Xadrez da volta da comunidade de informações
sab, 10/09/2016 - 11:32
Atualizado em 10/09/2016 - 13:34
Não é surpresa que as duas notícias mais relevantes sobre as manifestações anti-Temer tenham sido de veículos fora do mainstream.
No dia 8 de setembro, o blog Ponte divulgou a presença de um agente
infiltrado nas redes de namoro Tinder e Facebook, com participação ativa
na prisão dos 26 manifestantes (http://ponte.org/?p=17404) mantidos em isolamento.
Sob o codinome de Balta, o agente infiltrou-se também em um grupo de
WhatsApp. Nas mensagens do grupo, a Ponte não encontrou nada que
sugerisse atos de violência. Coube a Balta sugerir o encontro no Centro
Cultural São Paulo. Lá, deu-se a batida da PM e a prisão. Enquanto os
detidos eram levados para uma viatura, Beta era isolado do grupo.
Entrevistado, o coronel Dimitrios Fyskatoris, comandante do Comando
de Policiamento da Capital (CPC), afirmou que a detenção do grupo
ocorreu por acaso.
No dia 9, El País identificou o agente infiltrado (https://is.gd/e7ZZoW). Tratava-se do capitão do Exército Willian Pina Botelho, da comunidade de inteligência.
Peça 1 – as duas pinças do aparelho repressor
Nesses tempos de informação online, confirma-se o que o Xadrez já vinha prevendo pelo menos desde 7 de maio.No "Xadrez do governo Temer e o fator militar" (https://is.gd/4nhJKW)
mostramos as duas pinças que estavam sendo montadas para devolver
protagonismo aos militares: a recriação do GSI, entregue ao general
Sérgio Etchegoyen, e a entrega do Ministério da Justiça a Alexandre
Moraes.
"Do lado de Temer, uma das maneiras de desviar o foco das
críticas seria a criação do inimigo interno. Nos últimos anos, uma certa
imprensa de ultradireita recriou versões tupininquins da Guerra Fria,
com pirações de toda ordem – como a invasão das FARCs, a aliança com as
forças bolivarianas. A tentativa de recriação da legitimidade política
das Forças Armadas passa por aí".
(…) A maneira dos militares voltarem para a política seria
através da recriação de uma estrutura militar de controle no governo
federal, mas diferente do extinto GSI (Gabinete de Segurança
Institucional da Presidência da República) e mais próximo do SNI
(Serviço Nacional de Informações) e da segurança presidencial".
Os movimentos do jogo estão aí:
Movimento 1 - a recriação da GSI, colocando embaixo
dela a Abin (Agência Brasileira de Inteligência e o Sisbin (Sistema
Brasileiro de Inteligência) com as comunidades de inteligência, com
vistas a envolver as Forças Armadas na repressão interna. A aprovação da
Lei Nacional de Inteligência (https://is.gd/n5mj1P) consolidou o novo modelo.
Movimento 2 - o carnaval em torno dos supostos
terroristas islâmicos, a fim de recriar o mito do inimigo externo e
justificar a entrada das Forças Armadas no jogo.
Movimento 3 - a coordenação da repressão às
manifestações pelas Polícias Militares. Há sinais de participação direta
do Ministro Alexandre de Moraes nesse jogo (https://is.gd/pIispG e https://is.gd/C4gsGj). Desde maio, aliás, Moraes já tentava recriar o clima pós-64 equiparando os protestos pró-Dilma a atos de guerrilha (https://is.gd/9lgLvC).
Peça 2 – a generalização do conceito de inimigo
A repressão de domingo traz um dado assustador.Os “inimigos” identificados eram jovens, adolescentes em sua maioria,
a maioria deles “socorristas” – preparadas para socorrer manifestantes
vítimas de gás lacrimogênio. Todos foram levados para a delegacia e
mantidos incomunicáveis por várias horas e ameaçados de enquadramento
como “organização criminosa”. Para sua sorte, o caso caiu com um juiz
legalista e corajoso que mandou solt;a-los.
A pesada e injustificada repressão aos manifestantes mereceu
cobertura das reportagens online – devido à óbvia dificuldade em
enquadrar os repórteres na hora. No dia seguinte, meras reportagens
burocráticas dos jornalões. Deu-se mais espaço a UM fotógrafo da UOL que
teria sido agredido por UM manifestante. E retomou-se o caso do
cinegrafista morto por um rojão de um black bloc em manifestação do Rio
de anos atrás. Escondeu-se a informação de que, no domingo, coube a
seguranças da CUT – e não à PM – conter os black blocs nas
manifestações.
Pior: a primeira prova de envolvimento das Forças Armadas na
repressão – o caso do capitão – foi ignorado pelos jornais. Chegou-se ao
cúmulo de tirar lições políticas positivas do “look” da primeira dama, e
ignorar-se a participação de um capitão da ativa na repressão.
Peça 3 – a radicalização da repressão
O vácuo político abriu espaço para as corporações de Estado.Os setores técnicos das Forças Armadas e os combatentes na ponta não
são chegados à política. O envolvimento das Forças Armadas está sendo
comandado pelo General Sérgio Etchegoyen e por setores da burocracia
brasiliense. As comunidades de inteligência voltam ao primeiro plano. Em
vez de se dedicarem à guerra cibernética, à segurança das pesquisas
brasileiras ou do pré-sal, sua missão será recriar a figura do inimigo.
No início, foi o carnaval em torno dos tais terroristas do Estado
islâmico. Depois, dos movimentos populares. Agora, chegaram aos filhos
da classe média paulistana. Entre a rapaziada que se organizou para as
manifestações poderiam estar filhos de procuradores “coxinhas”, de
juízes, de jornalistas, armados de gaze, vinagre e outros elementos para
socorrer pessoas sufocadas por gás ou pimenta.
Atravessaram muito rapidamente as fronteiras sociais. Imagine-se o
que não sucederá na base da pirâmide. Na divisão de trabalhos, caberá à
dobradinha GSI-PM a repressão a qualquer forma de protesto de rua. E aos
procuradores da Lava Jato a repressão continuada aos quadros
políticos.
Peça 4 – as forças anti-repressão
Aí se entra em um quadro complicado: institucionalmente, não há forças capazes de se contrapor a essa escalada do arbítrio.Mídia
– não se espere defesa de movimentos populares ou de pobres da
periferia: não são seu público. Os manifestantes de domingo, sim. A
indignação com a violência da PM transbordou dos canais
político-partidários. Era a oportunidade de expressarem a indignação,
até como maneira de legitimar suas campanhas pró-golpe. O fato de não se
manifestarem, ou se manifestarem timidamente, sobre os abusos da PM
paulista, e de esconderem a participação do capitão do Exército na
criminalização de um grupo de jovens, é significativo: jogaram a toalha.
De um lado, devido à pesada crise financeira por que passam. De outro,
pelo uso continuado do cachimbo da direita, que os deixou de boca torta.
Estão sendo tratados com cenoura e chicote. Na semana passada, a Folha
recebeu em almoço a nova diretoria da Caixa Econômica Federal. Ontem,
comandantes do Exército.
Judiciário – dependerá cada vez mais da ação
individual de juízes. À esta altura, nada se pode esperar do STF
(Supremo Tribunal Federal) ou dos tribunais superiores. Os bravos
Ministros do Supremo abriram mão de analisar a ilegalidade do golpe,
foram cedendo a cada passo, imaginando ser o último, pretendendo afastar
de si o cálice da resistência à atual onda de arbítrio, julgando que,
alcançados os objetivos de derrubar o governo, a repressão cessaria com
em um passe de mágica. A cada dia será mais caro o preço do silêncio. É
pungente assistir o Ministro Luís Roberto Barroso derramando diariamente
declarações repletas de boas intenções por todos os lados e todos os
temas... menos os essenciais. Quando Dilma caiu, suspirou fundo e
pensou: poderei voltar à minha doutrinação civilizatória, o discurso do
politicamente correto para os salões, sem ser incomodado. Prezado
Ministro, lamento decepcioná-lo, mas voces chocaram o ovo da serpente
Ministério Público Federal – No MPF há um conjunto
de bravos procuradores, alguns dos quais correram às delegacias no
domingo, em defesa dos meninos presos, ao contrário dos procuradores
estaduais. A própria PFDC (Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão)
manifestou-se bravamente em defesa do direito de manifestação. Mas no
topo do MPF, o Procurador Geral da República (PGR) Rodrigo Janot já
escolheu lado. E, no presidencialismo do MPF, é o PGR quem dá as cartas.
Nada se espere dele, a não ser o recrudescimento das ações contra
políticos adversários, cumprindo o dignificante trabalho de fuzilar
prisioneiros no campo de batalha e blindar os aliados.
A receita está dada: Etchegoyen montando a espionagem; Moraes
articulando a repressão às manifestações; Janot coordenando a repressão
política. E o sentimento democrático brotando em sucessivas
manifestações, tanto de manifestantes nas ruas, como de personalidades
em abaixo-assinados.
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