quinta-feira, 26 de março de 2015

Crise de confusão, por Janio de Freitas

Crise de confusão, por Janio de Freitas







Mais do que nunca, o PMDB são vários --e esse é um dado básico
para perceber-se alguma coisa da situação




As últimas 30 ou 40 horas proporcionaram o necessário e atrasado exemplo de
quanto a situação é muito, muito mais confusa do que os jornalistas temos
transparecido. Falha devida, em parte, a que a própria situação está feita de
inconstâncias, disputas silenciosas, desorientações, e tudo o mais que caiba
para perturbar a nitidez interna e a percepção externa. E, de outra parte, por
força das características da imprensa brasileira atual.



Assim, por exemplo, desde que Renan Calheiros devolveu à Presidência uma
medida provisória e não foi à conversa de "entendimento" de Dilma com
o PMDB, o presidente do Senado é visto como convertido coadjuvante de Eduardo
Cunha nas insídias contra a presidente. Daí que, na manhã de ontem, os jornais
mais atualizados noticiavam mais uma derrota de Dilma, havida na Câmara, e o
complemento a ocorrer à tarde no Senado de Calheiros, com a confirmação do
projeto criado e feito aprovar por Eduardo Cunha.



A manhã apenas terminara quando no Senado se encerrou uma reunião conduzida
por Calheiros, com o presidente da Comissão de Assuntos Econômicos, Delcídio
Amaral, e outros senadores. Era esperado que combinassem a aprovação dos 30
dias de prazo dados pela Câmara, na noite de anteontem, para que Dilma
regulamente a lei de redução das condições escorchantes cobradas aos Estados e
prefeituras devedores da União.



Resultado da reunião: derrota do "novo parceiro" Eduardo Cunha,
ficando suspensa "sine die" a votação no Senado do tal prazo, e
espera de nova posição do governo, que Delcídio Amaral foi logo negociar com o
dono do dinheiro público, Joaquim Levy.



O que houve de subjacente a determinar esse episódio?



O sentido de desaforo dado lá atrás à devolução de uma medida provisória,
por Calheiros, ignorou que era mesmo o caso de devolvê-la, porque tratava de
assuntos que exigem projeto de lei. A irritação de Renan com Dilma foi,
sobretudo, em razão do pretendido "entendimento" dela com Eduardo
Cunha, em desconsideração ao apoio que o presidente do Senado lhe dera até
então. Renan Calheiros não é tolo para supor, como tão noticiado, que se
irritara convicto de que o governo induzira o procurador-geral da República a
investigá-lo na Lava Jato (explicação que, ainda por cima, incluiu
injustificável insulto a Rodrigo Janot).



Mais do que nunca, o PMDB são vários --e esse é um dado básico para
perceber-se alguma coisa da situação. O PMDB de Calheiros não é o de Eduardo
Cunha, nem com ele quer se confundir jamais. Outro é o PMDB de Michel Temer,
que pode estar com o de Calheiros, mas com Eduardo Cunha faz no máximo
encenação de tolerância, à espera não sabe de quê. E José Sarney não perdeu o
seu PMDB ao deixar o Senado, sendo ainda a chamada "voz da
experiência" mais ouvida no partido.



O jogo desses PMDBs é duro. E, mesmo quando o joguem em relação ao governo,
no fundo a determinante essencial é o jogo entre eles: cada grupo sabe que nem
todos poderão sobreviver às condições que se armaram no partido. Distinguir uma
coisa e outra nesse duplo campo de ação é decisivo para chegar a alguma
compreensão, mas não tem acontecido. Muito ao contrário. E nisso o PMDB é só um
exemplo.



Ainda que ligeira, uma observação talvez útil: o prazo proposto por Eduardo
Cunha e fixado pela Câmara tem toda a razão de ser. A Dilma que se submete a
Joaquim Levy para burlar a lei de correção financeira e moral, em pequena parte
das relações do governo federal com Estados e municípios, é a mesma presidente
da República que, vangloriando-se do feito de justiça, sancionou tal lei
aprovada pelo Congresso. Ao que parece, não bastou aquele "esqueçam o
escrevi". Surgirá o "esqueçam o que assinei"?



Além disso, o beneficiário da correção justa não será Fernando Haddad, nem
Eduardo Paes, nem Geraldo Alckmin, ou qualquer outro governante. Serão os 12
milhões de habitantes da capital São Paulo, e a população do Rio como a do
Estado de São Paulo e outros municípios e Estados. Se Joaquim Levy "não
sabe de onde tirar os R$ 3 bilhões" que o governo federal deixará de
receber, se encerrada a agiotagem oficial, basta-lhe dar uma olhada no imposto
cobrado à especulação financeira, às remessas de lucros --aliás, não precisa
olhar, porque sabe muito bem e dá a sua proteção.



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