domingo, 15 de setembro de 2013

A complexidade aplicada aos infringentes

A complexidade aplicada aos infringentes

A complexidade aplicada aos infringentes

Postado por Juremir em 15 de setembro de 2013 - Uncategorized
Edgar Morin gosta de citar Pascal. O grande pensador dizia que o contrário de uma verdade profunda pode não ser um erro, mas outra verdade profunda.
Mesmo quando se trata de polêmica rasa.
O ministro Celso de Mello poderá decidir soberanamente pela aceitação dos embargos infringentes ou pela sua rejeição. É do seu arbítrio e função.
Pode até fazer cara ou coroa.
Duas teses aparentemente legítimas e interessantes duelam a ferro e fogo em tempos de paixão por temas e termos inusuais: se ele tem o direito de recusá-los, sem ilegitimidade, por que não o fazer? Isso representaria no imaginário social uma opção contra a impunidade pela prorrogação, sabe-se lá por quanto tempo, do julgamento. Na dúvida, em favor da sociedade.
A tese oposta é mais sinuosa. Diz: ele pode fazê-lo, mas não tem esse direito porque isso reduziria as possibilidades de defesa dos réus.
Os embargos infringentes estão previstos no regimento interno do STF ((art. 333, inciso I, do RISTF [Regimento Interno do STF).
Não podem, portanto, ser considerados uma aberração.
A questão é saber se a lei 8.038/90 os eliminou.
Juristas divergem. O ex-presidente do STF, Carlos Velloso, garante que os embargos infringentes são cabíveis e que essa questão é fácil em direito.
Há, como se vê, uma confusão entre o poder de Celso de Mello de rejeitá-los em nome da mensagem moral e o dever, a ideia de que algo se impõe por existir na regra do jogo democrática. O que deve prevalecer?
Por que se pensa que a aceitação dos embargos é sinônimo de impunidade?
Ela não anulará as condenações nem impedirá que elas sejam confirmadas.
Novos ministros poderão entrar no STF? E daí? Todos serão suspeitos.
Nesse jogo, suspeito é todo aquele que contraria a convicção de cada um.
Os embargos infringentes têm uma lógica. Incidem sobre resultados sem unanimidade. Mais do que isso, sobre resultados apertados. Se entre 11 pessoas, cinco pensam que uma prova prova algo e seis pensam o contrário, o mínimo que se pode concluir é que há dúvida: na dúvida, em favor do réu.
Não deveriam existir embargos infringentes no STF?
A quem recorrer em caso desse tipo de dúvida. Se poderia, por hipótese, dizer que os políticos, defensores do foro privilegiado, não deveriam mesmo ter direito a uma segunda chance. Afinal, não eliminam esse aberração.
E os outros? Os que não tinham foro privilegiado e foram julgados pelo STF? Esses perderam o duplo grau de jurisdição sem qualquer justificativa aceitável.
O prazo para embargos infringentes, segundo o advogado criminalista Ricardo Cunha Martins, nem abriu ainda. Só começará depois da publicação dos acórdãos dos embargos declaratórios. O STF resolveu se pronunciar sobre isso em questão em função de duas demandas antecipadas, de Delúbio Soares e Cristiano Paz. Nenhum parlamentar com direito a foro privilegiado.
Se forem aceitos, mais nove  réus se manifestarão.
A polêmica alcança todo o seu sentido.
O que é mais importante: uma satisfação imediata à sociedade ou a garantia dos direitos individuais previstos em lei ou passíveis de reclamação por causa de normas legais obscuras? Há, porém, outro ponto de vista. Se o STF chama para si um julgamento, tirando do jogo os tribunais inferiores, é necessário que exista algum tipo de critério para recurso. Afinal, os ministros não possuem a infabilidade papal. Nem o Papa. A hipótese contrária, contudo, não é absurda. Ela se baseia num lance argumentativo pragmático: se o ministro pode optar pela recusa e isso será visto como positivo pela sociedade, por que não? A resposta de quem pensa o contrário retorna: porque é preciso fazer aquilo que está na lei e que obedece a uma racionalidade processual.
A complexidade tem seus desvãos: quem quer a recusa em nome da luta contra a impunidade pode estar escondendo uma postura ideológica: o desejo de ver o petismo, odiado por muitos, na cadeia. Quem quer a aceitação pode pecar pelo mesmo defeito: estar defendendo os mensaleiros por amor ao PT.
O pensador complexo pergunta: não é possível decidir racionalmente?
Como decidir se a lei 8.038/90 extinguiu ou não os infringentes?
Ela não os cita.
O argumento da ministra Carmen Lúcia de que se estabeleceria um paradoxo ou um desequilíbrio, pois  o STJ não os tem, parece claudicar logicamente. Existe o STF. Nessa perspectiva, poderia se defender que embargos infringentes só têm lógica no STF para casos que não passaram por tribunais inferior. Podemos até chegar a uma estranha conclusão: a lei 8.038 ter eliminado os infringentes embora haja uma lógica na existência deles. Sem contar que a Corte Interamericana consagra o duplo grau de jurisdição como inviolável. E, no caso, é isso que eles significarão como disse o próximo Celso de Mello a advogados no começo do julgamento do mensalão. O STF não pode ser ao mesmo tribunal inferior e última instância. Se chama para si um caso, precisa garantir mecanismos de revisão, ainda que por seu colegiado, de suas decisões. Deveria adotar o mesmo procedimento para todos. Não o fez.
Nem todo recurso é aceitável. Existem critérios para isso.
O estranho é ser julgado por um tribunal sem possibilidade de recurso.
O que desacreditará mais o STF? Aceitar ou recusar os embargos?
Midiática e socialmente, aceitar.
Juridicamente, recusar.
Reportagem de O Globo fecha a questão. Foi um gaúcho, o deputado Jarbas Lima, quem garantiu, em 1998, a permanência dos embargos infringentes:
“O debate foi suscitado pela chegada do texto do presidente Fernando Henrique Cardoso que propunha a extinção dos embargos. Em seu artigo 7º, a mensagem presidencial acrescentava um novo artigo à lei 8.038, de 1990. O texto sugerido pelo governo era claro: ‘Art 43. Não cabem embargos infringentes contra decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal’. No entanto, ao longo da tramitação da mensagem na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, o então deputado Jarbas Lima, hoje professor de direito constitucional da PUC do Rio Grande do Sul, apresentou um voto em separado pedindo a supressão do trecho que previa o fim dos embargos. E argumentou:
— A possibilidade de embargos infringentes contra decisão não unânime do plenário do STF constitui importante canal para a reafirmação ou modificação do entendimento sobre temas constitucionais, além dos demais para os quais esse recurso é previsto. Perceba-se que, de acordo com o Regimento Interno da Suprema Corte (artigo 333, par. único), são necessários no mínimo quatro votos divergentes para viabilizar os embargos — explicita o voto do deputado.
Lima ainda defende a necessidade de manutenção dos embargos justamente pelo fato que hoje tanto anima os condenados do mensalão: a possibilidade de uma nova composição do tribunal levar à revisão de condenações:
— Se a controvérsia estabelecida tem tamanho vulto, é relevante que se oportunize novo julgamento para a rediscussão do tema e a fixação de um entendimento definitivo, que depois dificilmente chegará a ser revisto. Eventual alteração na composição do Supremo Tribunal no interregno poderá influir no afinal verificado, que também poderá ser modificado por argumentos ainda não considerados ou até por circunstâncias conjunturais relevantes que se tenham feito sentir entre os dois momentos. Não se afigura oportuno fechar a última porta para o debate judiciário de assuntos da mais alta relevância para a vida nacional — diz.
Apesar de o deputado Djalma de Almeida Cesar, que era o relator da matéria, ter defendido em seu primeiro voto a extinção dos embargos, conforme proposto por FHC, ele muda de posição ao longo da discussão e, no voto final, que acaba se transformando em lei, recebe a sugestão de Jarbas Lima e suprime o trecho que punha fim aos embargos.”
O resto é desejo e ideologia.

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