Folha Online - Blogs - Josias de Souza: "Serra e sua mulher devem à ‘platéia’ uma explicação
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Deve-se considerar a opção religiosa e a intimidade de alguém no momento da escolha de um chefe de Estado? Pensando melhor, adie-se a pergunta.
Comece-se de outro modo: o debate beato que tomou conta da cena eleitoral injetou em 2010 um quê de inquisição.
Serra viu na dubiedade de Dilma uma avenida de oportunidades. Chamou-a de “duas caras”.
Ontem incrédula, hoje cristã. Antes pró-descriminalização do aborto, agora contra.
Súbito, Monica Serra, a mulher do candidato tucano, mirou abaixo da linha da cintura.
Há um mês, num evento de campanha realizado na Baixada Fluminense, Monica disse que Dilma é a favor de “matar criancinhas”.
Veiculada pela ‘Agência Estado’, a frase de Monica não foi desmentida. Dilma esfregou a declaração na face de Serra.
Deu-se no debate de domingo passado. Serra poderia ter ecoado a mulher. Poderia também tê-la desdito. Preferiu o silêncio.
Mal comparando, o lero-lero da morte de “criancinhas” evocou 1989, o ano em que Collor trouxe para o centro da arena eleitoral Lurian.
Logo se descobriria que Collor escondia, ele próprio, um segredo. Patrocinou a acusação de que Lula propusera o aborto a uma antiga namorada...
...E recusava-se a reconhecer filho gerado fora do casamento. Collor negava-lhe o sobrenome da família.
Pois bem. Surge agora a informação de que a psicóloga Monica Serra também teria ceifado a vida de uma “criancinha”.
Em notícia levada às págins da Folha, a repórter Mônica Bergamo conta o seguinte:
1. A mulher de Serra ministrava, em 1992, um curso de dança na Unicamp. Ex-alunas de Mônica dizem ter ouvido dela a revelação de que fez um aborto.
2. Quando? Na época em que vivia com Serra no Chile. No dia seguinte ao debate de Dilma com Serra, uma das ex-alunas de Mônica foi ao Facebook.
3. Chama-se Sheila Canevacci Ribeiro. É bailarina. Tem 37 anos. Ficou abespinhada com o silêncio de Serra. Levou sua “indignação” ao sítio de relacionamento.
4. Escreveu que Serra, por “escorregadio”, desrespeitou 'tantas mulheres, começando pela sua própria mulher. Sim, Monica Serra já fez um aborto'.
5. Prosseguiu: 'Com todo respeito que devo a essa minha professora, gostaria de revelar publicamente que muitas de nossas aulas foram regadas a discussões sobre o seu aborto traumático'.
6. Perguntou: 'Devemos prender Monica Serra caso seu marido fosse [sic] eleito presidente?' A mensagem correu a web. A repórter da Folha foi ouvir Sheila. E ela confirmou “cem por cento” o teor de seu texto.
7. No primeiro turno, Sheila votou em Plínio de Arruda Sampaio. No segundo, votaria em Dilma. Mas estará no Líbano, onde fará uma performance.
8. Sheila é filha da socióloga Majô Ribeiro, ex-aluna de mestrado, na USP, de Eva Blay, suplente de Fernando Henrique Cardoso no Senado em 1993.
9. Militante feminista, Majô foi pesquisadora do Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero da USP, fundado por Ruth Cardoso (1930-2008).
10. Ouvida, Majô se disse 'preocupada' com a revelação da filha. Mas disse tê-la criado para 'ser uma mulher livre'. Acha que Sheila 'agiu como cidadã'.
11. A reportagem traz também declarações de uma colega de classe de Sheila nas aulas de dança da ex-professora Monica Serra.
12. Sob o compromisso do anonimato, a colega contou: Nas aulas da mulher de Serra, as alunas costumavam sentar-se em círculos.
13. Sob atmosfera de intimidade, Monica explicava como os traumas da vida alteram os movimentos do corpo e se refletem na vida cotidiana.
14. Era nesses momentos, segundo ela, que profressora e alunas compartilhavam suas experiências de vida. Nessas aulas, Monica teria falado sobre o aborto.
15. Segundo a ex-aluna, Monica disse que fez o aborto por causa da ditadura. Por quê? O futuro dela e do marido Serra era muito incerto. Grávida, sentiu-se em situação vulnerável.
16. Ouça-se agora mais um pouco de Sheila: 'Ela não confessou. Ela contou. Não sou uma pessoa denunciando coisas. Mas [ela é] uma pessoa pública, que fala em público que é contra o aborto, é errado. Ela tem uma responsabilidade ética'.
Retorne-se à pergunta inicial: Deve o eleitor considerar a opção religiosa e as vicissitudes íntimas de alguém no momento da escolha de um presidente da República?
Em condições normais, a resposta seria um sonoro “não”. Busca-se um presidente, não um santo. Porém...
Porém, ao servirem-se do discurso carola para desqualificar Dilma, Serra e Monica tornaram-se devedores de uma boa e consistente explicação.
Procurada por dois dias, a mulher de Serra não respondeu à reportagem. A assessoria de Monica alegou que ela viajara para o Chile e estaria ilocalizável. “Não há como responder”, informou-se, por e-mail. Pena.
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