'Já estamos todos condenados', diz João Paulo Cunha
Deputado afirma estar 'na berlinda' desde 2005 e desafia Barbosa a deixá-lo responder 'pessoalmente' a acusações do mensalão
Vera Rosa - O Estado de S.Paulo
Condenado a 9 anos e 4 meses de prisão por lavagem de dinheiro, corrupção passiva e peculato, o deputado e ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) foi um dos poucos réus que não comemoraram a decisão do Supremo Tribunal Federal de julgar novamente parte dos crimes do mensalão. "Nós estamos na berlinda desde 2005. Então, já estamos todos condenados."
Sem esconder o ceticismo, João Paulo passa os dias entre o curso de Direito - um dos sócios da faculdade é o ministro do STF Gilmar Mendes - e rápidas aparições pela Câmara. Em outubro, vai divulgar uma cartilha de 50 páginas, intitulada A Verdade, nada mais que a verdade, na qual exibe notas fiscais e recibos anexados ao processo.
Nesta entrevista ao Estado, o deputado desafia o presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, a deixá-lo responder pessoalmente às acusações do mensalão. "Se ele quer disputar a opinião pública, que entre num partido e dispute eleição. Ele não pode ficar, da cadeira de presidente do Supremo, falando bobagem", afirma.
João Paulo diz não temer a prisão e planeja dar aulas. Se tiver a pena reduzida pelos embargos infringentes, pretende trabalhar no Grêmio Esportivo Osasco, cidade onde mora. "Se eu puder aparar grama, pintar arquibancada e arrumar o campo, vou ficar feliz."
O que o senhor vai alegar no recurso ao STF para se livrar da pena por lavagem de dinheiro?
A peça apresentada pelo ministro Joaquim Barbosa é digna de um roteiro literário. No caso da lavagem de dinheiro, a minha mulher foi ao banco, entregou a identidade, tirou xerox, assinou, pegou o dinheiro, pagou o instituto de pesquisa, recebeu a nota fiscal. Então, onde tem lavagem? Lavagem significa alguma coisa suja. Esse dinheiro não era sujo.
A acusação afirma que era dinheiro público...
Não era. Era dinheiro do PT. É outro absurdo. O ministro Joaquim Barbosa também me acusa de ter desviado R$ 1 milhão e, por isso, pago pelo crime de peculato. Entretanto, esse recurso, na casa de R$ 1 milhão, corresponde à comissão que a agência SMP&B ganhou dos veículos de comunicação, em 2004, por anúncios apresentados. Então, qual é o desvio? Era uma previsão contratual, legal. Eu não tenho nada a ver com o peixe e vou pagar?
A indicação do ministro Luiz Fux como relator dos embargos atrapalha, já que até agora ele só votou pela condenação?
Nós só esperamos que o ministro Luiz Fux dê um pouco mais de atenção para aquilo que vamos apresentar. Você pode escrever: a história vai buscar o acerto de contas com o Supremo Tribunal Federal.
Como assim?
Esse julgamento entrará para a lista de mais um erro do Judiciário. Joaquim Barbosa faz o papel do tenente Vieira no caso dos irmãos Naves. Guarda semelhança porque a população de Araguari (MG) queria o linchamento e a prisão dos irmãos, a polícia acusava (tenente Vieira era o delegado), o juiz foi conivente. Ao final, concluíram que os dois irmãos eram inocentes. O processo do mensalão vai ser semelhante.
O senhor teme ser preso ou tem certeza de que isso não vai ocorrer?
Eu não temo. Nós estamos na berlinda desde 2005. Então, já estamos todos condenados. Sofremos o que não desejamos para ninguém.
O senhor está descrente em relação à revisão de sua pena?
Independentemente da revisão, teremos mais espaço para falar. O Supremo é uma casa que exige recato. Por que nos Estados Unidos, uma democracia de 200 anos, não há TV Justiça? Se o ministro Joaquim Barbosa quer disputar a opinião pública, que vá para Minas ou entre num partido aqui em Brasília e dispute eleição.
O senhor acha que ele quer ser candidato? O prazo para se filiar termina em 5 de outubro...
Para mim não importa se ele vai ser ou não vai ser. Mas ele não pode ficar, da cadeira de presidente do Supremo, falando bobagem, sem dar direito ao réu de ir se defender lá. Eu estou pronto para qualquer dia ir lá no Supremo e pedir para ele deixar eu falar lá da tribuna dele, para responder ao que ele fala no microfone, não nos autos. Justiça tem dois pratos. A balança do ministro Joaquim Barbosa tem um prato só, o da condenação. Então, ele não é juiz. Ele é promotor.
O Supremo age com dois pesos e duas medidas ao não se debruçar sobre o mensalão mineiro, atribuído ao PSDB?
A mim não interessam essas comparações. Esse clima de "Fla-Flu" não ajuda o País. As relações ficam irracionais.
Se a sua condenação for mantida, renunciará ao mandato?
Não vou renunciar. Eu pretendo levar o meu mandato até o último dia. E vou levá-lo.
O senhor confia que não será cassado pela Câmara?
Confio. Os companheiros da Câmara, principalmente os que foram deputados quando fui presidente, me conhecem. Sabem que os contratos da Câmara estão na internet porque eu coloquei. Não vou mentir, não vou enganar ninguém.
É favorável ao voto aberto no Congresso?
Nas grandes democracias, o voto é sempre fechado. Onde você tem o voto aberto? Nas ditaduras. Sou favorável ao voto secreto, mas chega um momento em que o Congresso fica tão acuado que não há alternativa.
Integrantes do governo avaliam que a reabertura do julgamento pode provocar desgaste na campanha da presidente Dilma Rousseff à reeleição...
O que vai fazer a presidenta ganhar não é o mensalão voltar ou não ao centro da conjuntura. Já tivemos quatro eleições - 2006, 2008, 2010, 2012 - em que o mensalão foi usado e não deu certo. Não dará certo novamente em 2014. Pela primeira vez o PT terá candidatos fortes em São Paulo, no Rio e em Minas, com chances de ganhar. Ao contrário do que nossos adversários pensam, o gás do PT não está acabando.
O que o senhor tem feito ultimamente, além de juntar documentos para se defender? Continua o curso na faculdade de Direito?
Voltei a estudar e estou terminando o quarto ano de Direito. Se Deus quiser, vou terminar. Muita gente fala que, pela primeira vez, um poderoso vai ser condenado. Eu, poderoso? Moro na periferia de Osasco há 23 anos, vou terminar meu mandato, não tenho uma aposentadoria, não tenho uma fonte de renda, não tenho empresa. Que poderoso eu sou?
Se o senhor for preso, como pretende sobreviver?
Vou ter que trabalhar, ué. Estou estudando e pretendo dar aula. Sempre trabalhei, não tenho medo do trabalho. Na minha vida nunca as coisas foram fáceis. Eu trabalho desde criancinha. Com 11 anos eu pegava trem com a minha mãe, que era empregada doméstica.
O ex-ministro José Dirceu disse que, na cadeia, gostaria de cozinhar, lavar roupa. E o senhor, o que faria?
Se eu ficar em regime fechado, vou pedir para trabalhar na prisão. Não vou ficar parado. Vamos ver o que eles oferecem lá, mas, hoje em dia, com avanço tecnológico, tem muita coisa que você pode fazer. E depois vamos entrar com revisão criminal, recorrer à Corte americana, aos órgãos internacionais, fazer uma denúncia política do julgamento. Vamos ao Congresso americano, ao Parlamento europeu, à ONU...
A ideia é fazer uma articulação conjunta com José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares?
Eu acredito que iremos em conjunto. Nós somos parceiros do infortúnio.
Um amigo seu disse que o senhor quer trabalhar no Grêmio Esportivo Osasco, se ficar no regime semiaberto. É isso mesmo?
Eu tenho duas paixões: o Grêmio Osasco e o São Paulo Futebol Clube. Quero ajudar o Grêmio a se estabelecer na primeira divisão do futebol paulista. Se eu puder aparar grama, pintar arquibancada, arrumar o campo, vou ficar feliz.
Muitos dizem que a reabertura do julgamento do mensalão deixa uma sensação de impunidade, de que tudo acaba em pizza...
É um absurdo. Fomos os que mais lutamos para acabar com a impunidade. Agora, por exemplo, há 2 mil acórdãos para serem publicados no Supremo. O ministro Joaquim Barbosa se finge de morto. Esse processo é um erro do Judiciário. Outros exemplos de injustiça, além do caso dos irmãos Naves, foram Sacco e Vanzetti, nos EUA, e Dreyfus, na França. Os tribunais de Roma também não respeitaram o devido processo legal para condenar Jesus Cristo, há 2 mil anos. Ouviram a opinião pública, que mandou crucificar Jesus.
O senhor está se comparando a Jesus Cristo?
Absolutamente. Estou falando sobre erro do Judiciário e sobre injustiças motivadas a partir da opinião da multidão.
Qual é seu livro de cabeceira?
Estou terminando de ler O Último Dia de um Condenado, do Victor Hugo. É muito bom. Pretendo enviá-lo ao ministro Joaquim Barbosa, com o filme sobre o caso dos irmãos Naves.
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