Baixos preços fazem empresas tirarem do mercado medicamentos essenciais
Por falta de interesse comercial, laboratórios farmacêuticos têm
retirado do mercado medicamentos antigos e baratos, alguns deles
essenciais e sem substitutos.
Das 1.748 drogas canceladas entre maio de 2014 e junho de 2017, 63%
foram por motivação comercial, segundo levantamento feito pela Folha no site da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
As outras razões (37%) se referem a mudanças no local de fabricação,
problemas com o princípio ativo da droga, entre outras. Quase um quinto
(17%) dos cancelamentos foi reativado depois.
A indústria deve informar a interrupção à Anvisa com, no mínimo, seis
meses de antecedência –se a droga não tiver substituto, o aviso deve
ocorrer um ano antes.
As farmacêuticas alegam que há defasagem de preços motivada pela
política governamental. Já o governo federal diz que os preços dessas
drogas têm sido revisados.
Na oncologia, há uma grande preocupação com essa situação porque o
atraso do tratamento ou sua interrupção pode acelerar o crescimento do
tumor e reduzir as chances de cura.
Segundo a médica Maria Inez Gadelha, diretora do departamento de atenção
especializada do Ministério da Saúde, muitos pacientes têm ficado
"órfãos" dessas drogas.
"A maioria dessas drogas integra esquemas quimioterápicos que curam o
câncer, enquanto os novos antineoplásicos, em quase sua totalidade, só
tratam paliativamente os doentes", afirma.
Gadelha diz que ao menos 30 medicamentos para o câncer já foram
descontinuados desde 2014 ou correm sério risco de sê-lo, entre eles
para tratamentos de tumores de bexiga, pulmão e leucemias.
"Muitos desses remédios foram desenvolvidos a partir dos anos 1950, não
possuem patente e, por serem baratos, a indústria não tem mais interesse
em produzi-los."
Vera Maria Pinho de Oliveira, 56, já sentiu na pele os efeitos dessa
falta. Ela trata de um linfoma desde 2009 com o medicamento Leukeran.
"Foi o único capaz de manter a doença controlada."
Desde novembro, porém, o medicamento, que custava R$ 38, desapareceu das
farmácias de Belo Horizonte (MG), onde mora. Ela tentou encontrá-lo em
outros Estados, mas não teve sucesso.
Foram seis meses de tentativas até que conseguiu comprar quatro caixas
diretamente do laboratório e recebeu a doação de outras três.
No período em que ficou sem a droga, usou altas doses de corticoide para
controlar a doença. "Tive reação alérgica, ganhei peso, fiquei sem
dormir e precisei tomar outros remédios para controlar esses sintomas",
conta.
A fabricante GSK diz que o desabastecimento foi temporário e comunicado à
Anvisa. E que, em conjunto com a farmacêutica Aspen, a nova fabricante
do Leukeran, trabalha para regularizar a oferta.
PARADOXO
Para Angelo Maiolino, presidente da Associação Brasileira de
Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular, os pacientes com câncer
vivem hoje um paradoxo: sofrem dificuldade de acesso a drogas antigas e
baratas, por falta de interesse das farmacêuticas, e também às novas,
por causa do alto custo.
Maiolino cita outro exemplo de droga que sumiu do mercado: o melfalano,
usado para tratar o mieloma múltiplo e essencial no transplante de
medula, teve sua produção interrompida neste ano.
Segundo ele, o remédio não tem substituto e sua falta prejudica o tratamento de muitos pacientes, diminuindo as chances de cura.
"Por mais antiético, absurdo e quase criminoso que seja imaginar a falta
de um medicamento imprescindível, a indústria não é obrigada a
produzi-lo. Nem aqui e nem em outros países", diz.
A droga, também da GSK, parou de ser fabricada no mundo todo e, após
pressão internacional, voltou a ser produzida em janeiro último, mas
ainda há falta.
Maria Inez Gadelha diz que um outro laboratório aguarda autorização da Anvisa para produzir o melfalano.
Para Merula Steagall, presidente da Abrale (Associação Brasileira de
Linfoma e Leucemia), o Ministério da Saúde só age "apagando incêndios".
"Eles precisam prever o desabastecimento e agir de forma preventiva."
O oncologista pediátrico Vicente Odone diz que outra preocupação é a
qualidade das drogas importadas em substituição das tradicionais que são
descontinuadas."O país não têm grandes centros de qualidade de
medicamentos que atestem a segurança e a eficácia do que está vindo."
FARMACÊUTICAS
Os laboratórios farmacêuticas alegam que a interrupção de certos
remédios no país ocorre muitas vezes mais por defasagem de preços
provocada pela política governamental do que por motivo comercial.
"Muitas vezes, as empresas querem fabricar determinados medicamentos,
inclusive essenciais, mas o preço autorizado pelo governo não cobre os
custos de produção", diz Nelson Mussolini, presidente-executivo do
Sindusfarma (sindicato paulista da indústria de produtos farmacêuticos).
Nessas circunstâncias, segundo ele, é do governo, e não da indústria, a
responsabilidade pelo fato de um produto ficar indisponível para o
paciente.
"No Brasil, é o governo que dá a palavra final sobre a oferta de
medicamentos no mercado, ao determinar o preço dos produtos, permitindo
apenas um reajuste anual, também definido pelo governo."
Em nota, a Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa)
lembra que, após o término da patente de um medicamento, surgem
indústrias que passam a fabricar novas versões do medicamento.
"Portanto, quando uma indústria decide descontinuá-lo, não significa
necessariamente que haverá desabastecimento, pois existem versões
similares e genéricas."
A nota diz ainda que a própria decisão pela descontinuidade do
medicamento não significa que a indústria deixará de produzir terapias
contra a mesma doença. "É comum haver medicamentos substituídos por
novas moléculas, capazes de tratar com mais eficácia e segurança as
mesmas enfermidades."
Segundo a Interfarma, em menor número, existem os casos em que
medicamentos únicos, sem versões genéricas, são descontinuados. "Isso
geralmente acontece porque o custo dos insumos aumentou demais ou a
própria fabricante do insumo, fornecedora da indústria farmacêutica,
descontinuou a sua linha de produção, impactando a viabilidade do
produto final."
PREÇOS REVISADOS
O Ministério da Saúde diz que, por meio de medida provisória, já foi
autorizada a revisão do preço de drogas com risco de desabastecimento e
falta de alternativa terapêutica que supra o mercado.
A ação teve efeito prático no abastecimento de penicilina e outros
medicamentos. O ministério diz estar investindo R$ 6,4 bilhões em nova
política de estímulo ao desenvolvimento da indústria nacional.
Foram eleitos 56 itens para parcerias de transferência de tecnologia e
115 para encomendas tecnológicas. Entre os oncológicos que podem ser
descontinuados, dez estão nessa lista prioritária.
retirado do mercado medicamentos antigos e baratos, alguns deles
essenciais e sem substitutos.
Das 1.748 drogas canceladas entre maio de 2014 e junho de 2017, 63%
foram por motivação comercial, segundo levantamento feito pela Folha no site da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
As outras razões (37%) se referem a mudanças no local de fabricação,
problemas com o princípio ativo da droga, entre outras. Quase um quinto
(17%) dos cancelamentos foi reativado depois.
A indústria deve informar a interrupção à Anvisa com, no mínimo, seis
meses de antecedência –se a droga não tiver substituto, o aviso deve
ocorrer um ano antes.
As farmacêuticas alegam que há defasagem de preços motivada pela
política governamental. Já o governo federal diz que os preços dessas
drogas têm sido revisados.
Na oncologia, há uma grande preocupação com essa situação porque o
atraso do tratamento ou sua interrupção pode acelerar o crescimento do
tumor e reduzir as chances de cura.
Segundo a médica Maria Inez Gadelha, diretora do departamento de atenção
especializada do Ministério da Saúde, muitos pacientes têm ficado
"órfãos" dessas drogas.
"A maioria dessas drogas integra esquemas quimioterápicos que curam o
câncer, enquanto os novos antineoplásicos, em quase sua totalidade, só
tratam paliativamente os doentes", afirma.
Gadelha diz que ao menos 30 medicamentos para o câncer já foram
descontinuados desde 2014 ou correm sério risco de sê-lo, entre eles
para tratamentos de tumores de bexiga, pulmão e leucemias.
"Muitos desses remédios foram desenvolvidos a partir dos anos 1950, não
possuem patente e, por serem baratos, a indústria não tem mais interesse
em produzi-los."
Vera Maria Pinho de Oliveira, 56, já sentiu na pele os efeitos dessa
falta. Ela trata de um linfoma desde 2009 com o medicamento Leukeran.
"Foi o único capaz de manter a doença controlada."
Desde novembro, porém, o medicamento, que custava R$ 38, desapareceu das
farmácias de Belo Horizonte (MG), onde mora. Ela tentou encontrá-lo em
outros Estados, mas não teve sucesso.
Foram seis meses de tentativas até que conseguiu comprar quatro caixas
diretamente do laboratório e recebeu a doação de outras três.
No período em que ficou sem a droga, usou altas doses de corticoide para
controlar a doença. "Tive reação alérgica, ganhei peso, fiquei sem
dormir e precisei tomar outros remédios para controlar esses sintomas",
conta.
A fabricante GSK diz que o desabastecimento foi temporário e comunicado à
Anvisa. E que, em conjunto com a farmacêutica Aspen, a nova fabricante
do Leukeran, trabalha para regularizar a oferta.
PARADOXO
Para Angelo Maiolino, presidente da Associação Brasileira de
Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular, os pacientes com câncer
vivem hoje um paradoxo: sofrem dificuldade de acesso a drogas antigas e
baratas, por falta de interesse das farmacêuticas, e também às novas,
por causa do alto custo.
Maiolino cita outro exemplo de droga que sumiu do mercado: o melfalano,
usado para tratar o mieloma múltiplo e essencial no transplante de
medula, teve sua produção interrompida neste ano.
Segundo ele, o remédio não tem substituto e sua falta prejudica o tratamento de muitos pacientes, diminuindo as chances de cura.
"Por mais antiético, absurdo e quase criminoso que seja imaginar a falta
de um medicamento imprescindível, a indústria não é obrigada a
produzi-lo. Nem aqui e nem em outros países", diz.
A droga, também da GSK, parou de ser fabricada no mundo todo e, após
pressão internacional, voltou a ser produzida em janeiro último, mas
ainda há falta.
Maria Inez Gadelha diz que um outro laboratório aguarda autorização da Anvisa para produzir o melfalano.
Para Merula Steagall, presidente da Abrale (Associação Brasileira de
Linfoma e Leucemia), o Ministério da Saúde só age "apagando incêndios".
"Eles precisam prever o desabastecimento e agir de forma preventiva."
O oncologista pediátrico Vicente Odone diz que outra preocupação é a
qualidade das drogas importadas em substituição das tradicionais que são
descontinuadas."O país não têm grandes centros de qualidade de
medicamentos que atestem a segurança e a eficácia do que está vindo."
FARMACÊUTICAS
Os laboratórios farmacêuticas alegam que a interrupção de certos
remédios no país ocorre muitas vezes mais por defasagem de preços
provocada pela política governamental do que por motivo comercial.
"Muitas vezes, as empresas querem fabricar determinados medicamentos,
inclusive essenciais, mas o preço autorizado pelo governo não cobre os
custos de produção", diz Nelson Mussolini, presidente-executivo do
Sindusfarma (sindicato paulista da indústria de produtos farmacêuticos).
Nessas circunstâncias, segundo ele, é do governo, e não da indústria, a
responsabilidade pelo fato de um produto ficar indisponível para o
paciente.
"No Brasil, é o governo que dá a palavra final sobre a oferta de
medicamentos no mercado, ao determinar o preço dos produtos, permitindo
apenas um reajuste anual, também definido pelo governo."
Em nota, a Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa)
lembra que, após o término da patente de um medicamento, surgem
indústrias que passam a fabricar novas versões do medicamento.
"Portanto, quando uma indústria decide descontinuá-lo, não significa
necessariamente que haverá desabastecimento, pois existem versões
similares e genéricas."
A nota diz ainda que a própria decisão pela descontinuidade do
medicamento não significa que a indústria deixará de produzir terapias
contra a mesma doença. "É comum haver medicamentos substituídos por
novas moléculas, capazes de tratar com mais eficácia e segurança as
mesmas enfermidades."
Segundo a Interfarma, em menor número, existem os casos em que
medicamentos únicos, sem versões genéricas, são descontinuados. "Isso
geralmente acontece porque o custo dos insumos aumentou demais ou a
própria fabricante do insumo, fornecedora da indústria farmacêutica,
descontinuou a sua linha de produção, impactando a viabilidade do
produto final."
PREÇOS REVISADOS
O Ministério da Saúde diz que, por meio de medida provisória, já foi
autorizada a revisão do preço de drogas com risco de desabastecimento e
falta de alternativa terapêutica que supra o mercado.
A ação teve efeito prático no abastecimento de penicilina e outros
medicamentos. O ministério diz estar investindo R$ 6,4 bilhões em nova
política de estímulo ao desenvolvimento da indústria nacional.
Foram eleitos 56 itens para parcerias de transferência de tecnologia e
115 para encomendas tecnológicas. Entre os oncológicos que podem ser
descontinuados, dez estão nessa lista prioritária.
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