domingo, 1 de setembro de 2013

À espera de um médico caribenho - Vida e Cidadania - Gazeta do Povo

À espera de um médico caribenho - Vida e Cidadania - Gazeta do Povo
Tunas do Paraná, distante 70 quilômetros ao norte de Curitiba, não tem um médico contratado diretamente pelo município desde 2009. E nos quatro anos anteriores, o único a constar da folha de pagamento ocupava o cargo de prefeito. Habilitado ao programa Mais Médicos, do governo federal, o município não despertou o interesse dos profissionais brasileiros, e agora anseia pela chegada de um dos médicos vindos de Cuba. Tunas foi relacionada em uma lista prioritária junto a outros 700 municípios brasileiros, sendo mais quatro paranaenses. O governo cubano prevê o envio de 4 mil médicos daquele país.
Rotina itinerante
“Estamos fazendo o que está ao nosso alcance”, diz médico de Tunas
Grandes deslocamentos têm sido comuns na carreira do médico Giuseppe Sequenzia, de 25 anos. No início da residência, ele trocou Brasília por Curitiba à procura de melhores oportunidades de trabalho. Hoje trabalha em quatro hospitais: uma instituição privada na capital, duas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) em Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba, e no hospital de Tunas do Paraná, a 70 quilômetros de sua nova casa.
Enquanto tratava um trabalhador rural com ferimento na perna, ele justificou a opção pelo atendimento em Tunas citando a relativa tranquilidade e o clima bom do hospital. Sobre a polêmica envolvendo a classe médica e o governo, sua opinião é parecida com a dos colegas. “Estamos fazendo o que está ao nosso alcance. Para se fixar no interior, é necessário um plano de carreira. Hoje o profissional ganha por hora e, por isso, trabalha em vários lugares.”
Tocantins tem bons exemplos da atuação de estrangeiros
Com a polêmica envolvendo a contratação de médicos cubanos para atender os 701 municípios que não interessaram aos profissionais brasileiros, o Tocantins, que em 1998 recebeu pelo menos 59 médicos vindos da ilha, tem exemplos bem-sucedidos da atuação dos estrangeiros no país. Mesmo com a barreira da língua, um ponto foi positivo: o trabalho de prevenção de doenças realizado pelos médicos cubanos em cidades que sofrem com falta de médicos.
O projeto também reduziu a alta rotatividade de profissionais, uma ferramenta importante para melhorar os índices de saúde do país, avalia o secretário municipal de Saúde de Maurilândia do Tocantins, João Costa. O município, que está entre os que foram deixados de lado pelos profissionais brasileiros, tem pouco mais de 3 mil habitantes e fica a cerca de 560 quilômetros ao norte de Palmas. Em Maurilândia, há apenas um médico trabalhando e um posto de saúde.
“O melhor momento para nossa população foi aquele com o médico cubano, ele ajudou a solucionar toda a demanda do município. Por mais de três anos, ele solucionou, in loco, mais de 85% dos casos da nossa unidade de saúde. Menos de 15% dos pacientes tinham de ser encaminhados ao Hospital Regional de Augustinópolis (o mais próximo da cidade, a 80 quilômetros). Hoje, continuamos tendo só um médico, mas temos dificuldade pela carga horária alta. Em oito meses, estamos trocando de médico pela quinta vez”, conta.
Salário
A cidade de Maurilândia, que só comporta um médico na única unidade de saúde do município, pediu um profissional ao programa Mais Médicos, do Ministério da Saúde. Na primeira chamada, não houve brasileiros interessados. Costa disse que o problema não é salário baixo, pois nunca pagou menos de R$ 14 mil líquidos aos profissionais dispostos a trabalhar no município. Ele aguarda a divulgação do destino dos médicos cubanos.
“Nunca paguei menos de R$ 14 mil, e com muita adulação. A médica atual, recém-formada no Paraná, veio para ficar um mês e está indo embora. Esperamos que, com o Mais Médicos, a gente preencha a vaga. Não houve candidato na primeira chamada, e não sabemos se virá alguém.”
Giuseppe cumpre quatro expedientes: “Ganhamos por hora e, por isso, trabalhamos em vários lugares.
O atendimento clínico para os 6 mil habitantes de Tunas do Paraná é feito por profissionais terceirizados junto a uma empresa de Curitiba. Todos os dias, os médicos se alternam em turnos, retornando à capital após cada plantão. “Não temos médico morando na cidade. Ninguém quer ficar por menos de R$ 20 mil por mês, mas não podemos pagar além do salário do prefeito, que é de R$ 14 mil”, relata o secretário municipal de Administração, Marco Antônio Baldão.
Ao chegar, o médico cubano deve atuar em postos de saúde localizados em comunidades rurais isoladas, algumas delas acessíveis após 40 quilômetros em estrada de terra. Os encargos dos estrangeiros serão pagos pela União. Em contrapartida, as prefeituras precisam fornecer hospedagem e alimentação ao visitante – gasto quase simbólico para uma cidade que empenha 25% do orçamento em saúde e se propõe, sem sucesso, a pagar a médicos um salário superior ao seu PIB per capita anual.
Hospital ocioso
Se precisar de um cômodo vazio, o médico cubano terá à disposição mais de uma dezena de salas no próprio Hospital Central de Tunas do Paraná. Dois terços da construção de 2 mil metros quadrados estão ociosos. O hospital foi construído pelo governo federal na metade dos anos 90, a partir de uma emenda individual do então deputado federal Max Rosenmann, falecido em 2008. O projeto veio com dois problemas fundamentais: é grande demais e inviável economicamente. Por questões sanitárias, não pode ser usado para outra função. Resta o contraditório luxo de ter uma enfermaria de 150 m² usada hoje só para secar lençóis.
Os equipamentos disponíveis se resumem a um aparelho de raio X, uma incubadora e uma sala de emergência. “Temos, na verdade, um grande posto de saúde. Poderia ser um hospital regional para as cidade do Vale do Ribeira, mas só se o governo estadual ou federal administrasse. Não temos condições de tocar sozinhos”, diz Baldão. “A gente vê pessoas no corredor no Nordeste, e aqui um monte de salas vazias. É tudo errado...”, lamenta.
Vinda de profissionais gera expectativa
Nas outras quatro cidades paranaenses da lista prioritária do governo federal, a expectativa pela chegada dos médicos estrangeiros também é alta. Itambé (Região Noroeste), Jataizinho (Norte), Lapa e Mandirituba (ambas na Região Metropolitana de Curitiba) estão na seleção, maciçamente formada por cidades do Norte e Nordeste do Brasil (84%). A previsão é que os médicos comecem a trabalhar a partir da segunda semana de setembro.
Na Lapa, a intenção é que o médico atue em comunidades rurais, semelhante ao que deve ocorrer em Tunas do Paraná. “Quando chegar, o clínico será inteirado sobre a realidade do município e quais são as principais doenças”, antecipa Ligia Cardieri, secretária municipal de Saúde. A cidade tem 19 mil habitantes rurais e 18 pequenos postos de saúde. Foram requisitados dois médicos do programa, mas ainda não há qualquer confirmação do governo federal.
Em Itambé, os médicos costumam vir da cidade-polo Maringá. “Até abrimos concurso, mas os aprovados não chegam a assumir o cargo”, conta a diretora do Departamento de Saúde, Sandra Hozumi Komagomi. “Se vier, o médico estrangeiro vai reforçar a atenção básica de saúde.”
A prefeitura de Jataizinho solicitou quatro médicos ao programa, que deverão reforçar o programa Saúde da Família e o atendimento nos postos. “Nossa defasagem de profissionais aumenta a cada ano. Por R$ 5 mil, que é o quanto podemos pagar, não aparece ninguém”, lamenta Ricardo Alexandre Corsino, diretor municipal de Saúde.

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