segunda-feira, 19 de setembro de 2016

- Celso Rocha de Barros

Dizer que esquema foi montado para perpetuar o PT no poder é ridículo - 19/09/2016 - Celso Rocha de Barros - Colunistas - Folha de S.Paulo




Tudo indica que Lula recebeu favores das empreiteiras, e as autoridades
estão cumprindo seu dever quando investigam a natureza desses favores.
Mas a história mais ampla sobre política brasileira que foi contada na
quarta-feira é muito ruim. Ela parece ser a base para a acusação de que
Lula era o "comandante supremo" da "propinocracia". Isso não vale.





Na visão do procurador Deltan Dallagnol, o PT montou um sistema de
distribuição de cargos e propinas que garantiu uma "governabilidade
corrompida", visando a "perpetuação criminosa" do PT no poder. No centro
do esquema estaria Lula: sem ele, nenhum dos envolvidos teria sido
nomeado para seus cargos. A roubalheira teve como fonte propinas
cobradas do cartel das empreiteiras.





Se Lula estivesse no centro do esquema, como argumentou o procurador,
poderíamos supor que sua presença nessa rede fosse fundamental para
manutenção. Talvez isso seja eventualmente demonstrado, mas os dados
disponíveis não o sugerem.





Tanto o cartel das empreiteiras quanto os aliados que venderam seu apoio
ao PT já estavam no ramo antes de 2003. O cartel financiou a campanha
de todos os partidos esses anos todos. Só o PT lhes ofereceu favores em
troca? Os fisiológicos apoiaram FHC por oito anos, deslocaram-se em
massa para o PT até recentemente e agora passaram todos para o lado de
Temer. Foi só durante a era petista que essa necessidade de proximidade
com a máquina pública foi motivada por interesses escusos?





É inteiramente legítimo responsabilizar o PT por ter participado disso,
mas dizer que o sistema foi montado para perpetuar o PT no poder é
ridículo. O sistema já estava ali e, aliás, nunca perpetuou ninguém no
poder, justamente porque se adapta facilmente a mudanças de presidente.





Mas o principal problema da explicação do procurador não é a injustiça
cometida contra o Partido dos Trabalhadores, que já tem culpas
suficientes sem essa. O problema é quem ganha com a historinha sobre a
propinocracia petista.





A alternância no poder representada pela eleição de Lula em 2002
fortaleceu os órgãos fiscalizadores. Nem tanto porque o governo do PT,
de fato, tomou algumas boas medidas nesse sentido. Muito mais porque
alternância, em si, favorece a autonomia dos fiscalizadores.





Os petistas jogaram o jogo enquanto o jogo dava um salto de qualidade e
se tornava mais transparente. Eventualmente, foram pegos. Seus
adversários só começaram a governar sob as novas regras, sob a luz mais
forte, recentemente. Estão brilhando?





Vender essa história de melhoria sistêmica como uma história de
degradação petista é, do ponto de vista da Procuradoria, chutar contra o
próprio gol. Se as denúncias sumirem após a queda do PT, os novos
governantes poderão dizer que isso é normal, pois a "grande organização
criminosa" já terá sido derrotada.





A Lava Jato é um esboço de um Brasil novo. O tipo de conversa que
ouvimos na última quarta-feira pode torná-la só um instrumento na
disputa política do Brasil antigo.





Seria uma pena. Esse é o pior momento possível para a esquerda e a Lava
Jato brigarem. Quando a direita tentar matar a operação, ainda vai poder
embrulhar o pacote como bipartidário, mesmo que, como é provável, só um
dos lados consiga salvar seus mandatos.

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