"O governo não precisa mexer no câmbio" - ISTOÉ Dinheiro: "'O governo não precisa mexer no câmbio'
Pode perguntar a qualquer exportador. O que é preciso fazer para o País crescer mais? Dez em cada dez empresários dirão: desvalorizar o real e promover a reforma tributária
Por Hugo Cilo
Na opinião do presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade, apenas a reforma tributária resolveria. “O modelo de câmbio flutuante é adequado ao País. Não precisa mexer”, disse Andrade, em entrevista à DINHEIRO. Para ele, a desvantagem cambial da indústria brasileira – que hoje exporta com uma taxa próxima a R$ 1,70, a menor cotação em dois anos – poderia ser equacionada com a implementação de alguns ajustes.
DINHEIRO – Ganhou força nos últimos meses a tese de que o Brasil enfrenta um processo de desindustrialização. Isso preocupa?
ROBSON ANDRADE – Eu acho que essa tese se sustenta quando olhamos para os números. Em 1985, a participação da indústria no PIB era algo em torno de 36%. Hoje, o IBGE coloca em torno de 16%. Quando analisamos isso, enxergamos uma desindustrialização. Mas, antes de chegar a uma conclusão, precisamos analisar tudo o que aconteceu nesse período. A atividade industrial aumentou a produtividade, ganhou performance, reduziu custos e, por outro lado, algumas atividades que eram executadas internamente nas fábricas passaram a ser terceirizadas, com participação de empresas de prestação de serviços. Nesse processo, o que entrava como estatística da indústria virou número do setor de serviços. Ou seja, parece que a indústria encolheu.
DINHEIRO – Se não encolheu, por que há tanta reclamação?
ANDRADE – Basicamente, em razão da competitividade. Hoje, não há desejo de investimento em indústria de valor agregado, tanto em tecnologia quanto em mão de obra. Isso porque, quando se investe nesses setores, os investimentos visam atender ao mercado global, não apenas ao mercado interno. E a situação do Brasil atualmente não proporciona competitividade para disputar o mercado global. A falta de vontade de investir é um problema. Por outro lado, existem empresas de manufaturados perdendo espaço pela entrada de importados.
DINHEIRO – Mas, para crescer, o País não precisa importar?
ANDRADE – Sim. O problema é que o crescimento das importações está próximo de 30%, enquanto o aumento das exportações está em torno de 10%. Existe aqui um visível descompasso. Essa entrada tem feito com que quem produz manufaturados perca espaço, perdendo mercado e perdendo condições de desenvolver novas tecnologias. Isso significa um processo perigoso de desindustrialização no futuro. Eu diria que não estamos ainda em um processo contínuo que precise de alguma medida urgente. Mas já entramos numa trajetória que exige cuidado.
DINHEIRO – Se o Brasil não estivesse importando, a indústria nacional não teria condições de atender à demanda aquecida, o que geraria inflação e desabastecimento. Alguns setores já estão no limite.
ANDRADE – Em casos pontuais, existe um esgotamento da capacidade produtiva, sim. No entanto, o que faz a indústria ter condições de atender ao mercado é o investimento. Se a indústria não tem um mercado promissor no horizonte, não se investe. No caso das montadoras, existem planos de investimentos elevados, acima de US$ 15 bilhões nos próximos três anos, porque o setor se planeja para o longo prazo. Muitos investimentos, porém, estão sendo postergados em razão do crescimento das importações. O aumento das importações de veículos está próximo de 30%, o que desestimula o investimento. Se nós tivéssemos uma indústria competitiva, em um país competitivo, certamente o empresariado estaria investindo muito mais do que investe hoje. Por consequência, a capacidade produtiva seria maior.
DINHEIRO – Na prática, qual o efeito dessa falta de competitividade, hoje?
ANDRADE – Há empresas do setor de semiduráveis, como fogão e máquina de lavar, que dispensaram funcionários e hoje importam 100% da China. Apenas estampam sua marca no produto e vendem como se fossem mercadorias brasileiras. Na verdade, é produto que gera emprego na China e que antes tinha produção no Brasil, tinha tecnologia própria e gerava emprego. Essas empresas hoje ganham mais do que antes, não enfrentam problemas com a legislação trabalhista, não têm quase problema com a legislação tributária e não precisam de um grande capital de giro. Apenas importam, são financiados no longo prazo e o que vendem é financiado no curto prazo. Bom para eles, ruim para o Brasil.
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'A China produz em condições desiguais. Contra eles, não adianta sobretaxa'
Linha de produção de automóveis na China
DINHEIRO – Mas propor fechamento do mercado não vai na contramão dos mercados. O Brasil é uma das economias mais protecionistas do mundo, concorda?
ANDRADE – O produto importado desperta um desejo especial no consumidor. E, com essa atual taxa de câmbio, fica difícil competir. Evidentemente, uma parcela do mercado sempre será reservada para produtos importados. Mas o problema não é importar 30% do que se consome no mercado brasileiro, o problema é não conseguir exportar. E não se consegue exportar porque o produto brasileiro lá fora é caro demais.
DINHEIRO – Qual seria a participação ideal dos importados?
ANDRADE – Isso varia de setor para setor. Apenas não podemos ser submetidos a uma concorrência desleal. Porque concorrer com um país que não tem nenhum comprometimento com o meio ambiente, que não segue nenhum padrão de leis trabalhistas, não investe no social nem em educação, onde o trabalhador trabalha em condições precárias, é injusto. Isso tudo faz diferença no preço final.
DINHEIRO – A luta da indústria contra a China não é uma batalha perdida?
ANDRADE – Se a gente pensar dessa forma, é melhor a gente começar a produzir outro tipo de coisa, que não seja indústria. Investir tudo em turismo e aproveitar as paradisíacas praias brasileiras, ou apostar em gastronomia. Porque, quando se fala em produção, precisamos lutar, sim. Se hoje conseguimos concorrer com os EUA, com a Europa e com qualquer outro país do mundo, por que temos de estar sempre em desvantagem em relação aos asiáticos? A China tem condições desiguais. Então é preciso ter tratamento desigual para os desiguais.
DINHEIRO – Se o governo brasileiro começar a dificultar a entrada de produto chinês, não pode ser perigoso? E se a China, nosso principal parceiro comercial, retaliar?
ANDRADE – O comércio é uma batalha. O comércio se faz com estratégia, com pressões, com negociações. Não podemos ter medo de negociar só porque eles são grandes parceiros nossos. Não podemos aceitar todas as condições impostas por eles. O Brasil tem tanto potencial de crescimento e desenvolvimento industrial quanto a China. E isso não vale só para a China. Todas as economias que agem assim, como Índia e Vietnã, estão disseminando regras danosas ao Brasil. A China é signatária de todos os tratados de comércio que hoje vigoram no mundo, mas não cumpre quase nada.
DINHEIRO – O Brasil já não é um dos mais restritivos mercados do mundo aos produtos chineses?
ANDRADE – Sim. Mas precisa criar outros diferenciais, mais sobretaxas, novas barreiras. Pouco tempo atrás, o presidente da França, Nicolas Sarkosy, disse que o país está aberto a todo tipo de produto chinês. Mas declarou que iria negociar várias questões. A gente deveria fazer o mesmo.
DINHEIRO – Apenas negociar resolve?
ANDRADE – Muitas vezes não adianta apenas aplicar uma sobretaxa. Quando há um subfaturamento, principalmente porque o produto importado entra aqui em dólar, qualquer sobretaxa não vai resolver. Então teríamos de lançar um conjunto de ações, complexo e difícil de estabelecer no curto prazo, mas que criasse um ambiente de negócios mais competitivo. A começar pela desoneração dos investimentos e das exportações, desenvolver uma infraestrutura mais adequada aos negócios, reduzir a burocracia, estimular queda nos juros, reduzir o gasto público, entre outras medidas. O ambiente de negócios no Brasil não é adequado ao grau de desenvolvimento em que o País está.
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'A questão não é só quanto o dólar vale, mas como está o ambiente para o exportador'
Terminal de cargas no Porto de Santos
DINHEIRO – O presidente Lula sinalizou com algumas reformas, e deu certo.
ANDRADE – É verdade. Mas durante o governo Lula foram feitas apenas algumas microrreformas. Foram importantes, de fato. No caso do corte do IPI dos automóveis, foi fundamental. A desoneração salvou muito emprego e elevou as vendas a um nível recorde. Mas não podemos viver de microrreformas. É hora de pensar em um plano de longo prazo.
DINHEIRO – O setor industrial, historicamente, reclama da situação.
ANDRADE – Não vejo indústrias fe-chando. Mas há empresas brasileiras investindo fora, produzindo e gerando emprego lá. Não existe esse choro. O choro é sempre por outro motivo.
DINHEIRO – E a questão cambial?
ANDRADE – Não vejo uma solução única. Hoje temos uma estrutura cambial adequada ao País. Esse modelo tem se mostrado correto, tem dado credibilidade ao mercado internacional. Alguns países têm criado um câmbio artificial, um câmbio fictício. No caso do Brasil, dá para resolver muita coisa sem mexer no câmbio. Tem gente dizendo que mexer na economia é ruim no longo prazo. Mas, se deixar do jeito que está, não teremos longo prazo. Nossas empresas não terão fôlego.
DINHEIRO – Qual é a taxa de câmbio ideal?
ANDRADE – É difícil estabelecer uma cifra. Tem setor que fala em R$ 2,20. Outros falam em R$ 2,40. A questão não é quanto o dólar vale, mas as condições em que as empresas atuam. A indústria precisa ser competitiva.
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