sábado, 28 de novembro de 2015

Até quando esperar? — CartaCapital

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Economia

Crescimento

Até quando esperar?

Três anos de escalada dos juros e um semestre de recessão abalam a defesa da atual política econômica






por Luiz Gonzaga Belluzzo e Gabriel Galípolo







publicado
27/11/2015 14h04,



última modificação
28/11/2015 00h37














De 2013 para cá, a Selic, taxa básica, quase dobrou, sem conter a inflação
Em artigo
publicado em outubro deste ano, Orsola Costantini, economista sênior do
Institute for New Economic Thinking, nos oferece uma exegese do conceito
de orçamento ciclicamente ajustado, palmilhando o tortuoso caminho da
proclamada e não comprovada “evolução” do pensamento econômico. 
Um dos economistas mais influentes da Escola de Estocolmo,
Gunnar Myrdal, foi pioneiro em propor regras que permitiam ao governo
equilibrar seu orçamento durante todo o ciclo econômico, em vez de
considerá-lo ano a ano.
Na época, a preocupação era estabelecer uma política fiscal capaz
de suavizar as flutuações econômicas, apoiada na ideia de que o governo
deve proporcionar estímulos fiscais durante o período de retração e,
simetricamente, implementar medidas restritivas durante a expansão,
contendo pressões inflacionárias e garantindo uma transição suave da
parte descendente do ciclo. 
Apesar de a ideia
assemelhar-se à proposta posterior de Keynes para um orçamento de
capital, Myrdal, em 1930, via o investimento público como uma linha de
defesa contra flutuações cíclicas, a ser ativada tão somente quando as
circunstâncias assim determinarem. Recomendava, portanto, intervenções
pontuais de curto prazo.
Dados-Recessão
A ideia de Keynes, por contraposição, é
formulada no capítulo XXIV da Teoria Geral como um projeto de longo
prazo. Na proposta keynesiana, a “socialização do investimento” junta-se
ao sistema tributário progressivo, à eutanásia do rentista e ao
controle do movimento internacional de capitais para prevenir a
instabilidade inerente à economia capitalista. Entre outras coisas,
Keynes pretendia neutralizar os desvarios da finança nacional e
internacional. Sua proposta jamais foi implementada, nem sequer
ensaiada.
Contudo, o debate acerca dos instrumentos para a suavização dos ciclos econômicos, tendo como meta o pleno emprego
a ser alcançado pela socialização do investimento, foi substituído por
um positivismo tardio, que nega a possibilidade de políticas públicas
exercerem efeitos de longo prazo no nível de emprego.
A “hipótese das expectativas racionais”
aliou-se aos modelos de equilíbrio geral, deterministas ou estocásticos,
para deslocar o debate. A incerteza que afetava as decisões
empresariais no capitalismo de Keynes cede lugar à “otimização” dos
indivíduos racionais que conhecem a estrutura da economia, bem como sua
trajetória provável. Esse super-homem não se deixa enganar por
“truques nominais” da política monetária e da política fiscal. A
política econômica para reduzir o desemprego só resultaria em maiores
taxas de inflação e necessidade de maiores impostos no futuro. Segundo o
“teorema da equivalência ricardiana”, o agente racional sabe que o
déficit fiscal de hoje será corrigido “estruturalmente” por mais
impostos amanhã.  
A força e o sucesso dessa
teoria repousam em um conjunto de pressupostos simples: os indivíduos
baseiam suas decisões em expectativas racionais; os mercados são bem
organizados e o sistema de preços, rígidos ou flexíveis, funciona para
alocar eficientemente os recursos; as flutuações da economia em torno de
sua trajetória de equilíbrio decorrem de “choques exógenos”, como
mudanças tecnológicas ou na preferência dos consumidores; os mecanismos
automáticos de ajuste operarão forte e rapidamente; a demanda de moeda é
estável, porque a função reserva de valor que suscita a demanda
especulativa sumiu do mapa; por isso, os ativos financeiros e reais são
altamente intercambiáveis; o consumo depende do valor descontado de
todas as receitas futuras e não da receita corrente; o tropismo em
direção à teoria quantitativa da moeda arquitetou a Nairu (taxa de
desemprego não aceleradora da inflação), concebida para mimetizar o
conceito de taxa natural de desemprego, como advertência aos perigos de
estímulos “pelo lado da demanda”.
A economia tenderia automaticamente ao
equilíbrio a longo prazo, graças à operação das “forças naturais” do
mercado. A austeridade monetária e fiscal é reivindicada como panaceia
destinada a restaurar rapidamente as “condições econômicas normais”.
Isso significa o seguinte: uma vez desvendado o hiato do produto para
definir o produto potencial, emerge a “realidade” escondida sob o véu
dos valores nominais. 
 
 A pedra angular das
estimativas do hiato do produto é a confiança na inflação como
indicador principal dos desvios do produto potencial. Em trabalho
recente do Bank of International Settlements sobre o tema,
Borio, Disyatat e Juselius mostram a tautologia dos cálculos do hiato
do produto: se há fortes tensões inflacionárias, a economia está sendo
pressionada a crescer acima do produto potencial. Se há deflação, está
crescendo abaixo. 
Borio constata que a verificação empírica
dos modelos amparados nessa hipótese apresenta um dilema: ou os
resultados não são economicamente plausíveis ou a hipótese supracitada
da correlação entre inflação e desemprego é irrelevante para o cálculo
do produto. Gentilmente, Borio et al estão dizendo que o
tratamento do hiato do produto está irremediavelmente comprometido com o
vício da tautologia. Os resultados estão contidos nos supostos. Resta à
política econômica satisfazer as expectativas dos agentes racionais,
sinalizando que vai tomar as decisões necessárias para que todos
acreditem na recondução da economia à trilha do “produto natural de
equilíbrio”. E assim estamos de volta ao Nirvana da “economia da
oferta”. 
Resultados
Essas bugigangas encontram guarida nos
argumentos para justificar as elevadas taxas de juros praticadas no
Brasil, sob a lógica de que uma das principais funções do modelo de
metas da inflação é exercida pelo canal das expectativas. Juros
inferiores seriam uma sinalização de renúncia ao comprometimento de
fazer o IPCA convergir para a meta. A deterioração das expectativas
teria impacto na inflação de 2016 e 2017.
De 2013 para cá, a Selic praticamente
dobrou, com um acréscimo de 7 pontos, mas a política monetária vem
apresentando pouco sucesso em trazer a inflação para a meta; entre março
de 2013 e outubro de 2015, o IPCA subiu 19,97%, depois de um choque de
tarifas destinado a alinhar os preços relativos. O argumento de que a
política monetária leva tempo para fazer efeito e o diagnóstico de
inflação de demanda sucumbem ao peso de 33 meses de escalada dos juros e
dois trimestres de recessão.
A mesma lógica patrocina a esperança que
afirma o ajuste fiscal como condição suficiente para a retomada do
crescimento. Comparando o período entre janeiro e setembro de 2014 e
2015, o ajuste fiscal proporcionou uma redução de 4% das despesas
totais, 5,5% nas transferências e 41% dos investimentos do PAC. No
entanto, o déficit primário previsto para o fim de 2015 é quase três
vezes maior do que em 2014 (de 0,37% para 0,9% do PIB).
Partindo das condições estáticas
de equilíbrio, os modelos de expectativas racionais desconsideram a
dinâmica concreta da economia monetária da produção. Na hipótese
keynesiana, as antecipações que sustentam as decisões dos empresários a
respeito dos rendimentos do seu estoque de capital existente ou do
investimento em nova capacidade são tomadas em condições de incerteza
radical. Seria um prodígio se empresários e consumidores antecipassem
o “reequilíbrio” das condições de crescimento depois de um choque de
preços dos insumos universais, choque de juros, subida da inflação e
contração dos gastos públicos. Auguramos que se materializem os efeitos
da bem-vinda desvalorização cambial. 
Qualquer sujeito racional mobilizaria seu
ceticismo quanto ao diagnóstico inicial e faria uma revisão da
prescrição. Expectativas alienadas da experiência reduzem-se a dogmas
irracionais: a pretexto de praticar “ciência”, escapam ao pragmatismo da
arte da política econômica

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