O Comitê de Justiça do Senado estadunidense acaba de aprovar um projeto de lei com o único fim de amordaçar o Wikileaks e negar ao seu criador, Julian Assange, os direitos que correspondem a todo jornalista. A legislação, com a pretensa função de dar proteção federal ao trabalho jornalístico, serve, na prática, para definir quem são jornalistas, de forma que fiquem excluídos os que Washington queira classificar como inimigos.
Carlos Enrique Bayo (*) - Público.es
A Primeira Emenda da Constituição dos EUA dispõe que “o Congresso não fará nenhuma lei (…) que limite a liberdade de expressão ou da Imprensa”. Pois bem, o Comitê de Justiça do Senado estadunidense acaba de aprovar um projeto de lei que faz exatamente isso, legislando inconstitucionalmente… com o único fim de amordaçar o Wikileaks e negar ao seu criador, Julian Assange, os direitos que correspondem a todo jornalista.
Precisamente, a argúcia jurídica para violar a Constituição dentro da lei consiste em desenhar a legislação com a pretensa função de dar proteção federal ao trabalho jornalístico, mas empregá-la, na prática, para definir quem são jornalistas, de forma que fiquem excluídos os que Washington queira classificar como inimigos: os terroristas, os espiões e agentes de potências estrangeiras… e Assange.
Enquanto o rascunho legislativo define como “jornalistas cobertos” – pelo direito de informar e de proteger suas fontes de informação – os empregados ou colaboradores de meios de comunicação e os estudantes de jornalismo, sua redação exclui especificamente “toda pessoa ou entidade (…) cuja função principal, demonstrada pela totalidade do trabalho de dita pessoa ou entidade, seja a de publicar documentos de fontes originais que tenham sido reveladas sem autorização a dita pessoa ou entidade”.
Essa disposição, que deveria ser chamada de “cláusula Assange”, segundo o The Atlantic Wire, foi agregada sobre o texto inicial depois de que o comitê do Senado passasse a maior parte do verão debatendo como evitar que as filtrações do Wikileaks estivessem amparadas pela liberdade de informação; intenção proclamada pela senadora Dianne Fenstein e seu colega Dick Durbin.
Mas outro dos senadores promotores da lei, Chuck Schumer, objetou algo evidente: os blogueiros e outros repórteres independentes ficariam excluídos de tão estrita definição de o que é um jornalista, já que sua redação original inclusive garantia que apenas estariam protegidos os informadores empregados ou contratados por um meio de comunicação ao menos três meses nos últimos dois anos, assim como unicamente os freelancers com uma longa e comprovada trajetória profissional.
Assim foi que os senadores emendaram o texto para redefinir um jornalista como alguém empregado ou contratado por um meio de comunicação durante ao menos um ano nos últimos 20, ou durante três meses dos últimos cinco anos. E o que acontece com os blogueiros e outros independentes? Será um juiz federal o que decidirá ser possível considerar jornalistas ou não, e se seu trabalho jornalístico está de acordo ou não com a lei.
“Fomos muito cuidadosos neste projeto de lei para distinguir os jornalistas daqueles que não devem ter proteção, como Wikileaks e todos esses, e garantimos que seja assim”, destacou Schumer.
Por conseguinte, serão os magistrados que, caso por caso, decidirão se será aplicada ou não, a determinado individuo uma Primeira Emenda que foi concebida para fazer universal a proteção do direito à liberdade de expressão. Diabólico estratagema para violar o espírito da Constituição fingindo que se cumpre a Lei!
Todas essas manobras legislativas se produziam enquanto Assange apresentava diante do fiscal federal de Alemanha novas demandas contra os EUA por “interferência ilícita” de Washington contra suas atividades jornalísticas de território alemão. Uma, por haver utilizado os resultados das operações ilícitas da espionagem estadunidense dentro de Alemanha em 2009 para incriminar a soldado Chelsea (antes Bradlei) Manning e conseguir que fosse condenada a 35 anos de prisão por filtrar a Wikileaks provas de crimes de guerra dos EUA… que continuam impunes.
A outra demanda é reveladora dessa perversão da Justiça que pratica a Casa Branca, ao espionar e perseguir a todos os que se atrevam a denunciar os abusos dos EUA.
No dia 27 de setembro de 2010, Assange foi detido ao chegar ao aeroporto berlinense de Tegel, procedente de Suécia, e lhe confiscaram vários dispositivos eletrônicos com provas de um crime de guerra perpetrado pelas forças dos EUA no Afeganistão, conhecido como “o massacre de Granai” que, em maio de 2009, cobrou a vida de cerca de uma centena de civis, em sua maioria mulheres e crianças.
Claramente, a Polícia alemã colaborou com Washington para que essa atrocidade pudesse permanecer impune, enquanto o que tratava de denunciá-la leva mais de mil dias submetido a prisão judicial sem acusações nem processo, dos quais mais de 450 passou recluído na embaixada do Equador em Londres. Se atreverão os que lhe perseguem a comparar os supostos delitos sexuais que lhe querem imputar na Suécia (sem que haja mediado denúncia das supostas afetadas) com essas matanças de mulheres e crianças que até o dia de hoje eles mesmos conseguiram que continuem impunes?
Como diz Assange, “Chegou o momento de que cada um se levante para por fim a guerra de Obama contra o jornalismo, tanto em seu país como no estrangeiro”.
(*) Diretor de Público.es. Foi redator-chefe de Internacional na edição papel deste jornal. Foi correspondente em Moscou (1987-1992) e em Washington (1992-1996).
Tradução: Liborio Júnior
Precisamente, a argúcia jurídica para violar a Constituição dentro da lei consiste em desenhar a legislação com a pretensa função de dar proteção federal ao trabalho jornalístico, mas empregá-la, na prática, para definir quem são jornalistas, de forma que fiquem excluídos os que Washington queira classificar como inimigos: os terroristas, os espiões e agentes de potências estrangeiras… e Assange.
Enquanto o rascunho legislativo define como “jornalistas cobertos” – pelo direito de informar e de proteger suas fontes de informação – os empregados ou colaboradores de meios de comunicação e os estudantes de jornalismo, sua redação exclui especificamente “toda pessoa ou entidade (…) cuja função principal, demonstrada pela totalidade do trabalho de dita pessoa ou entidade, seja a de publicar documentos de fontes originais que tenham sido reveladas sem autorização a dita pessoa ou entidade”.
Essa disposição, que deveria ser chamada de “cláusula Assange”, segundo o The Atlantic Wire, foi agregada sobre o texto inicial depois de que o comitê do Senado passasse a maior parte do verão debatendo como evitar que as filtrações do Wikileaks estivessem amparadas pela liberdade de informação; intenção proclamada pela senadora Dianne Fenstein e seu colega Dick Durbin.
Mas outro dos senadores promotores da lei, Chuck Schumer, objetou algo evidente: os blogueiros e outros repórteres independentes ficariam excluídos de tão estrita definição de o que é um jornalista, já que sua redação original inclusive garantia que apenas estariam protegidos os informadores empregados ou contratados por um meio de comunicação ao menos três meses nos últimos dois anos, assim como unicamente os freelancers com uma longa e comprovada trajetória profissional.
Assim foi que os senadores emendaram o texto para redefinir um jornalista como alguém empregado ou contratado por um meio de comunicação durante ao menos um ano nos últimos 20, ou durante três meses dos últimos cinco anos. E o que acontece com os blogueiros e outros independentes? Será um juiz federal o que decidirá ser possível considerar jornalistas ou não, e se seu trabalho jornalístico está de acordo ou não com a lei.
“Fomos muito cuidadosos neste projeto de lei para distinguir os jornalistas daqueles que não devem ter proteção, como Wikileaks e todos esses, e garantimos que seja assim”, destacou Schumer.
Por conseguinte, serão os magistrados que, caso por caso, decidirão se será aplicada ou não, a determinado individuo uma Primeira Emenda que foi concebida para fazer universal a proteção do direito à liberdade de expressão. Diabólico estratagema para violar o espírito da Constituição fingindo que se cumpre a Lei!
Todas essas manobras legislativas se produziam enquanto Assange apresentava diante do fiscal federal de Alemanha novas demandas contra os EUA por “interferência ilícita” de Washington contra suas atividades jornalísticas de território alemão. Uma, por haver utilizado os resultados das operações ilícitas da espionagem estadunidense dentro de Alemanha em 2009 para incriminar a soldado Chelsea (antes Bradlei) Manning e conseguir que fosse condenada a 35 anos de prisão por filtrar a Wikileaks provas de crimes de guerra dos EUA… que continuam impunes.
A outra demanda é reveladora dessa perversão da Justiça que pratica a Casa Branca, ao espionar e perseguir a todos os que se atrevam a denunciar os abusos dos EUA.
No dia 27 de setembro de 2010, Assange foi detido ao chegar ao aeroporto berlinense de Tegel, procedente de Suécia, e lhe confiscaram vários dispositivos eletrônicos com provas de um crime de guerra perpetrado pelas forças dos EUA no Afeganistão, conhecido como “o massacre de Granai” que, em maio de 2009, cobrou a vida de cerca de uma centena de civis, em sua maioria mulheres e crianças.
Claramente, a Polícia alemã colaborou com Washington para que essa atrocidade pudesse permanecer impune, enquanto o que tratava de denunciá-la leva mais de mil dias submetido a prisão judicial sem acusações nem processo, dos quais mais de 450 passou recluído na embaixada do Equador em Londres. Se atreverão os que lhe perseguem a comparar os supostos delitos sexuais que lhe querem imputar na Suécia (sem que haja mediado denúncia das supostas afetadas) com essas matanças de mulheres e crianças que até o dia de hoje eles mesmos conseguiram que continuem impunes?
Como diz Assange, “Chegou o momento de que cada um se levante para por fim a guerra de Obama contra o jornalismo, tanto em seu país como no estrangeiro”.
(*) Diretor de Público.es. Foi redator-chefe de Internacional na edição papel deste jornal. Foi correspondente em Moscou (1987-1992) e em Washington (1992-1996).
Tradução: Liborio Júnior
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