segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Blog do Sakamoto

Blog do Sakamoto: "Saúde: a seleção natural nossa de cada dia
19/12/2010 - 12:31 56 Comentários »

Em um ótimo artigo publicado neste sábado (18) pela Folha de S. Paulo, Drauzio Varella discorre sobre os avanços no tratamento do câncer e se questiona sobre o custo de estender a existência sem a necessária qualidade de vida. E termina se perguntando: quem vai pagar a conta de medicamentos que passam de US$ 10 mil por mês no lugar de quem não pode arcar com eles? Governos? Planos de saúde? Isso lembrou-me um debate que eu já havia trazido aqui, cujo texto vale a pena ser resgatado e completado. Afinal de contas, fim de ano é época em que a gente se descuida da saúde e põe o pé definitivamente na jaca.

Faço parte daquela parcela da população dependente de remédios para ter uma vida normal. No meu caso, coração (já expliquei aqui anteriormente). Infelizmente, para quem não gosta deste blog, não tenho com o que me preocupar – pelo menos no curto prazo. E, no longo, todos estaremos mortos.

Um amigo que sofre de outro mal crônico matutou que talvez sejamos exemplos vivos de que a humanidade conseguiu dar um nó na seleção natural. Se deixassem a natureza seguir seu curso, seres malfeitos como eu e ele estariam naturalmente fadados a ser peça empalhada de museu: “Mãe, olha lá, isso era um cardíaco, não?”. Bateríamos as botas antes de atender ao divino chamado de crescer e multiplicar – ou cumprindo esse chamado. Hoje, não mais. Esqueça o blá-blá-blá de que só os fortes sobrevivem: os remendados, como nós, é que herdarão a Terra. Sua vantagem competitiva? Ter sempre à mão uma boa dispensa com medicamentos.

Digo parcela da população porque sou um daqueles que, felizmente, pode comprar remédios de ponta, que funcionam e têm poucos efeitos colaterais. Sucesso garantido graças a exigentes testes realizados à exaustão pelas maiores indústrias farmacêuticas do mundo em milhares de “voluntários” na África e em outras regiões pobres. Muitos morrem no meio do caminho, mas o que é a vida de um pobre africano diante da saúde de nós da classe média – e das possibilidades de lucro das grandes corporações, não é mesmo?

Milhões de pessoas morrem anualmente no mundo por causa da malária e outros tantos pegam a doença – a quase totalidade oriundos de países ou regiões pobres do planeta. É claro que a relação de casos letais/investimento em cura é maior nas doenças que acometem a parte rica da população do que a parte pobre. A pesquisa para a busca da cura do câncer recebe muito mais que pesquisas para doenças causadas por parasitas que afetam multidões.

E, como já disse, quando uma pessoa que tem acesso a recursos privados de saúde, como eu ou o doutor Drauzio (que pegou febre amarela e narrou a experiência no belo livro “O Médico Doente”), fica ruim, há chance maior de cura do que alguém que depende de si mesmo, do poder público e de suas filas.

Além disso, a ocorrência dessas moléstias é mais intensa em regiões de fronteira agrícola, no contato do ser humano com áreas preservadas. E a periferia do planeta ainda tem muita floresta para ser vítima da motosserra e da ganância. Se bem que, no ritmo que andam as coisas, em breve talvez não haja mais floresta para contar história. Se isso acontecer, também não teremos que nos preocupar com mosquitos. Aliás, com nada mais, porque teremos ajustado de vez a temperatura do planeta para “gratinar” e aí, caro amigo e cara amiga, a vida como a conhecemos vai sofrer pesadas mudanças.

Enfim, parte da população vive no século 21 da medicina, enquanto outros ainda engatinham pela Idade Média das filas em hospitais, dos remédios inacessíveis, da falta de saneamento básico e da inexistência de ações preventivas. Nada de novo.

Na prática, quem consegue jogar xadrez com a Dona Morte e enganá-la por um tempo são os mais ricos, que possuem os meios para tanto. Os mais pobres, por mais que tenham força de vontade e queiram continuar vivendo, não necessariamente conseguem a façanha. Vão apenas sobrevivendo, apesar de tudo e de todos, ajudando com seu trabalho e, algumas vezes, como cobaias, os que ganharam na loteria da vida a terem uma existência mais feliz.

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