sábado, 1 de julho de 2017

Nem Brewer nem Rouxin: achamos o Manual da Lava-Jato!

Nem Brewer nem Rouxin: achamos o Manual da Lava-Jato!



Nem Brewer nem Rouxin: achamos o Manual da Lava-Jato!

Roberto Requião















Leio, com frequência, opiniões de juristas,
jornalistas e curiosos sobre a importação de teorias do Direito por
parte de promotores e juízes para acusar e condenar os envolvidos em
denúncias de corrupção, principalmente.


No caso do tal “mensalão”, o único “mensalão” que foi julgado, porque
os outros, os do PSDB e do DEM correm fatalmente para prescrição, por
decurso de prazo ou decurso de idade; no caso do “mensalão” do PT,
dizia, importou-se a esdruxularia da “teoria do fato”.


Importação, diga-se, cuja aplicação ao caso nacional foi duramente
criticada pelo próprio criador da tese, o jurista alemão Claus Roxin.


Nada a ver, disse o teuto.


E daí? Quem estava se importando, notadamente na mídia, no Supremo,
na OAB, no Ministério Público ou no mercado financeiro com a legalidade
da aplicação da teoria?


Afinal o objetivo comum era o de esmagar a cabeça da hidra. Para isso, valia tudo.


Agora, na Lava Jato, os promotores e os juízes que viajam com uma
frequência inquietante aos Estados Unidos trouxeram de lá a tal da
“teoria da abdução das provas”, para supervalorizar as chamadas as
“provas indiciárias”.


Segundo o doutor em Ciência Política e mestre em Direito Rogério
Dultra, da Universidade Federal Fluminense, a Lava Jato importou a dita
tese do professor de Direto de Harvard Scot Brewer, que orientou o
mestrado de Deltan Dallagnol na universidade norte-americana.


Dultra explica que a “teoria da abdução das provas” é na verdade do
filósofo norte-americano Charles Sanders Peirce, tido como o pensador
que estabeleceu as bases da semiótica, ainda no século XIX.


Mas, o que seria a “teoria da abdução das provas”?


Seria o primeiro momento de um processo de inferência, isto é, de
indução ou dedução, que permite, por exemplo, com bases em amostras
estatísticas, efetuar generalizações. Enfim, com tal teoria, formula-se
uma hipótese geral para explicar determinados fatos empíricos.


Dultra acusa tanto o orientador havardiano como o seu aluno
brasileiro de distorcer a teoria de Peirce, como o fez Joaquim Barbosa
com a teoria de Claus Roxin. Enfim, mais uma vez o tal do “jeitinho”
pátrio para ajustar o círculo ao quadrado.


No entanto, estabeleço aqui uma divergência com o professor da
Universidade Federal Fluminense e com outros que buscam em Peirce,
Roxin et allia inspirações para os nossos criativos promotores e juízes.


Na verdade, promotores e juízes iluminam-se nas orientações de um
livro editado em 1484, na Alemanha, ou na região que viria a ser depois a
Alemanha, com a unificação dos principados teutos por Bismarck, no
século XIX.


Antes de declinar o nome do livro, para não suscitar resmungos
precipitados de alguns colegas, vou buscar no documento medieval algumas
orientações. Orientações, sugestões, exemplos e decisões que servem de
manancial, de matriz para a Lava Jato.


Quanto às testemunhas.


Diz o livro que o juiz não deve levar em consideração quando as
testemunhas divergem em seus relatos, pois basta uma única convergência
para considerar os depoimentos verdadeiros, idôneos.


E quando as acusações das testemunhas são graves, é preciso apenas um
mínimo de evidência para que se considere o acusado culpado.
Pouquíssimos argumentos, por si só, já expõem o crime do indiciado,
ensina o manual.


Quer dizer: quanto mais testemunhas arroladas contra o suspeito, e
quanto mais graves as acusações, mesmo que não provadas, mais clara a
culpa do denunciado.


Enfim, esse livro diz que é lícito que se condene o réu apenas com base em testemunhos.


Notórios malfeitores e criminosos são aceitos como testemunhas perfeitamente confiáveis.


As evidências, colhidas nas oitivas das testemunhas, só podem ser
usadas pela promotoria, nunca pela defesa, pois as evidências têm mais
valia em provar uma acusação do que em refutá-la.


Os indícios colhidos contra os acusados por depoimentos prestados por perjuros devem ser considerados como válidos.


Os perjuros, ressalva o manual, não falam por leviandade, nem por
inimizade, tampouco por suborno, e sim pelo mais puro zelo; assim, mesmo
que tenham mentido, que tenham falseado a verdade dos fatos, há de se
considerar válido o seu testemunho.


Tão válido como o de uma pessoa honesta.


Afinal, tamanho é o mal causado pelos réus, face as graves suspeitas
que pesam sobre eles, que qualquer criminoso poderá prestar depoimento
contra os acusados; até mesmo os servos contra os seus amos.


Em algumas circunstâncias, prescreve o manual de 1484, a gravidade
das acusações é tal que a causa deve ser conduzida da maneira mais
simples e mais sumária, sem os argumentos e as contenções dos advogados
de defesa.


 Enfim, a defesa é um atrapalho a ser ou contido ou mesmo eliminado.


Quando o réu nega todas as acusações, o juiz deve levar em conta,
para considera-lo culpado, três condições: a má reputação do réu, tendo
em vista as suspeitas que pesam contra o ele; e evidência dos fatos,
mesmo que não haja provas que os vincule aos réus, e o depoimento das
testemunhas, ainda que perjuras.


Conforme o manual que inspira os promotores e os juízes da Lava Jato,
o simples boato da má reputação do acusado já é suficiente para que o
juiz o processe e condene-o.


 Não são necessários evidências, suposições e muito menos fatos.
Boatos sobre a má reputação do réu já bastam para se abrir o processo,
julgar e condenar o indigitado.


 Boatos, apenas boatos, ainda que maledicentes, são suficientes para se abrir um processo.


 O livro, mesmo ressalvando que um dos doutores da Igreja, Bernardo de Claraval, falava em fato evidente, para determinar a verdade das coisas, diz que basta uma evidência para provar uma acusação.


Assim, o indivíduo indiciado pela evidência dos fatos ou pelo
depoimento de testemunhas, ainda que perjuras, registre-se, quer
confesse o crime ou o negue obstinadamente, será condenado.


 E já que a culpabilidade está, em um caso e noutro,
pré-estabelecida, o livro recomenda que o processo seja conduzido de
forma abreviada e sumária.


 Sem delongas, sem concessão de tempo para a defesa.


 Mais ainda: recomenda expressamente o “confinamento do acusado na
prisão por algum tempo, ou por alguns anos, caso em, que, talvez, depois
de padecer por um ano das misérias do cárcere, venha a confessar os
crimes cometidos”.


Sábios juízes de 1484!


 Sapientíssimos juízes de 2017!


 Os autores do manual, Heinrich Kramer e James Sprenger, advertem
ainda os advogados dos acusados, recomendando moderação, pois do
contrário poderão também ser considerados suspeitos e processados.


Esta é a recomendação: se o advogado defende uma pessoa já suspeita,
torna-se a si próprio um defensor do crime e lança sobre si mesmo não
uma suspeita leve, mas uma greve suspeita, e deverá abjurar publicamente
o pecado cometido por defender um criminoso.


Parece que está aqui a origem de toda a má vontade dos senhores da
Lava Jato para com os advogados de defesa ou com os jornalistas que não
fazem parte do clube exclusivo dos vazadores de notícias.


 A reputação pública do acusado é outro fator que o juiz deve levar em conta, diz o tratado medieval.


O magistrado deve estar atento ao que a opinião pública pensa e
manifesta sobre o suspeito. Se o que a opinião pública pensa não
favorece a reputação do indivíduo, ele pode ser considerado sob forte
suspeita de crime.


 A difamação – seja o cidadão culpado ou não da maledicência – é outro critério para se iniciar um processo.


Os juízes devem partir da premissa que o difamado é, liminarmente,
culpado pelo que lhe imputam. Alguém assim classificado, deverá ser
submetido a interrogatório, à prisão por tempo indeterminado e à
tortura, para que confesse o crime.


No entanto, o manual que até hoje orienta os nossos juízes e
promotores, 533 anos depois de sua primeira edição, pede prudência em
relação às delações que, adverte, não são suficientes em si para uma
condenação, porque o demônio pode tê-las inspirado.


Assim, recomenda, as delações devem ser acompanhadas por outras
condicionantes, como a má reputação do acusado, o depoimento de
testemunhas, ainda que perjuras, e pela evidência dos fatos.


 O livro aconselha ainda que o juiz seja misericordioso. Não com o
réu, mas misericordioso para consigo mesmo e para com o Estado.


 Consigo, por ter que julgar tantos crimes e se expor a tantos
malfeitores; para com o Estado porque tudo o que é feito para a
segurança do Estado é misericordioso.


 Outra questão que merece dos autores do manual longa consideração é a chamada suspeita manifesta.


Dizem eles, não basta o depoimento das testemunhas, não bastam as
evidências e nem basta o fato do acusado já ter sido anteriormente
condenado. E preciso também que haja suspeita manifesta ou grave
suspeita de crime.


Kramer e Sprenger socorrem-se aqui de São Gerônimo, o cenobita e
Doutor da Igreja, para quem a esposa poderá obter o divórcio se houver
forte suspeita de que o seu marido esteja traindo-a. Logo, concluem: a
grave suspeita é suficiente para a condenação do suspeitoso.


 E há, como bem sabem e agem os juízes e promotores da Lava Jato, vários graus de suspeita.


 Há, por exemplo, a suspeita provável. Quer dizer, é
provável que fulano seja suspeito de ter cometido algum crime. Mas essa
suspeita é ainda considerada leve e os que nela incorrem devem provar a
inocência fazendo penitência, redimindo-se da suposta falta.


 Não interessa que a suspeita seja infundada.


Mesmo assim, caso os suspeitos não se submetam à purgação do
hipotético crime, devem ser condenados. De leve, a suspeita gradua-se à
grave.


 Os autores, volta e meia, retornam à questão da má reputação do suspeito como premissa para considera-lo suspeito.


E dizem: ainda que nada for provado contra ele, o fato de ser objeto
de difamação pública é suficiente para a abertura de um processo. E,
acautelam, a difamação não deverá necessariamente provir de pessoas
honestas e respeitáveis; o peso é igual quando a calúnia advém de gente
simples e comum ou de criminosos.


Quer dizer, o simples fato de uma pessoa ser caluniada é suficiente
para ela ser processada. E mesmo que nada se prove, ela deverá ser
condenada a atos de penitência e de reparação. Caso a pessoa repudie a
calúnia e não aceite a purgação, porque é absolutamente inocente,
sofrerá graves sanções.


A retenção de acusados ou suspeitos ou difamados a longos períodos na
prisão deverá servir para que parentes, amigos e pessoas influentes
convençam os indigitados a confessarem seus crimes, prescreve o manual.


 A resistência à confissão será tomada como confissão de culpa; e, no
caso de relutância a confessar, recomendam-se a longa detenção e a
tortura.


 A pessoa inocente, que, quando considerada suspeita de um crime,
confessa o delito para se livrar da pressão do juiz, deve ter cuidado
para não ser considerada novamente suspeita, já que a reincidência na suspeição leva à condenação.


 Uma vez suspeita, vá lá, mas duas vezes suspeita é criminosa na certa.


Muito familiar, não é?


 Ah, sim. A suspeita manifesta ou grave suspeita não admite prova ou defesa. A pessoa é condenada e pronto.


 É uma espécie de domínio do fato avant garde.


 Um dos capítulos finais do livro trata da pessoa que é apanhada, denunciada e condenada.


Culpada de crime pela evidência dos fatos e pelo depoimento de
testemunhas, essas pessoas, firme e constantemente tendem a negar a
responsabilidade, ponderam os autores. Então, insistem os autores, os
juízes devem manter essas pessoas no cárcere, pressionando-as,
empenhando-se ao extremo para induzi-las à confissão.


Segundo eles, o “remédio” é certo, pois não há quem resista ao
isolamento, às ameaças, aos apelos das famílias e ao exemplo de outros
acusados que cederam e confessaram.


 Mas, observam Kramer e Sprenger, caso o condenado seja executado e
depois se descobre que era inocente, ele deve ser imediata e solenemente
absolvido.


 Mas só se for inocente; caso o juiz acredite que o morto tinha culpa, deve, ao contrário, evitar absolvê-lo.


 Por fim, os autores tratam da justeza dos juízes em negar objeções, apelações, recursos.


Vamos à citação: “Feito isso, que se declare o seguinte: assim
agindo, o juiz procedeu devida e justamente, e não se desviou do caminho
da justiça, e de forma alguma molestou indevidamente o apelante.
Todavia, o apelante, alegando objeções mentirosas e falsas, tentou,
mediante uma apelação indevida e injusta, escapar da sentença.


Pelo que sua apelação é frívola e inválida, sem qualquer fundamento,
errada no conteúdo e na forma. E como as leis não reconhecem apelações
frívolas, nem são estas reconhecidas pelo juiz, declara este, portanto,
que não admite e nem pretende admitir a mencionada apelação, nem a
reconhece e nem mesmo se propõe a reconhece-la. E dá esta reposta ao
acusado que faz tal indevida apelação....”


 No ano do Senhor de 1487, a prestigiosa Universidade de Colônia,
Alemanha, com a chancela do Papa Inocente, do imperador Maximiliano, que
ainda ostentava o título de imperador romano do Ocidente, este manual
recebeu o certificado de aprovação.


E, passados 530 anos de tal certificado, continua a ser adotado até
os nossos dias, como o comprovam promotores e juízes da Lava Jato, e até
mesmo alguns ministros de tribunais superiores.


 O manual de orientações é este, o Malleus Maleficarum ou O Martelo das Feiticeiras.


Foi este compêndio que instruiu e guiou a Igreja no combate,
perseguição, tortura e morte de milhares de homens e mulheres, estas
principalmente, acusados de bruxaria e de heresia. E que hoje instrui e
direciona as ações de juízes promotores auto investidos de anjos
vingadores, da espada santa do senhor.


Modus in rebus, senhores do Ministério Público, da Polícia Federal e do Judiciário.

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