As elites agem politicamente para manter os juros altos?
Trabalho acadêmico mapeia a influência dos rentistas na manutenção das taxas em patamares elevados no Brasil
Baptistão
Raro momento de união durante encontro entre capital e trabalho contra os juros altos
A confirmação
pelo Banco Central, na quarta-feira 31, dos juros mantidos há mais de
um ano em 14,25% cristaliza o País como caso raro de estabilidade no
topo em um mundo com predominância de taxas zero, insignificantes ou
cadentes. À ineficiência econômica e ao exotismo da situação no contexto
internacional acrescenta-se outro recorde incômodo, o da maior taxa
real média nos últimos 19 anos. A situação foi identificada em uma
amostra de 11 países estudada por Thereza Balliester Reis e apresentada
em dissertação de mestrado em junho, na Universidade de Paris.
pelo Banco Central, na quarta-feira 31, dos juros mantidos há mais de
um ano em 14,25% cristaliza o País como caso raro de estabilidade no
topo em um mundo com predominância de taxas zero, insignificantes ou
cadentes. À ineficiência econômica e ao exotismo da situação no contexto
internacional acrescenta-se outro recorde incômodo, o da maior taxa
real média nos últimos 19 anos. A situação foi identificada em uma
amostra de 11 países estudada por Thereza Balliester Reis e apresentada
em dissertação de mestrado em junho, na Universidade de Paris.
À banca examinadora composta de representantes da
instituição francesa, da Berlin School of Economics and Law, da
Alemanha, e da Universidade Estadual de Campinas, a economista
demonstrou que os argumentos utilizados até hoje não explicam a contento
a taxa de juros real, pois o Brasil apresenta um efeito permanente muito superior ao verificado em outras economias.
instituição francesa, da Berlin School of Economics and Law, da
Alemanha, e da Universidade Estadual de Campinas, a economista
demonstrou que os argumentos utilizados até hoje não explicam a contento
a taxa de juros real, pois o Brasil apresenta um efeito permanente muito superior ao verificado em outras economias.
Entre 1996 e 2014, período da estabilização da moeda
nacional, a taxa de juros real média foi de 14,3%, quase o dobro da
média mundial de 7,7%. A origem da anomalia, sugere a pesquisadora, é
política e consiste no poder crescente dos rentistas,
instituições e indivíduos com ganhos gerados pela condição de
proprietários de ativos para assegurar uma política monetária favorável
aos seus interesses.
nacional, a taxa de juros real média foi de 14,3%, quase o dobro da
média mundial de 7,7%. A origem da anomalia, sugere a pesquisadora, é
política e consiste no poder crescente dos rentistas,
instituições e indivíduos com ganhos gerados pela condição de
proprietários de ativos para assegurar uma política monetária favorável
aos seus interesses.
“A minha análise incluiu a queda da taxa real durante o governo Dilma e
a criação de uma oposição política que agregou os setores beneficiários
dos juros altos, integrados essencialmente por rentistas,
industrialistas que ganham com a financeirização e a classe trabalhadora
qualificada, que possui investimentos em fundos de pensão. A aliança
pressionou politicamente o governo pelo aumento da taxa e obteve seu
maior sucesso com a substituição de Guido Mantega por Joaquim Levy no Ministério da Fazenda”, descreveu a pesquisadora a CartaCapital.
a criação de uma oposição política que agregou os setores beneficiários
dos juros altos, integrados essencialmente por rentistas,
industrialistas que ganham com a financeirização e a classe trabalhadora
qualificada, que possui investimentos em fundos de pensão. A aliança
pressionou politicamente o governo pelo aumento da taxa e obteve seu
maior sucesso com a substituição de Guido Mantega por Joaquim Levy no Ministério da Fazenda”, descreveu a pesquisadora a CartaCapital.
A financeirização é a crescente
dependência das empresas em relação às aplicações no mercado financeiro,
alternativa à queda sistemática do retorno do investimento na sua
atividade principal.
dependência das empresas em relação às aplicações no mercado financeiro,
alternativa à queda sistemática do retorno do investimento na sua
atividade principal.
O resultado da financeirização, segundo vários autores, é a
fusão crescente de interesses entre rentistas convencionais e
capitalistas, com a ampliação do apoio às políticas de governo
responsáveis pela manutenção dos juros elevados.
fusão crescente de interesses entre rentistas convencionais e
capitalistas, com a ampliação do apoio às políticas de governo
responsáveis pela manutenção dos juros elevados.
Quando um país adota o regime de metas de inflação, diz a
economista, é possível argumentar que o seu banco central precisa
responder à aceleração dos preços com o aumento do juro para
derrubá-los. “O Brasil não tem, no entanto, uma inflação muito mais alta
que a de outras economias similares sob regime de metas.”
economista, é possível argumentar que o seu banco central precisa
responder à aceleração dos preços com o aumento do juro para
derrubá-los. “O Brasil não tem, no entanto, uma inflação muito mais alta
que a de outras economias similares sob regime de metas.”
O grupo analisado inclui Chile, Colômbia, Indonésia,
México, Peru, Filipinas, Polônia, Tailândia, Turquia e África do Sul.
Entre 1996 e 2014, o Brasil foi o único com “generosa taxa de juros
acima de inflação no período todo, com o maior valor, de 24,68%, em
1998”. A taxa real mais baixa, de 0,54%, foi registrada em 2012, quando o
governo reduziu a taxa nominal para 7,25%. A compressão dos juros reais
para quase zero foi acompanhada por uma expansão significativa da massa
salarial, centro da oposição entre interesses de classe subjacentes às políticas monetárias.
México, Peru, Filipinas, Polônia, Tailândia, Turquia e África do Sul.
Entre 1996 e 2014, o Brasil foi o único com “generosa taxa de juros
acima de inflação no período todo, com o maior valor, de 24,68%, em
1998”. A taxa real mais baixa, de 0,54%, foi registrada em 2012, quando o
governo reduziu a taxa nominal para 7,25%. A compressão dos juros reais
para quase zero foi acompanhada por uma expansão significativa da massa
salarial, centro da oposição entre interesses de classe subjacentes às políticas monetárias.
Tanto a ortodoxia quanto a heterodoxia
têm explicações para os elevados juros reais do País, mas não elucidam a
diferença gritante na comparação com aquelas de outras economias em
situação semelhante ou até pior, destaca a pesquisadora. Essa
constatação levou-a a medir as causas da taxa real por meio de análises
empírica e econométrica.
têm explicações para os elevados juros reais do País, mas não elucidam a
diferença gritante na comparação com aquelas de outras economias em
situação semelhante ou até pior, destaca a pesquisadora. Essa
constatação levou-a a medir as causas da taxa real por meio de análises
empírica e econométrica.
“Um aspecto importante não levado em
conta é que a classe rentista no Brasil tem um poder de barganha mais
forte que nos demais países, e essa é a principal razão para a
discrepância dos juros em relação a outras economias em desenvolvimento
sob o mesmo regime monetário.”
conta é que a classe rentista no Brasil tem um poder de barganha mais
forte que nos demais países, e essa é a principal razão para a
discrepância dos juros em relação a outras economias em desenvolvimento
sob o mesmo regime monetário.”
A teoria do domínio da economia pelo rentismo é discutida por vários autores, no País e no exterior. “A hipótese da dissertação é de que as elites brasileiras agem politicamente para
manter os juros reais em um patamar elevado de maneira a garantir seus
lucros no topo”, destaca o economista Bruno Martarello De Conti, da
Unicamp, orientador de Thereza Reis.
manter os juros reais em um patamar elevado de maneira a garantir seus
lucros no topo”, destaca o economista Bruno Martarello De Conti, da
Unicamp, orientador de Thereza Reis.
“A análise da economia política
brasileira mostra que a financeirização da economia levou rentistas,
industrialistas, as classes trabalhadora, média e alta com investimentos
financeiros a assumir uma postura ambígua em relação à redução da taxa
real sustentada pelo Banco Central durante os anos de 2012 e 2013 sob a
‘nova matriz econômica’ do governo Dilma Rousseff.”
brasileira mostra que a financeirização da economia levou rentistas,
industrialistas, as classes trabalhadora, média e alta com investimentos
financeiros a assumir uma postura ambígua em relação à redução da taxa
real sustentada pelo Banco Central durante os anos de 2012 e 2013 sob a
‘nova matriz econômica’ do governo Dilma Rousseff.”
A diretriz foi, no início, apoiada por
industriais e sindicalistas reunidos no movimento por um Brasil com
baixas taxas de juros: mais empregos e mais produção, de curta
existência. Segundo o cientista político André Singer, a convergência
seria um dos principais motivos para a formação de uma oposição às novas
medidas econômicas, apesar de necessárias para aumentar o investimento, impulsionar o crescimento do PIB e o nível geral de emprego.
industriais e sindicalistas reunidos no movimento por um Brasil com
baixas taxas de juros: mais empregos e mais produção, de curta
existência. Segundo o cientista político André Singer, a convergência
seria um dos principais motivos para a formação de uma oposição às novas
medidas econômicas, apesar de necessárias para aumentar o investimento, impulsionar o crescimento do PIB e o nível geral de emprego.
O Brasil é refém da influência do rentismo na determinação
da taxa de juros, mas a situação não é imutável. “Elites como a da
agricultura exportadora são contrárias a essa política por causa da
valorização cambial que resulta da entrada de capitais e aos altos
pagamentos que devem ser feitos pelos empréstimos realizados”, destaca a
autora. O encaminhamento adotado pelo governo em 2012,
de reduzir o juro real para diminuir o poder daqueles que vivem da
renda de aplicações, tem pontos em comum com a situação definida na
literatura econômica como “eutanásia dos rentistas”.
da taxa de juros, mas a situação não é imutável. “Elites como a da
agricultura exportadora são contrárias a essa política por causa da
valorização cambial que resulta da entrada de capitais e aos altos
pagamentos que devem ser feitos pelos empréstimos realizados”, destaca a
autora. O encaminhamento adotado pelo governo em 2012,
de reduzir o juro real para diminuir o poder daqueles que vivem da
renda de aplicações, tem pontos em comum com a situação definida na
literatura econômica como “eutanásia dos rentistas”.
Defendida por John Maynard Keynes, em
1936, e Larry Randal Wray, da Universidade do Missouri, em 2007, entre
outros, supõe que juros reais iguais a zero ou negativos inviabilizariam o parasitismo financeiro e direcionariam o lucro para uso no capital produtivo.
1936, e Larry Randal Wray, da Universidade do Missouri, em 2007, entre
outros, supõe que juros reais iguais a zero ou negativos inviabilizariam o parasitismo financeiro e direcionariam o lucro para uso no capital produtivo.
“Assim, os baixos retornos aos aplicadores seriam eficazes
também em limitar o poder que eles têm sobre a política nacional”,
explica a pesquisadora. Para os economistas heterodoxos, “juros elevados
beneficiam os rentistas e prejudicam os trabalhadores e as indústrias”.
Aqueles promovem a adoção da política de metas de inflação “porque
visam inflação baixa para manter os preços dos seus ativos”.
também em limitar o poder que eles têm sobre a política nacional”,
explica a pesquisadora. Para os economistas heterodoxos, “juros elevados
beneficiam os rentistas e prejudicam os trabalhadores e as indústrias”.
Aqueles promovem a adoção da política de metas de inflação “porque
visam inflação baixa para manter os preços dos seus ativos”.
A crescente independência
dos bancos centrais em relação à maioria da sociedade possibilita aos
rentistas dominar a elaboração de políticas econômicas em detrimento da
indústria e do trabalho, argumentam os economistas Gerald Epstein, da
Universidade de Massachusetts, e Demophanes Papadatos, da Universidade
de Londres, mencionados na dissertação.
dos bancos centrais em relação à maioria da sociedade possibilita aos
rentistas dominar a elaboração de políticas econômicas em detrimento da
indústria e do trabalho, argumentam os economistas Gerald Epstein, da
Universidade de Massachusetts, e Demophanes Papadatos, da Universidade
de Londres, mencionados na dissertação.
A crise financeira de 2008 evidenciou,
nos países industrializados, a posição dos bancos centrais favorável
àquele grupo. Os BCs foram os principais condutores dos esforços dos
Estados para salvar as instituições financeiras por meio de operações de
mercado aberto e trocas de ativos tóxicos ou imprestáveis por títulos
públicos, com prejuízo, portanto, ao conjunto da sociedade.
nos países industrializados, a posição dos bancos centrais favorável
àquele grupo. Os BCs foram os principais condutores dos esforços dos
Estados para salvar as instituições financeiras por meio de operações de
mercado aberto e trocas de ativos tóxicos ou imprestáveis por títulos
públicos, com prejuízo, portanto, ao conjunto da sociedade.
O próprio regime de metas teria de ser
revisto, defende o economista Luiz Fernando de Paula, professor da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro. “As evidências de que regimes
com metas de inflação têm melhores resultados são inconclusivas.”
revisto, defende o economista Luiz Fernando de Paula, professor da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro. “As evidências de que regimes
com metas de inflação têm melhores resultados são inconclusivas.”
Além disso, o Brasil é um dos poucos países a adotá-lo no ano-calendário.
“Muitos deles usam metas de dois anos. Há certa rigidez aqui.” Segundo
alguns cálculos, o setor financeiro tem o dobro do tamanho necessário ao
País e recebeu no ano passado perto de 500 bilhões de reais de juros da
dívida pública, na posição de maior credor.
*Publicado originalmente na edição 918 de CartaCapital, com o título "Os colecionadores de moedas".
“Muitos deles usam metas de dois anos. Há certa rigidez aqui.” Segundo
alguns cálculos, o setor financeiro tem o dobro do tamanho necessário ao
País e recebeu no ano passado perto de 500 bilhões de reais de juros da
dívida pública, na posição de maior credor.
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