sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Perseguição dos EUA ao Wikileaks atropela leis internacionais e repete reação ao 11 de setembro - Última Instância

Perseguição dos EUA ao Wikileaks atropela leis internacionais e repete reação ao 11 de setembro - Última Instância: "CAÇADA A JULIAN ASSANGE


Charles Nisz - 10/12/2010 - 10h20

Na tentativa de constranger o Wikileaks, –site responsável pelo vazamento de mais de 250 mil telegramas da diplomacia internacional– governos e empresas do mundo inteiro empreenderam uma verdadeira “caçada virtual” aos servidores do projeto idealizado pelo jornalista e ativista australiano Julian Assange. A pressão, que partiu principalmente dos EUA, também buscou o sufocamento financeiro da organização.



Para Deisy Ventura, professora do Instituto de Relações Internacionais da USP, a coação sofrida por Assange repete o modus operandi do direito penal norte-americano pós 11 de setembro. “Não importa mais o que a pessoa fez de fato, e sim o que o Estado supõe que ela é capaz de fazer. Passa-se da culpabilidade à periculosidade”, disse a especialista, em referência às iniciativas do governo Bush que suprimiram direito civis na chamada 'Guerra ao Terror'.

Segundo a pesquisadora, os Estados Unidos ”passam por cima' do direito internacional todos os dias. “Lembro sempre de uma ótima frase de duas pesquisadoras que escreveram um livro sobre o tema: juridicamente, os EUA têm uma atitude paroquial, incapaz de levar o direito internacional a sério” (Taking International Law Seriously, Keller et Thurnherr, 2005).

Na última quinta-feira (2/12), a Amazon encerrou a hospedagem do Wikileaks em seus servidores. No dia 5, o provedor francês OVH, ameaçado pelo governo da França, recusou-se a hospedar dados do Wikileaks. Isso despertou o ânimo dos ativistas hackers: o Partido Pirata Sueco resolveu ajudar o Wikileaks e em menos de uma semana, há mais de mil servidores “espelhos” espalhados pelo mundo.

No fim de semana, o PayPal, sistema de pagamentos online, suspendeu a transferência de doações ao Wikileaks. As operadoras Visa e MasterCard também suspenderam as doações ao site de Assange – nos dia 6 e 7, respectivamente. A fúria hacker se fez sentir no dia 8: “os piratas” derrubaram o site das duas operadoras de cartão.

O banco suíço PostFinance, onde Assange tinha uma conta, teve seu site atacado após encerrar a movimentação financeira do australiano. Isso causou um prejuízo de US$ 133 mil ao fundador do Wikileaks e também atraiu a atenção dos hackers. Seria esta a Primeira Guerra da Internet – a WWWar, como a chamam nos países de língua inglesa?

Sem precendentes

Maristela Basso, professora do Departamento de Direito Internacional da Faculdade de Direito da USP, não recorda de atitude semelhante à tomada pela Visa e pela MasterCard: “certamente essas empresas tentarão buscar brechas na lei para justificar a suspensão dos pagamentos”.

No entanto, ela acredita que há boas chances do Wikileaks sair vencedor caso apele à Justiça: “O site pode alegar danos morais e econômicos com a suspensão das doações. Se há um trato, ainda que verbal, as operadoras de cartão devem cumprir que foi acordado ainda que de modo precário”.

Para a professora da Faculdade de Direito da USP, “o Wikileaks tem grandes chances de vencer a disputa jurídica, pois a Suprema Corte Americana tem tradição de independência e não cederá à pressão do Departamento de Estado”.

Sigilo de informação

O caso Wikileaks mostra como a diplomacia e a espionagem andam de mãos dadas. Os telegramas vazados mostraram “o que todo mundo desconfiava”, diz Maristela.

Clarita Maia, consultora legislativa para Relações Internacionais e Defesa Nacional do Senado, vê com cautela o vazamento de informações: “há dados relevantes, mas também há muita coisa desimportante nos telegramas”. Clarita usa como exemplo a frase de Hillary Clinton classificando a presidenta Cristina Kirchner de “louca”: “Qual a relevância disso a não ser criar atrito entre EUA e Argentina?”, questiona ela.

Para Clarita, “a publicidade desses documentos é sempre benéfica à democracia – e depois de algum tempo esses dados acabam vindo a público”. No entanto, “os governos têm suas razões para manter alguns documentos em segredo e a classificação de documentos é normatizada por lei”.

O barulho provocado por Assange deverá alterar a legislação sobre o tema. Com o vazamento dos telegramas pelo Wikileaks, Clarita espera “um aumento dos acordos bilaterais para proteção e sigilo de documentos”. Hoje, o Brasil tem acordos do gênero com Rússia, Itália, Portugal e Espanha, diz a consultora.

Holofotes

A perseguição do governo dos EUA dá mais holofotes ao Wikileaks: “Se os EUA tivessem dado menos importância, a repercussão seria menor, restrita aos especialistas em Jornalismo Investigativo. Eu mesma não sabia muito sobre o Wikileaks até semana passada”, afirma Maristela.

No entanto, nenhuma das especialistas classifica Assange como um “preso político”. “Ele foi preso pela acusação de estupro”, concordam Maristela e Clarita. Para a consultora, “só o desenrolar do processo judicial na Suécia irá revelar se havia motivação política para deter o ativista”.

De acordo com Maristela, “pode-se gostar ou não; pode-se discutir se é Jornalismo ou não, mas Julian Assange tem o direito de fazer o que fez e vazar as informações da Diplomacia Internacional”. Para a professora da Faculdade de Direito da USP, Assange é um sujeito que gosta de “andar perigosamente, tanto que fez sexo sem a devida precaução”.

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