É hora de barrar o arbítrio
André SingerO juiz Sergio Moro colocou nesta quinta (22) a gota d'água no copo da
escalada de arbítrio em curso no país. Curiosamente, o fez ao liberar, por razões humanitárias, o ex-ministro Guido Mantega
depois de algumas horas na Polícia Federal de São Paulo, e não ao
mandá-lo para a prisão por cinco dias ou dez dias, como havia decidido
de início. Pois, se era possível soltá-lo, não havia necessidade de
prendê-lo, e a arbitrariedade da detenção ficou evidente.
Não sou eu quem o diz, mas o insuspeito de petismo Reinaldo Azevedo.
"Força-tarefa e juiz quiseram dar um recado: 'Mandamos soltar e prender
quando nos der na telha'", escreveu o colunista. O recado foi entendido.
A justificativa de Moro revelou-se tão frágil que, desta vez, ninguém
engoliu. "Considerando o fato de que as buscas nos endereços dos
investigados já se iniciaram (...) reputo, no momento, esvaziados os
riscos de interferência da colheita de provas", escreveu no despacho de
soltura. Em outras palavras, bastava determinar a busca e apreensão, não
precisava prender o investigado.
Cabe lembrar que, pela terceira vez, Moro apresenta explicações mal
ajambradas para decisões gravíssimas. Depois da também desnecessária
condução coercitiva de Lula, em 4 de março passado, emitiu nota
na qual "lamentava" que as diligências tivessem levado a confrontos,
"exatamente o que se pretendia evitar". Determinou a coerção para evitar
conflitos? Quem acredita?
Cinco dias mais tarde, Moro divulgou as famosas escutas telefônicas
entre o ex-presidente Lula e a então presidente Dilma Rousseff. Instado
pela AGU a se manifestar a respeito do assunto, o ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki afirmou que a divulgação das fitas
"comprometeu o direito fundamental à garantia de sigilo" e que era
"descabida a invocação de interesse público da divulgação" feita por
Moro. Em resposta, o juiz curitibano solicitou "escusas" ao STF e
explicou que não tivera intenção de causar "polêmicas". Dá para
acreditar?
Mas nesses episódios houve mobilização nas ruas para apoiar as atitudes
de Moro. O objetivo era sustentar o impeachment, cuja aceitação foi
aprovada pela Câmara um mês depois com base nas manifestações provocadas
pelas "inocentes" derrapadas do juiz. Os atropelos constitucionais
foram varridos para baixo do tapete.
Agora parece que Moro ultrapassou o limite do aceitável, mesmo para
corações liberais e conservadores. Por isso, espero que o episódio
Mantega represente um corte. A opinião pública viu a face do arbítrio.
Se ficar conivente com ele, prestará contas à história. Quando um
processo autoritário se explicita, todo mundo sabe como começa, mas
ninguém sabe como termina.
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