Lei de terrorismo é ameaça contra movimentos e manifestações
O Congresso Nacional está apreciando uma lei que torna crime o terrorismo, mas que pode se voltar contra a própria democracia.
A criação do tipo do terrorismo nunca foi uma prioridade entre nós, porque jamais passou de uma ansiedade importada de outros países.
Mas vira e mexe pululam propostas para criar o crime, quase todas com redações exageradamente amplas que permitem, ou na verdade procuram, criminalizar os movimentos sociais e por em risco as lutas democráticas.
É o caso do projeto proposto pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR), relatado pelo deputado Miro Teixeira (PDT-RJ).
É sintomático que o novo projeto tenha vindo à discussão pouco após as manifestações populares iniciadas em junho.
O risco de criminalizar a política não é nada desprezível. Afinal, o tipo proposto é justamente o de “provocar ou infundir terror ou pânico generalizado”, por motivos ideológicos, religiosos, políticos ou de preconceito.
O problema não está apenas no texto vago, na imprecisão do que é “infundir terror ou pânico” –mas também na circunstância de que entre o fato e o pânico se interponham uma série de intermediários, sendo os meios massivos de comunicação os mais expressivos.
Privilegiando a cultura do medo, não raro mergulhando no sensacionalismo quando trata de questões de segurança, é difícil mensurar o quanto de pânico não é alimentado pela própria imprensa, cujo poder de convencimento tem se mostrado, no campo do direito, cada vez mais profundo.
A conduta típica envolveria qualquer “ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física ou à saúde ou à privação da liberdade” e mistura numa mesma pena, de altíssimos quinze anos de reclusão mínima, condutas bem distintas, indicando uma violação frontal da proporcionalidade. Violação essa que segue o restante do texto, com penas mínimas superiores ao limite de trinta anos, e sistema progressivo praticamente amputado, tal como uma lei de exceção.
A lembrança de manifestações recentes se evoca quando da previsão do inusitado terrorismo contra coisa, que criminaliza com penas de 8 a 20 anos (maiores do que o próprio homicídio) quem provoca o pânico mediante dano a bem ou serviço essencial pelos mesmos motivos políticos e ideológicos –e como bem de serviço essencial, a lei elenca desde uma estação de metrô até estádios esportivos.
Como todo bom projeto de intenção antidemocrática, a lei também prevê o tipo de “incitação” que é outra porta aberta para a punição política, inclusive pela divulgação de material gráfico, sonoro ou de vídeo, com especial aumento pela utilização de redes sociais.
A cobertura de fatos que ocorram em protestos –ou, especificamente, a crítica aos abusos da repressão policial- poderiam claramente ser compreendidos como incitação.
Ademais do tipo aberto e vago, a ser preenchido por interpretações sensíveis aos escaninhos da política, o projeto estipula, ainda, um crime autônomo de associação, viabilizando a punição prévia, ou seja, sem a prática de qualquer ato reputado como de terrorismo.
Os recentes casos de criminalização indireta pela “posse de vinagre” e a proibição de máscaras já antecipam o que se prevê como objeto desta associação.
A cláusula de exclusão de crime por movimentos sociais tampouco é segurança contra o abuso da lei.
Não afasta a hipótese de que os órgãos de repressão ou mesmo judiciais concluam que o movimento não age por propósitos sociais ou reivindicatórios –afirmações que já se ouviu em anteriores atos políticos, como ocupações de terra ou espaços públicos.
Usar o direito penal para restringir o pluralismo, ameaçar a liberdade de expressão e de manifestação, criminalizar a crítica que muitas vezes reconstrói o direito, são elementos estranhos ao estado democrático.
Todos os excessos, que lesionam bens tutelados pelo direito penal, já são criminalizados, do dano ao homicídio, das lesões à formação de quadrilha.
Uma lei que ameaça manietar a ação política e as liberdades democráticas é o que menos o país precisa nesse momento.
A presidenta Dilma Roussef abriu a Assembleia Geral da ONU criticando, em discurso histórico e corajoso, a espionagem norte-americana justamente pela supressão de direitos fundamentais, sob o pretexto de defesa contra o terrorismo.
Espera-se que o Brasil não faça o mesmo com seus próprios cidadãos.
Mais do blogueiro no Sem Juízo ou pelo Twitter @marcelo_semer
A criação do tipo do terrorismo nunca foi uma prioridade entre nós, porque jamais passou de uma ansiedade importada de outros países.
Mas vira e mexe pululam propostas para criar o crime, quase todas com redações exageradamente amplas que permitem, ou na verdade procuram, criminalizar os movimentos sociais e por em risco as lutas democráticas.
É o caso do projeto proposto pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR), relatado pelo deputado Miro Teixeira (PDT-RJ).
É sintomático que o novo projeto tenha vindo à discussão pouco após as manifestações populares iniciadas em junho.
O risco de criminalizar a política não é nada desprezível. Afinal, o tipo proposto é justamente o de “provocar ou infundir terror ou pânico generalizado”, por motivos ideológicos, religiosos, políticos ou de preconceito.
O problema não está apenas no texto vago, na imprecisão do que é “infundir terror ou pânico” –mas também na circunstância de que entre o fato e o pânico se interponham uma série de intermediários, sendo os meios massivos de comunicação os mais expressivos.
Privilegiando a cultura do medo, não raro mergulhando no sensacionalismo quando trata de questões de segurança, é difícil mensurar o quanto de pânico não é alimentado pela própria imprensa, cujo poder de convencimento tem se mostrado, no campo do direito, cada vez mais profundo.
A conduta típica envolveria qualquer “ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física ou à saúde ou à privação da liberdade” e mistura numa mesma pena, de altíssimos quinze anos de reclusão mínima, condutas bem distintas, indicando uma violação frontal da proporcionalidade. Violação essa que segue o restante do texto, com penas mínimas superiores ao limite de trinta anos, e sistema progressivo praticamente amputado, tal como uma lei de exceção.
A lembrança de manifestações recentes se evoca quando da previsão do inusitado terrorismo contra coisa, que criminaliza com penas de 8 a 20 anos (maiores do que o próprio homicídio) quem provoca o pânico mediante dano a bem ou serviço essencial pelos mesmos motivos políticos e ideológicos –e como bem de serviço essencial, a lei elenca desde uma estação de metrô até estádios esportivos.
Como todo bom projeto de intenção antidemocrática, a lei também prevê o tipo de “incitação” que é outra porta aberta para a punição política, inclusive pela divulgação de material gráfico, sonoro ou de vídeo, com especial aumento pela utilização de redes sociais.
A cobertura de fatos que ocorram em protestos –ou, especificamente, a crítica aos abusos da repressão policial- poderiam claramente ser compreendidos como incitação.
Ademais do tipo aberto e vago, a ser preenchido por interpretações sensíveis aos escaninhos da política, o projeto estipula, ainda, um crime autônomo de associação, viabilizando a punição prévia, ou seja, sem a prática de qualquer ato reputado como de terrorismo.
Os recentes casos de criminalização indireta pela “posse de vinagre” e a proibição de máscaras já antecipam o que se prevê como objeto desta associação.
A cláusula de exclusão de crime por movimentos sociais tampouco é segurança contra o abuso da lei.
Não afasta a hipótese de que os órgãos de repressão ou mesmo judiciais concluam que o movimento não age por propósitos sociais ou reivindicatórios –afirmações que já se ouviu em anteriores atos políticos, como ocupações de terra ou espaços públicos.
Usar o direito penal para restringir o pluralismo, ameaçar a liberdade de expressão e de manifestação, criminalizar a crítica que muitas vezes reconstrói o direito, são elementos estranhos ao estado democrático.
Todos os excessos, que lesionam bens tutelados pelo direito penal, já são criminalizados, do dano ao homicídio, das lesões à formação de quadrilha.
Uma lei que ameaça manietar a ação política e as liberdades democráticas é o que menos o país precisa nesse momento.
A presidenta Dilma Roussef abriu a Assembleia Geral da ONU criticando, em discurso histórico e corajoso, a espionagem norte-americana justamente pela supressão de direitos fundamentais, sob o pretexto de defesa contra o terrorismo.
Espera-se que o Brasil não faça o mesmo com seus próprios cidadãos.
Mais do blogueiro no Sem Juízo ou pelo Twitter @marcelo_semer
Nenhum comentário:
Postar um comentário