O procurador que usou o MPF como escada, por Luis Nassif
A entrevista do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima à Folha
é significativa dos males que a Lava Jato causou ao Ministério Público
Federal pela falta de comando do PGR (Procurador Geral da República) e
do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público). E mostra como a
espetacularização do Judiciário prejudicou a Justiça, em benefício de
membros dos dois poderes.
Anos atrás participei de um debate sobre o tema no Encontro Nacional
dos Juízes Federais. Eugênio Bucci dizia que os holofotes sobre a
Justiça aumentariam a transparência do Judiciário. Eu rebati sustentando
que quem participasse desse show da vida acabaria se comportando de
acordo com as características do ambiente. Para se manter no show teriam
que ceder cada vez mais às exigências do público.
Do pré-mensalão para cá, o maior fator de estímulo à opinião pública –
especialmente dos executivos de mercado e de grandes empresas – foi a
anti-política, o anti-petismo radical. Tornou-se a bola da vez, abrindo
espaço para palestras, consultorias de toda espécie.
É só conferir aquele economista que participa do Manhatan Connection.
No início, era um sujeito de bom senso e conhecimento técnico, em meio a
colegas jejunos no assunto. Hoje em dia, no Twitter, suas mensagens são
do nível de um Lobão. E sempre acompanhadas de mensagens
autopromocionais.
O primeiro a surfar nessas ondas do ódio à política foi Joaquim
Barbosa, que trocou o cargo de Ministro do Supremo por uma banca de
advocacia à qual recorrem grandes empresas que não querem dificuldades
com a lei. Nem se diga que o radicalismo de Barbosa foi ensaiado. É de
nascença mesmo.
Não se trata meramente da crítica à política, mas da propagação do ódio em todos os níveis como ferramenta de marketing.
Se esse marketing rentável pegou até quem galgou todos os degraus da
carreira de procurador, o que não dizer de procuradores que fizeram toda
sua carreira em centros menores, como é o caso de Curitiba.
Em todos esses momentos, exercitaram, por palavras e atos, o exercício do ódio mais visceral.
É só conferir as declaração de Carlos Fernando, sobre as fraquezas de
Sérgio Moro de absolver socialites cariocas claramente envolvidas e
beneficiadas com os golpes dos maridos:
- Ele tende a ser mais brando com as mulheres, mesmo. Nós pedimos
autorização para condução coercitiva de Marisa Lula e ele não concedeu.
Ou seja, não bastava invadir a casa de Lula, revirar camas e quartos,
conduzi-lo coercitivamente com toda a imprensa avisada. Tinha também
que submeter a esposa ao mesmo rito de humilhação.
E contou isso, em uma entrevista, com a mesma naturalidade de
qualquer frequentador de boteco contando as últimas machezas para a
roda.
Em seu perfil ataca os “inimigos da operação” e adota frases como
"vamos acreditar que podemos ser livres, que podemos escolher pessoas
íntegras, que existe esperança".
Na entrevista à Folha, Carlos Fernando conta, de passagem, o final da
grande encenação: aposentadoria do MPF e montagem de um escritório de
advocacia que se especializará em ... compliance, é claro.
Com a quantidade de empresas envolvidas devida ou indevidamente com a
Lava Jato, é previsível o sucesso do futuro escritório. Afinal, não
contratará apenas um escritório especializado em compliance,
mas um escritório especializado em uma ciência à parte: o que o MPF,
mais especificamente, o MPF brasileiro, mas especificamente, as Forças
Tarefas, entendem por compliance. Contratar o futuro advogado significará percorrer o caminho das pessoas íntegras e descobrir que existe a esperança. Amém!
Seu poder não deriva mais do cargo, nem ele está mais submetido às
regras disciplinares do MPF. Agora, o procurador está dotado da Força: a
capacidade de cada pum no Facebook se tornar manchete em jornais que
perderam totalmente a capacidade de avaliar as notícias pela relevância.
Com o Poder, ele se considera mais forte que o próprio PGR.
Na entrevista, critica os erros de comunicação do PGR no acordo com a
JBS, critica a decisão do TRF4 de absolver Vaccari, ensina
jurisprudência ao Judiciário. Critica tudo. Os únicos que têm o
monopólio do acerto são eles, da Lava Jato. E se a Justiça não aceita
apenas indícios como prova, é porque o Judiciário está desatualizado.
Não se conhece um trabalho de fôlego do procurador sobre o tema.
Indagado sobre a falta de isenção de quem se manifesta politicamente na rede, é taxativo
“Se eu estivesse fazendo consideração político-partidária, eu estaria
realmente vinculado a certos posicionamentos. Se você defende
princípios que estão na Constituição, esse argumento é absurdo. Eu vou
falar. Não posso deixar de falar. Eu tenho uma obrigação de falar”.
Obviamente, do PT e do PMDB, sem nenhuma menção ao PSDB. Durante toda a
entrevista fala dos processos. E, obviamente, aproveita para anunciar
seu futuro escritório de advocacia especializado em compliance.
Não se pode negar que ambos – ele e Deltan Dallagnol – tem o faro
apurado do investidor de oportunidades. Aproveitaram ao máximo os
holofotes da mídia, exercitaram com maestria o discurso do ódio,
forneceram carne fresca à vontade para um mercado sedento de sangue, e
fincaram as bases para o salto profissional. Mas é piada falar em
meritocracia. Por mérito, Carlos Fernando jamais passaria de procurador
regional no Paraná.
À Folha ele afirmou que seu objetivo, com as catilinárias nas redes
sociais, é inspirar os procuradores que combatem a corrupção Brasil
afora.
Aliás, um bravo procurador, envolvido com a Lava Jato e com outras
grandes operações, dia desses se queixava da tendência das novas
gerações, de usarem o MPF como trampolim para carreiras no setor
privado. Esta é a parte pior da herança deixada por por Janot: a
leniência com o protagonismo excessivo da Lava Jato, que escancarou a
falta de isenção e, agora, a falta de disciplina e de discrição que
deveria caracterizar a carreira de procurador.
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