela mídia
em casos rumorosos.
Um dos fatores que levam alguns de nossos magistrados a incorporar
tal papel sem dúvida é o fato de nosso sistema processual penal permitir
ao juiz que decide sobre o inquérito julgar o processo relativo a este
mesmo inquérito. Ora, ao velar por um inquérito, avocando para si a
função de investigador, o juiz fatalmente abandona a sua posição de
árbitro imparcial e cria sua hipótese – o que é natural da condição
humana – acerca do objeto investigado. Natural que sempre veja como mais
valiosa sua hipótese pessoal sobre os fatos que a construída pela
defesa. Essa mudança de posição obviamente o incompatibiliza com a sua
atribuição primeira de garantir o respeito aos direitos fundamentais do
acusado. Ademais, aquele que julga não pode ter vínculo afetivo com a
hipótese, sob pena de desequilibrar o duelo penal. Nessa disputa
desigual, onde se confundem as funções de juiz e acusador, anula-se a
igualdade de poderes e oportunidades à acusação e ao acusado. Este, de
sujeito processual, passa a mero objeto da investigação.
Voltando à audiência de custódia, sem dúvida, é instrumento valioso, mas insuficiente ainda para solução do grave problema da banalização das prisões cautelares,
que se tornou corrente no cotidiano de nossa justiça penal. No interior
desta banalização a recorrência de prisões temporárias e preventivas,
em casos mais ruidosos, decretadas mais para aparentar à opinião pública
intolerância para com a impunidade, do que por motivos justificados na
cautela do processo, evidencia o quanto a pressão exercida pela mídia
pode ser deletéria ao bom funcionamento do sistema jurídico.
Ao exigir respostas em tempo quase que real e optar predominantemente
por uma narrativa acusatória, a mídia influencia e precipita a conduta
do juiz, o que não raramente resulta no aprisionamento cautelar de um
investigado, ancorado em conceitos legais indeterminados, funcionando de
fato como instrumento vil para a obtenção de confissão sob a forma de
delação ou de antecipação da pena em detrimento do processo e do direito
a ampla defesa
A supressão da liberdade de um indivíduo sem o devido prestígio ao
contraditório é dos mais graves atentados aos direitos humanos. Direitos
estes que, em primeira instância, as instituições públicas devem
promover, e não cassar. O verdadeiro Estado de Direito não pode conviver
com arbítrios concebidos na incongruência da sobreposição de papéis de
juiz e acusador, nem tampouco da urgência midiática em produzir
“informação”.
Processual Penal, tem debatido com interesse a aplicabilidade de um
recurso de extrema valia para garantir que o preso tenha seus direitos
assegurados e para que se evitem arbitrariedades no processo penal, tal
qual preconiza o Estado Democrático de Direito. Trata-se da audiência de custódia.
Sua implementação consistiria na condução imediata de todo custodiado
à autoridade judiciária, para que essa assumisse a guarda, a proteção
do indivíduo privado de liberdade, e assim pudesse não só aferir a
legalidade da prisão – qualquer que fosse sua natureza –, mas também
constatar se o investigado está sendo tratado de maneira coerente com a
presunção de sua inocência e se sua integridade pessoal está sendo
preservada.
Além de indispensável medida para que o processo penal brasileiro
esteja de acordo com o postulado por tratados internacionais de direitos
humanos, a audiência de custódia traz à luz e revigora o papel
primordial do julgador – salvaguardar os direitos do imputado. Isso não
seria nada de extraordinário, nem tampouco necessário, se tal função não
estivesse sendo cada vez mais sobrepujada pela figura do juiz acusador.
Ainda que a figura do juiz acusador seja uma severa e mortal agressão
aos mais comezinhos valores e princípios do Estado Democrático de
Direito, alguns de nossos julgadores tem se inspirado nesse modelo,
extrapolando os limites indispensáveis da isenção, equidistância
e preservação dos direitos fundamentais dos casos que lhes são
submetidos em favor de uma certa imagem de justiceiro criada pela mídia
em casos rumorosos.
Um dos fatores que levam alguns de nossos magistrados a incorporar
tal papel sem dúvida é o fato de nosso sistema processual penal permitir
ao juiz que decide sobre o inquérito julgar o processo relativo a este
mesmo inquérito. Ora, ao velar por um inquérito, avocando para si a
função de investigador, o juiz fatalmente abandona a sua posição de
árbitro imparcial e cria sua hipótese – o que é natural da condição
humana – acerca do objeto investigado. Natural que sempre veja como mais
valiosa sua hipótese pessoal sobre os fatos que a construída pela
defesa. Essa mudança de posição obviamente o incompatibiliza com a sua
atribuição primeira de garantir o respeito aos direitos fundamentais do
acusado. Ademais, aquele que julga não pode ter vínculo afetivo com a
hipótese, sob pena de desequilibrar o duelo penal. Nessa disputa
desigual, onde se confundem as funções de juiz e acusador, anula-se a
igualdade de poderes e oportunidades à acusação e ao acusado. Este, de
sujeito processual, passa a mero objeto da investigação.
Voltando à audiência de custódia, sem dúvida, é instrumento valioso, mas insuficiente ainda para solução do grave problema da banalização das prisões cautelares,
que se tornou corrente no cotidiano de nossa justiça penal. No interior
desta banalização a recorrência de prisões temporárias e preventivas,
em casos mais ruidosos, decretadas mais para aparentar à opinião pública
intolerância para com a impunidade, do que por motivos justificados na
cautela do processo, evidencia o quanto a pressão exercida pela mídia
pode ser deletéria ao bom funcionamento do sistema jurídico.
Ao exigir respostas em tempo quase que real e optar predominantemente
por uma narrativa acusatória, a mídia influencia e precipita a conduta
do juiz, o que não raramente resulta no aprisionamento cautelar de um
investigado, ancorado em conceitos legais indeterminados, funcionando de
fato como instrumento vil para a obtenção de confissão sob a forma de
delação ou de antecipação da pena em detrimento do processo e do direito
a ampla defesa
A supressão da liberdade de um indivíduo sem o devido prestígio ao
contraditório é dos mais graves atentados aos direitos humanos. Direitos
estes que, em primeira instância, as instituições públicas devem
promover, e não cassar. O verdadeiro Estado de Direito não pode conviver
com arbítrios concebidos na incongruência da sobreposição de papéis de
juiz e acusador, nem tampouco da urgência midiática em produzir
“informação”.
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