domingo, 17 de outubro de 2010

Adital - Eleição, aborto e a infantilização da religião

Adital - Eleição, aborto e a infantilização da religião: "Eleição, aborto e a infantilização da religião
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Jung Mo Sung *

Adital -
Por que bispos, padres e grupo religiosos que sempre defenderam a separação radical entre a religião e política, que sempre criticaram a discussão política no âmbito da Igreja ou até mesmo a relação 'fé e política', estão fazendo, até mesmo nas missas, campanha aberta contra Dilma?

Uma primeira resposta poderia ser: hipocrisia. Respostas moralistas podem satisfazer o 'juiz moralista' que todos nós carregamos no mais profundo do nosso ser, mas não são boas para nos ajudar a entender o que está acontecendo.

Esta campanha contra a candidatura da Dilma, e com isso o apoio explícito ou implícito à candidatura do Serra, está sendo feita de várias formas, mas com um elemento comum: os católicos e os 'crentes' não devem votar nela porque ela seria a favor do aborto e, por isso, contra a vida. Alguns agregam também a acusação de que, se ela for eleita, as TVs católicas e evangélicas seriam proibidas de veicular os programas religiosos ou obrigadas a diminuir o seu tempo de duração. É a velha acusação de que 'comunistas' são contra a religião.

Essas duas acusações são expressas e justificadas através de lógicas religiosas, e não a partir da 'racionalidade leiga' que deve caracterizar a discussão sobre a política hoje. Esses grupos não admitem a distinção entre a religião e a política, ou melhor, não admitem a 'autonomia relativa' do campo político e de outros campos -como o econômico- que se emanciparam da esfera religiosa no mundo moderno. Por isso, eram e são contra 'fé e política' ou o debate sobre a política no campo religioso, pois esses debates são feitos normalmente a partir do princípio da autonomia relativa da política. Isto é, a discussão sobre questões políticas são feitas com argumentos de racionalidade sócio-política e não submetidos ao discurso meramente religioso.

Para esses grupos (é preciso reconhecer que ocorre também em outros grupos político-religiosos), os valores religiosos (do seu grupo) devem ser aplicados diretamente a todos os campos da vida pessoal e social. E, em casos graves como aborto, ser impostos sobre toda a sociedade através das leis do Estado. Nesses casos, não seria misturar a religião com a política, mas seria a 'defesa' dos mandamentos e valores religiosos; ou colocar a política a serviço dos valores religiosos (nessa discussão apresentados como 'a serviço da vida'). Pois, nada estaria acima dos 'mandamentos de Deus'. Desta forma não se reconhece a autonomia relativa do campo político, a dificuldade de se passar do princípio ético abstrato (do tipo 'defenda a vida') para as políticas sociais concretas, e muito menos se aceita a pluralidade de religiões com valores diversos e propostas de ação divergentes e conflitantes.

Esta é a razão pela qual esses grupos não entendem e nem aceitam a resposta dada por Dilma de que ela, pessoalmente, é contra o aborto, mas que ela vai tratar esse tema como um problema de saúde pública. Para ouvidos daqueles que crêem que não há ou não deve haver separação entre a saúde pública (o campo da política social) e a opção religiosa pessoal do governante, a resposta da Dilma soa como eu não sou contra o aborto, que logo é traduzido na sua mente como 'eu sou a favor do aborto'.

E se ela é a favor do aborto, ela é contra a vida e, portanto, ela é do 'mal'. Enquanto que, por oposição, o outro candidato seria do 'bem'.

Reduzir toda a complexidade da 'defesa da vida' -a que um/a presidente deve estar comprometido/a- à manutenção da criminalização do aborto (que é o que está discutido de fato neste debate sobre ser a favor ou contra o aborto) é uma simplificação mais do que exagerada. Simplificação que deixa fora do debate, por ex., toda a discussão sobre políticas econômicas e sociais que afetam a vida e a morte de milhões de pessoas. Mas é compreensível quando os cristãos têm muita dificuldade em perceber quais são os caminhos concretos e possíveis para viver a sua fé na sociedade, perceber em que a sua fé pode fazer diferença na vida social. Diante de tanta complexidade, a tentação mais fácil é simplificar o máximo para separar 'os do bem' de 'os do mal'.

Essa simplificação me lembra a pergunta que os meus filhos, quando muito pequenos, me faziam ao assistir um filme: 'pai, ele é do bem?' Se sim, eles torciam por aquele que 'é do bem' contra o 'do mal'. Essa necessidade de separar os do bem e os do mal faz parte da condição mais primária do ser humano. O problema é que reduzir toda a complexidade da luta em favor da vida ao tema de ser favor ou contra a manutenção da criminalização do aborto é infantilizar a discussão política e, o que é pior, é infantilizar a própria religião que professa.

– Enviado usando a Barra de Ferramentas Google"

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