Prisão de Delcídio expõe o risco da delação “genérica” e a eficácia do “Rhum Creosotado”
Repare o leitor que não houve – e nem poderia haver, tamanha a
imundície – um pio de protesto ante a prisão do Senador Delcídio Amaral.
E não pode haver, porque é inequívoca a prova de que não apenas ele
estava praticando um crime como perpetrando outro, o de dar fuga a
Nestor Cerveró.
Abstenho-me de comentar o nojo da situação porque mantenho este blog limpo.
Curioso é que as provas não foram obtidas pela Polícia Federal nem
pelos guapos rapazes do Ministério Público, mas pelo filho de Cerveró,
animado pelo legítimo direito de – já que estamos numa feira judicial –
de negociar (veja como o termo é adequado) a delação premiada do pai.
E ponto, terminam aí as virtudes do episódio.
Começam, então, os episódios, características e, pior, as projeções lógicas que traz com ele, tão ou mais repugnantes.
A primeira delas é a tristíssima constatação que o senso de Justiça
do Supremo Tribunal Federal só é como deveria ser para todos quando
ofendida a honra de seus integrantes.
Se o senhor – já antecipo a perda iminente do título de Senador –
Delcídio Amaral tivesse dito que “já conversou” comigo ou com o prezado
leitor e a querida leitora sobre como livrar Cerveró, estaríamos nós,
inapelavelmente, execrados nas páginas dos jornais como cúmplices.
Sem dó nem piedade.
Aliás, estariam assim os senhores Ministros do STF se a gravação
tivesse, antes de chegar ao conhecimento do Supremo, sido entregue ao Superior Tribunal da Veja.
Ou, talvez, tenha chegado – tal é a cumplicidade que se formou entre
ela e a República do Paraná e os tenha salvo, coitados, pelo “Rhum
Creosotado” da citação ao Ministro Gilmar Mendes, o qual, claro, não vem
ao caso.
Ninguém irá imaginar se “ser conversado” é prática no STF ou se, como Esteves, o banqueiro Daniel Dantas “conversou” com alguém.
Com toda a razão – e sobretudo, com todos os meios – Suas Excelências
puderam dar fim, desde o início, a qualquer especulação, sem prova,
sobre sua honra e honestidade.
Mas, a esta altura, manifestarem-se indignados pelo vazamento de
informações da Lava-Jato é, convenhamos, reafirmar a refrescância da
pimenta em olhos alheios.
Daí vem a segunda inevitável reflexão.
A delação premiada de Cerveró, está evidente, foi negociada com uma
ratoeira para pegar Delcídio – e, de quebra, o banqueiro André Esteves,
que apesar de eleitor de Aécio e pagador de suas despesas pessoais , virou petista de carteirinha na mídia – e o episódio de ontem terá desdobramentos.
Quanto valerá agora o único caminho da defesa de Delcídio Amaral e de André Esteves, uma nova delação premiada?
Devo estimular a imaginação dos leitores sobre o que ela conteria?
E preciso perguntar se a credibilidade do “conversei com o Lula”
teria seria a mesma que se teve ante o “conversei com o Teori” ou o
“conversei com o Tóffoli” ou ainda o “vou pedir ao Temer para conversar
com o Gilmar”.
A espiral de delações, que empresta credibilidade a tudo o
que dizem homens desesperados diante da evidência de suas falcatruas,
turbinada por um Ministério Público e uma Polícia que têm alvos
pré-determinados e uma imprensa histericamente partidarizada
inevitavelmente conduz a isso.
Agora imagine se, para completar a “cruzada moral”, sob o apoio da
indignação moral de todos com o papel dos roedores que caíram na
ratoeira, os ratos passam a guinchar suas delações, para fruir de tudo,
embora com as anilhas eletrônicas do laboratório do Dr. Moro presas às
patinhas?
Ah, sim, porque queijo guardado eles têm e muito.
Deu-se assim o resultado da ausência da política e da polêmica.
Quando ela passa a um plano inferior, sobram os Esteves, os Delcídios, os Cunha.
Os que “viabilizam”.
E, quando podem ser lenha para fazer arder uma política progressista,
nacionalista e inclusiva, são solenemente lançados ao fogo por seus
pares. Diga-se, não sem “méritos” para isso, embora sejam apenas uns
entre muitos que se beneficiam do inverso desta política.
O Supremo fez o que muita gente neste país desaprendeu a fazer: exerceu seu poder.
Quem não faz isso, cai.
A menos que o ilustre passageiro seja salvo por algum Rhum Creosotado.
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