Folha de S.Paulo - Clóvis Rossi: O debate que o Brasil não fez - 25/12/2010: "O debate que o Brasil não fez
Na Argentina, a revogação do perdão aos repressores foi exemplar; aqui, falta discussão sobre a anistia
CONFESSO QUE o instinto do escorpião prevaleceu sobre o espírito natalino na escolha do tema para hoje. Peço perdão, mas não me sentiria confortável se me omitisse na polêmica, algo abafada, mas polêmica, em torno da Lei de Anistia, em especial depois da condenação à prisão perpétua do ditador argentino Jorge Rafael Videla.
Antes, já houvera o vexame de uma instituição multilateral, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ter discutido (e decidido) a respeito de uma legislação que a sociedade brasileira, por meio de suas organizações representativas, deveria ter debatido há muito mais tempo.
Deixo para o final entrar no mérito da decisão da Corte de declarar nula a Lei de Anistia.
Até lá, meu ponto é a necessidade de um debate interno em torno do assunto.
A Lei de Anistia foi emitida para, na essência, proteger um lado, o dos vencedores. Eram, a rigor, os únicos que não haviam sido punidos.
Os derrotados, ou seja, os opositores ao regime militar, tenham ou não adotado a luta armada, sofreram punições de acordo com a legislação convencional (prisão, por exemplo), punições por uma legislação de exceção (o banimento, por exemplo) e até punições à margem de qualquer lei, convencional ou de exceção, como mortes em supostos enfrentamentos, suicídios que foram assassinatos (caso Vladimir Herzog, por exemplo) e torturas.
Aqui entra o julgamento do general Videla para entroncar com a falta de debate em torno da anistia no Brasil. Na Argentina, houve uma punição inicial, logo após a redemocratização de 1983, revertida depois como consequência de levantes militares que perseguiam a impunidade para os perpetradores da matança em massa ocorrida na ditadura de 1976-83.
Entre parêntesis, cabe lembrar que a condenação de Videla serve de compensação para os familiares de brasileiros vítimas da Operação Condor, o mecanismo multinacional de repressão criado no Cone Sul nos anos 70. A iniciativa surgiu em uma reunião de Exércitos americanos realizada em 1975 no Hotel Carrasco de Montevidéu. Videla era então comandante do Exército argentino e representou seu país nessa reunião.
Fecha parêntesis. A Argentina precisou de 20 anos para retomar a discussão da anistia, mas o fez em todos os âmbitos que a democracia inventou. As leis que concediam a anistia para os militares foram revogadas primeiro pelo Congresso, em 2003, e depois pela Corte Suprema, no ano seguinte.
Como a iniciativa havia sido do Executivo, tem-se pois que a revogação tramitou por todos os três Poderes clássicos. Alguém aí é capaz de conceber algo mais democrático?
E no Brasil? Nada, salvo esparsas iniciativas do atual governo. Termino com o mérito, como prometido: convém revogar a Lei de Anistia? Agora é tarde. Tivesse havido o debate nos governos FHC e/ou Lula, seria uma coisa. No governo Dilma Rousseff, vítima de punição extralegal, na forma de tortura, seria considerada revanchismo, o que abriria uma crise que só aproveitaria a pescadores de águas turva
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