domingo, 30 de julho de 2017

Dívida pública e juros

Dívida pública e juros - Carta Maior



Dívida pública e juros

A maior parte do noticiário atual tem se ocupado dos
impactos políticos e econômicos derivados da mais recente decisão da
equipe comandada por Mirelles





Paulo Kliass *










A maior parte do noticiário
atual tem se ocupado dos impactos políticos e econômicos derivados da
mais recente decisão da equipe comandada por Henrique Meirelles.
Trata-se da opção por lançar mão do aumento de impostos para dar uma
maquiadazinha na calamitosa situação fiscal de nosso País. Na verdade, o
problema não está tanto na majoração dos tributos incidentes na cadeia
de combustíveis em si. Mas principalmente pelo fato de se tratar de mais
um evento de estelionato golpeachmental patrocinado por Temer.

Afinal
o bloco majoritário que promoveu a retirada ilegal e inconstitucional
da Presidenta legitimamente eleita foi useiro e vezeiro da ladainha
contra o uso de novas elevações de medidas de tributação como
instrumento de política econômica. Esse foi o caso da derrota da CPMF e
de todas as outras tentativas de recompor o equilíbrio fiscal a partir
de fontes de arrecadação. Afinal, o mote do Estado mínimo rima
perfeitamente com a negativa em pagar impostos.

Todas as vezes
que Lula e Dilma ousaram apresentar alguma opção nessa linha foram
severamente bombardeados como gastadores, populistas, irresponsáveis,
bolivarianos e por aí vai. O interessante é observar a mudança radical
dos analistas vinculados ao financismo e à equipe dos sonhos da
economia. O tom dos comentários e editoriais nos grandes órgãos de
comunicação é totalmente diferente. Agora, a decisão de elevar
PIS/COFINS incidente sobre diesel, gasolina e etanol é apresentada como
uma inevitabilidade, uma triste necessidade inescapável para fechar as
contas do governo federal. Coitado, em meio a tantas dificuldades a
serem enfrentadas, dá mesmo até dó do Ministro da Fazenda...

Até
então a turma do impostômetro era implacável na crítica a esse tipo de
possibilidade. Isso para não mencionar o bombardeio sistemático de
qualquer alternativa de uso de tributos para estabelecer um novo padrão
de justiça social e econômica, com maior incidência de impostos sobre a
renda e o patrimônio. O exemplo mais simbólico é a incansável luta
contra a regulamentação do dispositivo previsto na Constituição desde
1988. Trata-se do Imposto sobre Grandes Fortunas, que deveria já estar
definido em lei complementar específica há 29 anos, tal como determina o
inciso VII, do art. 153 da Carta Magna.

Pois bem, o foco do
debate na questão da arrecadação escamoteia a divulgação e análise das
informações relativas ao comportamento da dívida pública federal. Como
ocorre a cada mês, a Secretária do Tesouro Nacional (STN) divulga o relatório periódico com os dados relativos à evolução dessa importante referência de avaliação das condições macroeconômicas do País.

De
acordo com os números oficiais do próprio Ministério da Fazenda, o
estoque total da dívida pública federal em poder do público atingiu a
marca de R$ 3,36 trilhões em junho de 2017. Esse valor representou um
crescimento significativo ao longo de 12 meses. Há exatamente um ano, o
estoque dessa dívida estava no nível de R$ 2,96 tri. Isso significa que
houve um crescimento de R$ 400 bi no período. Antes de quaisquer
conclusões apressadas a respeito de um suposto gigantismo nos números, é
importante registrar que a existência de dívida pública não é nenhum
problema em si. Antes, pelo contrário, o processo de endividamento
público pode se traduzir em importante instrumento de política
econômica. O importante é entendermos os “comos”, os “quantos” e os
“porquês” de cada caso concreto a ser estudado.

Um aspecto
relevante a ser observado é que o crescimento do estoque da dívida
deu-se em período onde houve, também, o pagamento expressivo de juros
sobre esse mesmo montante de títulos emitidos sob a responsabilidade do
Tesouro Nacional. Ou seja, seguiu-se à risca o preceito da ditadura do
superávit primário e os resultados das contas orçamentárias de natureza
não financeira foram comprimidos para que sobrassem recursos para o
pagamento dos compromissos da dívida. E mesmo assim, tal esforço não foi
suficiente. Com isso, novos títulos foram emitidos e o estoque da
dívida cresceu.

Os dados disponíveis no Banco Central a respeito
do pagamento de juros mostram que no período maio de 2016 a maio de
2017 (12 meses) foram direcionados R$ 431 bi para esse fim. A tendência é
que seja observada uma ligeira piora quando forem divulgados os dados
de junho. O importante a reter é que houve um duplo movimento de
primazia do financismo sobre a chamada “economia real”. Além de sorver
essa parcela ponderável do orçamento da União com juros, o movimento
apresenta o já mencionado acréscimo de novos R$ 400 bi em títulos
públicos federais, provocando a elevação também no estoque da dívida.

Um
indicador bastante utilizado para avaliar a evolução do processo de
endividamento e a capacidade de cumprimento das obrigações no longo
prazo diz respeito à relação dívida bruta/PIB. No caso brasileiro,
estamos algo próximo a 73% para os dados de maio de 2017. Esse número é
bastante inferior a outras economias, como Japão (250%), Grécia (179%),
Itália (132%), Portugal (130%), Estados Unidos (106%), Canadá (92%) e
média da zona do euro (89%). Como se pode verificar, a dívida pública
mais ou menos elevada em si não é um problema. O que é relevante na
análise é a capacidade de o Estado do país considerado apresentar um
panorama futuro sustentável e capaz de assegurar o compromisso com tais
títulos.

Porém, vale observar a evolução recente desse indicador
brasileiro e associá-lo às opções de política econômica adotada ao
longo dos últimos anos. Um ponto de virada parece ter sido a opção
explícita pela política de austericídio a partir do final de 2014 e
início de 2015. Com a consequente queda brutal da capacidade
arrecadadora do Estado, as contas orçamentárias foram comprimidas pela
redução das despesas de forma obtusa. Com isso, um dos efeitos terríveis
foi a redução crescente das atividades econômicas em geral e a entrada
em recessão desde 2015. E a engrenagem do círculo vicioso entra em
operação, com queda ainda maior da arrecadação e mais recessão e assim
por diante.

A Tabela abaixo mostra o comportamento indicador
“dívida bruta/PIB” para o caso brasileiro o longo da última década.
Entre 2007 e 2013, observa-se uma tendência de estabilidade da relação,
com uma média de 55% ao longo do período. Como a recessão provoca a
redução do Produto Interno, a queda do denominador provoca uma elevação
na relação e o indicador cresce. Assim, a partir de 2014, o indicador
começa a apresentar uma tendência de alta, passando de 56% para os
atuais 73%.





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 Uma
conclusão a respeito desse processo refere-se à falácia do discurso do
financismo a respeito da importância de manter a política de geração de
superávit primário. O principal argumento preconizava que o esforço
fiscal era essencial para evitar o crescimento da dívida, uma vez que os
juros seriam pagos com esse saldo derivado da redução dos gastos de
natureza social e investimentos. Pois bem essa opção tem sido levada
acabo há muito tempo. Com isso, o Brasil destinou mais de R$ 2,7
trilhões de seu orçamento público para o sistema financeiro para esse
fim entre 2007 e 2017, por exemplo.

Ora, durante esse mesmo
período, ao invés de ser reduzida ou se estabilizar, o estoque da dívida
pública bruta saltou de R$ 1,5 trilhão para R$ 4,6 trilhões. Ou seja,
vivemos o pior dos mundos. Foi realizado um esforço fiscal
contracionista para pagar juros da dívida. E, simultaneamente,
assistimos ao aumento dos valores nominais do próprio estoque de títulos
emitidos. Uma loucura!

Mas na aprovação recente da Lei de
Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2018 foi incluído um importante
dispositivo que pode auxiliar nesse problema. Ali está determinada a
realização de uma auditoria da dívida pública brasileira durante o
próximo ano. O artigo aprovado pelo Congresso Nacional diz o seguinte:

“Art.
91. Durante o exercício de 2018, será realizada auditoria da dívida
pública, com a participação de entidades da sociedade civil, no âmbito
do Ministério da Fazenda e do Banco Central do Brasil.”

Por mais
que a intenção não seja a criminalização da política fiscal e nem a
condenação do uso do endividamento como instrumento estratégico de uma
política desenvolvimentista, o fato é que há muitas dúvidas a serem a
esclarecidas a respeito do assunto. O debate amplo e aberto no
legislativo, com participação de analistas de fora da máquina pública,
pode contribuir para o aperfeiçoamento dos métodos e questionamento de
práticas.

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