domingo, 16 de julho de 2017

Por que não sabemos quantos presos há no Brasil - BBC Brasil

Por que não sabemos quantos presos há no Brasil - BBC Brasil



Por que não sabemos quantos presos há no Brasil


O Brasil tem uma
das maiores populações carcerárias do mundo - e, atualmente, essa é um
dos poucos dados conhecidos sobre o sistema penitenciário brasileiro,
segundo especialistas. Isso porque, desde 2014, o Ministério da Justiça
não divulga informações sobre a população dos presídios no país.
O
Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, o Infopen, que
trazia dados quantitativos (e alguns qualitativos) sobre o sistema foi
criado em 2004 e era divulgado semestralmente. No entanto, desde
dezembro de 2014, não houve qualquer atualização de dados.

A
falta de informações vem à tona em situações como a violenta rebelião no
presídio de Alcaçuz (região metropolitana de Natal). Mesmo seis meses
após o massacre, o número de mortos ainda é incerto, porque as contas
não fecham. O número oficial é de 26 vítimas, mas há 11 presos, segundo o
Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, que estavam no
presídio, mas não constam nem na lista de fugitivos, nem na de mortos e
nem na de transferidos para outras penitenciárias.



"No Rio Grande do Norte foi um diz-que-diz sobre quantidade de
pessoas que morreram. Até hoje, a gente não sabe nem isso. Me lembrou
uma coisa grave da época do massacre do Carandiru, que se fala em 111
pessoas mortas, mas pessoas que costumavam frequentar o presídio com
regularidade falam que tinha muito mais. E a gente não sabe. Uma conta
simples de quantas pessoas tinham, quantas ficaram", disse à BBC Isabel
Figueiredo, ex-diretora da Secretaria Nacional de Segurança Pública de
2011 a 2014 e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Questionado
pela reportagem, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) afirmou
que "as informações solicitadas não estão disponíveis no momento, pois
as mesmas dependem da conclusão do levantamento estatístico
correspondentes aos anos de 2015 e 2016, que ainda se encontra em
andamento".





A BBC Brasil apurou, porém, que os dados dos últimos
dois anos já teriam sido compilados e entregues ao Depen - o órgão, no
entanto, ainda não divulgou as informações atualizadas. O departamento
alega que um novo sistema está em implementação para o acesso aos dados.


"Está em vias de implantação uma ferramenta denominada SISDEPEN,
Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional, na qual
será possível o acesso às informações do Sistema Prisional tanto na sua
forma quantitativa, conforme apresentada nos relatórios estatísticos
atuais, como qualitativa, permitindo o cadastro das informações dos
custodiados em caráter individual."

'Tiro no escuro'

Segundo
especialistas ouvidos pela reportagem, os dados do Infopen são
necessários para a criação de políticas públicas para o sistema
penitenciário, e a ausência deles faz com que ações pensadas neste
contexto sejam "um tiro no escuro".

"A gente tem dados muito ruins
da segurança pública no Brasil, tanto do Judiciário, quanto da parte
penitenciária. Mas chama a atenção o retrocesso, porque a gente tinha
regularidade na divulgação desses dados e ela se perdeu", afirmou
Figueiredo.













"E o problema disso é que a gente navega no escuro,
sem saber para onde está indo e com quem está lidando. O Depen estava
numa mudança de método de coleta, mas o sistema estava praticamente
pronto no ano passado já. Houve uma troca de equipe com o impeachment da
presidente Dilma Rousseff, mas essa equipe já está há mais de um ano
aí. Já era para ter mostrado essas informações."

Segundo dados
revelados há três anos, o Brasil tinha a quarta maior população
carcerária do mundo, com mais de 622 mil pessoas em regime de prisão -
sendo que 41% delas ainda aguardavam julgamento. O deficit de vagas do
sistema à época já ultrapassava as 250,3 mil.

Para Valdirene
Daufemback, que foi diretora de políticas penitenciárias do Depen até
novembro do ano passado, "é fundamental ter informações para direcionar
políticas públicas".












"Sem dados, a gestão pública, vai sempre atuar de
maneira reativa, improvisada. As políticas não estão sendo planejadas a
partir de informações fidedignas. Elas estão sendo ordenadas muito mais
por providências que dão uma resposta imediatista, mas que não traz
soluções a médio e longo prazo", afirmou.

Para especialistas, a
falta de dados sobre as penitenciárias do país põe em questionamento, a
eficácia do novo Plano Nacional de Segurança, lançado pelo governo após a
sequência de massacres no início do ano no Norte e Nordeste, e de uma
das principais medidas propostas pelo Ministério da Justiça à época: a
construção de mais presídios.

"Sem ter os dados, você acaba
percebendo o problema só quando está no meio da crise", observou Guaracy
Mingardi, pesquisador em segurança pública, ex-subsecretário Nacional
de segurança pública e ex-secretário de segurança de Guarulhos.

"E
aí falam em construir mais presídio: é disso que gente precisa? Tudo
bem, você parte do princípio que precisa mais, mas de que tipo? Onde?
Qual é o estado mais problemático? Você precisa saber que tipo de preso
você tem para poder alocar melhor o dinheiro, se não, você estará indo
pelo impressionismo."

A ex-diretora do Depen ressalta ainda que,
sem dados atualizados, é difícil avaliar se as políticas e soluções
implementadas têm gerado resultado.

"Nossa resposta às crises têm
sido o encarceramento em massa. Mas o encarceramento em massa tem tido
efeito contrário, não está resolvendo. Só que sem dados, a gente não
consegue ter resposta sobre qual seria a solução para o problema ou
sobre o que já não está mais dando certo", afirmou Daufemback.

Procurado,
o Ministério da Justiça afirmou que a ferramenta SISDEPEN já estava
pronta no final de 2015, mas "não havia instrumento contratual para
colocar o módulo de coletas de dados em ambiente de produção, ou seja,
disponibilizado na internet".

"O Departamento sempre trabalhou
com a expectativa de que o contrato seria assinado ainda no primeiro
semestre de 2016, fato que não aconteceu devido à complexidade de se
negociar um contrato robusto diante da realidade orçamentária do ano de
2016."

"Diante da incerteza, no segundo semestre de 2016, o
Departamento decidiu contratar uma consultoria para que a coleta de
dados fosse realizada, utilizando novamente a plataforma disponibilizada
pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Desta forma, as coletas de
dados de dezembro de 2015 e junho de 2016 foram iniciadas em outubro de
2016. Essas coletas foram realizadas, mas ainda estão em fase de
processamento e análise. De forma concomitante, também estão sendo
feitos relatórios com as análises de dados", disse a pasta.

Custos e implementação do plano nacional

No
fim do ano passado, o governo do presidente Michel Temer anunciou um
repasse de R$ 1,2 bilhão para o sistema penitenciário. Depois, na
primeira semana do ano, diante das rebeliões ocorridas em Manaus, Natal e
Roraima, o então ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, confirmou o
repasse de outro R$ 1,8 bilhão do Fundo Penitenciário para os Estados
ainda no primeiro semestre de 2017.












No entanto, os dados oficiais sobre o custo de cada
preso no Brasil ainda são desconhecidos. Há estimativas do próprio Depen
que falam em R$ 2,4 mil por detento, mas segundo os especialistas, não
são todos os Estados que fornecem essas informações e os critérios para o
cálculo também não são padronizados.

A ex-diretora do Depen
ressalta que, muitas vezes, quando o cálculo é feito, ele acontece de
maneira genérica, pegando o valor repassado à penitenciária e dividindo
isso pelo número de presos. "Não existe um padrão nacional para se fazer
essa conta".

"Pensar numa política pública sem pensar num planejamento orçamentário é muito preocupante", afirmou Valdirene Daufemback.

Os
dados de 2014 mostravam um sistema penitenciário já em crise, abrigando
622.202 mil pessoas, quando as vagas disponíveis nas cadeias
brasileiras não ultrapassavam 371.884. Os especialistas veem que o
número de presos estava em tendência de alta e deve ter aumentado nos
últimos anos.












Ainda assim, para Isabel Figueiredo, o problema do
sistema não está na falta de vagas. "No meu entendimento, eu acho que a
gente tem vaga demais. E preso demais. Essas vagas que seriam mais do
que suficientes, mas a gente prende mais do que seria necessário ou
razoável", afirma, ressaltando que os índices de violência seguem altos,
apesar do aumento de encarcerados.

Para ela, mais do que
recursos, é preciso entender melhor os problemas do sistema para definir
uma melhor estratégia do uso deles. "Como vou pensar na alocação de
recursos se eu não souber a quantidade de pessoas do sistema, qual é o
regime de cumprimento delas, quantas pessoas entram no sistema e quantas
saem por ano, qual é a taxa de reincidência? Porque se a pessoa sai e
volta, é porque o sistema não está sendo efetivo", avaliou.

"Não
dá pra fazer política pública sem conhecer o que ela quer modificar. E
mais grave do que isso é essa lógica de tudo que se responde com pena de
prisão. Não é que se investe pouco no sistema penitenciário, mas se
investe mal. Nos Estados Unidos, hoje se investe em sistema
penitenciário quase 5 vezes mais do que no sistema de educação. E não
deveria ser essa a resposta para o problema."

Segundo o Ministério
da Justiça, em 2017 foi realizado um único repasse para o sistema
penitenciário, de mesmo valor a todos os Estados, mas não esclareceu o
critério usado até o momento.

"A Medida Provisória 781
estabelecerá os critérios para distribuição de recursos aos estados, via
Fundo Penitenciário Nacional para o Fundos Penitenciários estaduais. A
referida MP foi encaminhada para votação pelo Congresso Nacional",
disse o órgão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário