domingo, 4 de setembro de 2016

Teve cara de golpe, cheiro de golpe, penteado de golpe — mas há controvérsias.

Teve cara de golpe, cheiro de golpe, penteado de golpe — mas há controvérsias.



Teve cara de golpe, cheiro de golpe, penteado de golpe — mas há controvérsias.


Papai Noel

Luis Fernando Verissimo



Acabou não sendo nem uma questão política nem uma questão jurídica, mas
uma questão semântica. Afinal, o que o governo Dilma fez foi crime ou
não foi crime? Na interpretação da acusação, foi crime imputável
(horrível palavra) evidente. Para a defesa, não foi. Os argumentos dos
dois lados eram incisivos e coerentes. No fim, a escolha foi entre dois
tipos de histrionismos, já que era tudo teatro mesmo — e, no fim, não
fez a menor diferença, pois os 61 senadores que imputaram (desculpe) a
Dilma e os poucos que estavam a seu favor já tinham a cabeça feita. Foi
golpe ou não foi golpe? Outra questão semântica. Teve cara de golpe,
cheiro de golpe, penteado de golpe — mas há controvérsias.
Me preocupo muito com o Leigo, essa simpática figura de retórica que
nunca sabe nada de nada. O Leigo deve estar se perguntando como é que
advogados e economistas que se criaram no mesmo lugar, foram amamentados
da mesma maneira e estudaram nas mesmas escolas (fora alguns que
passaram por Harvard) chegam a conclusões tão diferentes, todas baseadas
nos mesmos números, nos mesmos fatos e na mesma Constituição? Como é —
deve estar pensando o Leigo — que a Dilma é imputada por práticas não
ortodoxas e proibidas, mas que não impediram outros presidentes de
praticá-las no passado, impunemente? Por que o Tribunal de Contas da
União acordou do seu sono profundo para examinar as contas da Dilma,
depois de ignorar as contas de todos os governos do Brasil desde as do
Getúlio Vargas? Inclusive as do Juscelino, pai do reinado das
empreiteiras? O pobre do Leigo cada vez entende menos.
E está aí o Temer. Jamais, em toda a história do país, se viu uma
carreira política tão fulminante. Tudo começou com a sua carta a Dilma
queixando-se de ser uma figura decorativa no governo, de não ser
convidado para nada e, quando era convidado, ter que entrar pela porta
de serviço. Todos nós que escrevíamos cartas para o Papai Noel sabíamos,
no fundo, que ele não nos traria a bicicleta ou o Forte Apache pedidos.
O Temer deve ter tido a mesma sensação de estar pedindo o impossível,
um pouco de importância e de atenção. Nunca poderia imaginar que
ganharia, de presente, um país inteiro

Nenhum comentário:

Postar um comentário