sábado, 17 de setembro de 2016

As meninas de Jô e a Escolinha do Professor Raimundo

As meninas de Jô e a Escolinha do Professor Raimundo



As meninas de Jô e a Escolinha do Professor Raimundo

Sempre fui tolerante com a opinião
contrária e admirador, quando bem embasada. A boa discussão é aquela em
que os dois lados saem com a opinião mudada, um pelos argumentos do
outro.
Mas, admito, o senso comum é um saco,
venha de onde for. Não tenho mais a menor paciência para discussões de
senso comum nem em mesa de bar, especialmente quando revestido da
arrogância dos que, sendo néscios, assumem o ar superior de quem viu a
verdade. É o que mais se tem hoje em dia.
Quando a pessoa tem renome em outra
área, tenho uma saída padrão, que utilizei outro dia com uma notável
violonista erudita que se imagina de direita, querendo discutir política
no bar do Alemão:
- Prezada, jamais ousaria discutir violão clássico com você.
Anos atrás me vali desse expediente
contra uma notável sambista, que se imaginava de esquerda, trocando o
violão erudito pelo pagode.
Na mídia, desde sempre, o que mais se
vê, se lê se ouve é o senso comum. Escrevi sobre isto no "Jornalismo dos
anos 90". Trouxeram para os jornais uma profusão de colunistas, no
mesmo período do advento do âncora de TV e rádio. Para competir - e para
não ter que ler muito - vários deles passaram a exprimir o senso comum.
O leitor estava indignado com algum episódio? Em vez de estudar,
analisar e explicar para o leitor, o sujeito preferia mostrar-se
solidário e indignar-se. Era um festival de indignação diário de
provocar engulhos no estômago.
A praga das opiniões vazias nas redes
sociais contaminou o que deveria ser o ambiente diferenciado das
redações. O que se vê, agora, é o cronista musical caçoando da
ex-presidente por não conseguir captar uma ironia simples com a palavra
"nuvem", referindo-se a armazenamento em nuvem. O sujeito que nada
entende de energia, mostra-se um técnico superior, ao caçoar do
"engarrafando o vento", uma expressão do setor para sistemas de
armazenamento da energia eólica. 
Afinal, se o leitor zurra, que ele também zurre para ser bem
compreendido. E fica isso, uma récua zurrando em uníssono, mostrando-se
sábios, superiores, porque eles sabem que é impossível engarrafar o
vento.


Mas, convenhamos, a análise do discurso do Lula por Jô Soares e as "meninas” transcendeu a visão mais pessimista sobre mídia.


Todas se debruçam sobre uma afirmação de Lula: "País rico é país sem
pobres". O âncora puxa o deboche, da mesma maneira que os animadores de
auditório em programas ao vivo. Estica a placa "riem e debochem da frase
país rico é país sem pobres". Batida a claquete, todas fazem um ar
inteligente e começam a caçoar, a rir, a rir exageradamente, a gargalhar
às escâncaras, com a sabedoria de um jumento (perdoem a comparação)
gargalhando ante um texto de Hegel, perdão, Engels - apud os bravos
procuradores do Ministério Público paulista, doutos e sábios ante a
vítima ignorante.


A frase de Lula está na base da discussão de todas as políticas de desenvolvimento da segunda metade do século 20.


1. A riqueza de um país sempre foi medida pelo PIB (Produto Interno Bruto).  Nessa lista, o Brasil é a 7a economia do mundo.


2. No entanto, pôde-se ter um PIB muito alto, e permanecer pobre. Uma
das métricas é o PIB per capita (a riqueza dividida pelo número de
habitantes). Nessa lista, o Brasil é a 70a economia do mundo. Atenção,
"meninas": captaram?


3. No entanto, o PIB per capita não registra a miséria corretamente
porque é uma média. Se houver poucos grupos muito ricos e muitos grupos
muito pobres, a média distorcerá a realidade. A maneira de medir a
distribuição de riqueza é através do Índice de Gini, uma metodologia
desenvolvida em 1912 pelo estatístico italiano Corrado Gini. É uma
métrica que vai de 0 a 1. Quanto mais perto de 1, maior é a
desigualdade, e vice-versa. Em 2008 o Índice de Gini do Brasil era de
0,544. Em 2014, de 0,49. No sul, é de 0,442; no Nordeste, de 0,501. Para
efeito de comparação, é maior que no México (0,479), que na China
(0,470), que nos Estados Unidos (0,45) e que na Noruega (0,25).


4. Mas o Índice de Gini não mede a
pobreza em sua forma ampla. Dai o desenvolvimento do IDH (Índice de
Desenvolvimento Humano), que mede um conjunto mais amplo de fatores,
incluindo acesso a serviços públicos. O Brasil ocupa a 75a colocação.
Entenderam porque é possível construir países ricos com muitos pobres?


Ainda não foi criado um índice de desinformação geral do jornalismo
pátrio. Ainda bem, porque seria capaz do país figurar na lanterna dos
países ao sul do Equador.


Deu vontade de dizer para as “meninas”:


- Não ouso discutir... não ouso discutir...


Infelizmente nenhuma especialidade me vem à cabeça.


Jornalismo? Não é o caso. Maquiagem? Seria de uma misoginia
indesculpável. Humor? Arrogância não combina com humor: no máximo, serve
de alvo.


Aliás, combina. A Escolinha do Professor Raimundo é o modelo na qual
se inspirou essa velha-nova escola de jornalismo, na qual jornalistas
aceitam se rebaixar à condição de jurados de programas de auditório






Untitled Project 2 from Eduardo Guimarães on Vimeo.

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