quarta-feira, 29 de agosto de 2012

BBC Brasil - Notícias - União estável de três abre polêmica sobre conceito legal de família

BBC Brasil - Notícias - União estável de três abre polêmica sobre conceito legal de família

União estável de três abre polêmica sobre conceito legal de família

Atualizado em  28 de agosto, 2012 - 14:22 (Brasília) 17:22 GMT
Três mãos | Foto: Getty Images
União de três pessoas no interior de São Paulo dividiu opiniões de juristas e da sociedade brasileira
A união estável "poliafetiva" lavrada no interior de São Paulo pela tabeliã Claudia do Nascimento Domingues entre um homem e duas mulheres trouxe à tona um debate que divide juristas e a sociedade. Num momento pós-união estável homossexual, já aceita pela Justiça, até onde vai o conceito de família no Brasil?
Na visão da advogada e oficial do cartório de notas da cidade de Tupã, não há lei na Constituição brasileira que impeça mais de duas pessoas de viverem como uma família e a ausência da proibição abre caminho para um precedente.
A definição de "união poliafetiva" vem sendo usada por ela na tese de doutorado que desenvolve na USP. "Não sei se esse será o termo mais adequado, mas é o que escolhi para empregar em meus estudos".
Para ela, há chances de que as uniões poliafetivas tenham uma trajetória semelhante às uniões homoafetivas, entre duas pessoas do mesmo sexo, que após muitos anos de recursos e trâmites em diferentes instâncias do país foram consideradas válidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu por uma "revisão" do texto constitucional no ano passado.
"O modelo descrito na lei é de duas pessoas. Mas em nenhum lugar está dizendo que é crime constituir uma família com mais de dois. E é com isso que eu trabalho, com a legalidade. Sendo assim o documento me pareceu bastante tranquilo. Trata-se de um contrato declaratório, não estou casando ninguém", diz Claudia.
Ela explica que, em termos oficiais, trata-se de uma "escritura pública declaratória de união estável poliafetiva", o que, traduzindo em poucas palavras, significaria um contrato onde os três envolvidos deixam claras suas vontades e intenções como família. Cabe a empresas, prestadoras de serviços, órgãos públicos e à Justiça, em casos de ações judiciais e subsequentes recursos, decidirem se aceitam o documento ou não.
"O que se previu ali são posições declaratórias, é a vontade dessas pessoas declarada num documento público. Divisão de bens, responsabilidades, direitos, com algumas limitações. Eles não podem, por exemplo, distribuir uma herança como se fossem casados, o que não são e nem pretendem ser".
A tabeliã acrescenta que o trio, que até o momento optou por não falar à imprensa, já tem conta corrente aberta como família, "porque a escritura permite, a lei não proíbe e o banco aceitou".

‘Três é demais’

"É algo totalmente inaceitável, que vai contra a moral e os costumes brasileiros"
Regina Beatriz Tavares da Silva, advogada
Outros juristas defendem que a família só pode ser constituída por um casal, ou seja, duas pessoas, e rejeitam o conceito tanto em termos jurídicos quanto morais.
Num sinal de novos tempos, no entanto, mesmo os mais conservadores tomam por base que a definição de casal hoje no Judiciário brasileiro já admite um homem e uma mulher, dois homens ou duas mulheres, acatando a decisão do STF. Mas três é demais.
"É um absurdo. Isso não vai para frente, nem que sejam celebradas milhares dessas escrituras. É algo totalmente inaceitável, que vai contra a moral e os costumes brasileiros", avalia a advogada Regina Beatriz Tavares da Silva, presidente da Comissão de Direito da Família do Instituto de Advogados de São Paulo (Iasp) e doutora na mesma área pela USP.
Casamento emn massa
Para tabeliã Claudia Domingues, há várias possibilidades de amor e de relacionamentos
Para ela, as cláusulas constantes no documento, que versam de temas que vão de comunhão de bens, separação, direitos, responsabilidades e até mesmo filhos em comum, tendem a ser rejeitadas por empresas, prestadoras como planos de saúde e seguradoras, além dos tribunais.
"É uma escritura nula, sem valor algum, por não cumprir os requerimentos constitucionais", diz.
José Carlos de Oliveira, professor de direito e doutor pela Unesp, diz que o documento é inválido por "contrariar frontalmente a Constituição" e que o Supremo jamais referendaria o novo tipo de família.
"Fizeram um contrato de acordo com os interesses deles, que, se chegar ao STF, será prontamente julgado como ilegal"
José Carlos de Oliveira, professor de direito e doutor pela Unesp
"A escritura em questão alterou de forma unilateral aquilo que já é tipificado pela lei, ou seja, que uma família é constituída por duas pessoas somente, sejam heterossexuais ou homossexuais. Fizeram um contrato de acordo com os interesses deles, que, se chegar ao STF, será prontamente julgado como ilegal".
Ambos advogados, no entanto, admitem que em alguns casos pontuais o documento poderá vir a servir como um "início de prova" de união estável, como em compras de imóveis, como se fossem "sócios", mas ainda de forma "discutível".
Para a tabeliã, o documento tem total validade. "Não posso imaginar um tabelião criando um documento que não tenha valor. Não faz sentido. Como valor de documento, é algo público, registrado, indiscutível. Poderemos discutir quais são as eficácias legais das regras contidas neste documento, isso sim. São duas coisas diferentes, e me assusta que alguém ligado ao direito diga simplesmente ‘isso vale ou não vale’".

Moral

Muito além das minúcias jurídicas quanto à validade da escritura da união poliafetiva, o debate moral iniciado pelo caso deve criar polêmica na sociedade brasileira, questionando até onde se pode estender o conceito de família no país.
"O fato de eles viverem de tal jeito não afeta a minha vida, é a liberdade privada deles. Gostaria que fosse muito simples: você vive como quer, do jeito que quer, não afeta a vida dos outros, e ninguém tem que se intrometer. Mas a realidade no Brasil, como nós sabemos, não é essa", diz a tabeliã de Tupã.
"No Brasil ainda se pensa muito de forma individual. Se algo não é bom para mim, não é bom para ninguém. Tudo bem, eu continuo não querendo para mim, mas eles não me afetam, vivendo em três, ou em cinco. Agora me afetam, por exemplo, quando fazem de conta que têm um casamento maravilhoso mas têm dois amantes, três amantes. Isso me afeta, fazer de conta que não sei", complementa.
"Na minha concepção [a crítica] é o ser humano fazer a limitação moral que a lei não faz. Vamos então morar em um país onde as leis sejam inteiramente morais. Legalmente não podemos aplicar isso no Brasil"
Claudia do Nascimento Domingues, tabeliã e doutora pela USP
Na visão de Regina Beatriz Tavares da Silva, o Judiciário e a sociedade jamais aceitarão este tipo de família. "É uma promiscuidade que envolve mais de duas pessoas. Classifico como poligamia, amantes, relações paralelas. É preciso usar os termos certos".
Claudia defende que a situação não implica em poligamia já que não se trata de um casamento e avalia as rejeições ao conceito de poliafetividade como invasão da esfera privada do cidadão.
"É um absurdo por qualquer olhar que se dê. Não importa se tem escritura ou não. Na minha concepção é o ser humano fazer a limitação moral que a lei não faz. Vamos então morar em um país onde as leis sejam inteiramente morais. Legalmente não podemos aplicar isso no Brasil", diz a tabeliã.
"Como é que vão resolver? Não sei. Estamos vendo decisões surpreendentes, e é como um dos juízes do STF colocou muito bem na votação da união homoafetiva no ano passado: ‘a realidade não pode ser afastada’".

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O PT não é comunista — Portal ClippingMP

O PT não é comunista — Portal ClippingMP

O PT não é comunista

Autor(es): Renato Janine Ribeiro
Valor Econômico - 27/08/2012
 

De vez em quando, leio em blogs ou mesmo em cartas que recebo enquanto colunista deste jornal ataques aos "comunistas" do PT. Ora, é importante esclarecer algumas coisas. Todos têm o direito de divergir do Partido dos Trabalhadores e do comunismo. Mas é errado confundir um com o outro. Melhor aclarar alguns pontos, para que os adversários do PT ou do comunismo possam criticá-los sem incorrer nessa confusão.
O PT não é ou foi comunista, nem por seu programa nem por sua história.
Vamos ao programa ou, se quiserem, aos ideais. O princípio de todo partido ou militante comunista é a abolição da propriedade privada dos meios de produção. Quer dizer que só a sociedade pode ser dona de fábricas, fazendas, empresas. Já residências, carros, roupas e hortas para uso pessoal ou familiar não precisariam ser expropriadas de seus proprietários privados. A casa em que eu moro não é "meio de produção". Menos ainda, minha roupa. Mesmo a horta, em vários países comunistas, ficou em mãos particulares. Seja como for, o ponto de partida do comunismo é: a propriedade privada dos meios de produção - fazendas, fábricas - é injusta e, também, ineficiente. Deve ser suprimida. Sem essa tese, não há comunismo.
A maior diferença é a questão da propriedade
Um parêntese: até o presente, esse projeto não funcionou. Para Marx, a questão não era moral, mas econômica. A propriedade privada acabaria se mostrando ineficiente. Seria superada por uma forma superior de propriedade, a coletiva. Ora, até hoje a propriedade privada se mostrou mais produtiva. E ninguém conseguiu mostrar na prática (ou teorizar) o que seria a propriedade "social" dos meios de produção. Houve, sim, propriedade estatal deles. Mas Marx era claríssimo: o Estado tinha que ser abolido. Nunca propôs ampliá-lo. Nem reduzi-lo. Ela ia mais longe do que os próprios liberais: queria suprimir o Estado. Era o contrário do que fizeram os Estados comunistas, que reforçaram a polícia e controles de toda ordem. Eles suprimiram a propriedade privada, mas não o Estado: criaram um monstro policial que Marx jamais aceitaria.
Pois bem, o PT namorou em seus inícios a ideia de um socialismo vago, mas nunca se bateu pela abolição da propriedade privada dos meios de produção. Daí que, nos seus primórdios, fosse até acusado de ser uma armação contra a "verdadeira" esquerda, a comunista. Dizia-se que Lula seria um ingênuo, ou um agente da CIA aqui infiltrado. Além disso, o PT nasce de um inovador movimento sindical; ora, Lênin fora áspero na crítica ao "sindicalismo", que padeceria de uma ilusão reformista, querendo melhores salários em lugar da revolução. Tínhamos um abismo entre o projeto petista e o comunista. Finalmente, o lado libertário do PT - o fato de reunir descontentes com a cultura dominante, machista, racista etc. - desagradava a quem achava que a contradição decisiva da sociedade seria o conflito do capital com o trabalho. Havia marxistas no PT, talvez ainda os haja, mas sempre foram minoria.
Daí vêm duas consequências curiosas e paradoxais quanto ao comunismo. Para ele, o fim da propriedade privada não é só um projeto. É uma certeza científica. O marxismo pretende ser a ciência das relações humanas. É científico que um dia virá o socialismo. Disso decorre que, sendo uma ciência, o marxismo no poder não admite discordância. O dissidente é um errado. E por que autorizaríamos os errados a falar? Eles só atrasarão a rota da história... Seria mais econômico e melhor, para a humanidade, calá-los. Daí, o caráter não democrático dos regimes comunistas (é por isso que, na democracia, a liberdade de expressão significa que podemos erra, renunciamos à certeza). E disso decorre, também, que os marxistas fora do poder não têm pressa. Um dia, chegará o comunismo. No poder, enfatizam que o socialismo é uma necessidade histórica. Fora do poder, enfatizam que a história não precisa ser apressada. Dão-se bem com a adversidade. Derrotados, sabiam ser serenos, para usar a virtude que mostravam em tempos nefastos: a história lhes daria, um dia, razão.
É paradoxal, não é? A mesma convicção de que o marxismo seja uma ciência leva os comunistas, no poder, a não tolerar a oposição, e fora do poder a fazer tudo o que é acordo, mesmo dos mais espúrios, a aguentar qualquer derrota, a esperar. Ora, é digno de nota que o PT nunca aceitou o pressuposto do marxismo como ciência. Por isso mesmo, também recusou suas consequências. Nunca reprimiu divergências ao feitio comunista. E sempre teve pressa (exceto, talvez, depois de chegar à Presidência). Não foi à toa que, entre petistas e comunistas, as relações nunca tenham sido fáceis. A queda do Partido Comunista tradicional, o "partidão", acaba coincidindo com a ascensão do PT. Não restou espaço ao PCB. Mudou de nome, abriu mão do fim da propriedade privada, manteve uma excelente retórica, foi para a direita.
Em suma, há muito a criticar ou a elogiar no PT, mas será errado criticá-lo (ou elogiá-lo) por ser comunista.
Depois de meu último artigo, recebi de Fernando Henrique Cardoso amável e-mail. O ex-presidente se diz leitor da coluna e, confiando na minha boa-fé, desmente que seu governo tenha restringido a apuração dos escândalos da privatização das teles e da compra de votos para a reeleição. Esta existiu, diz, mas por parte de políticos locais. É importante o seu depoimento. E lembro aos leitores que o eixo de meu artigo estava na tese de que as questões de corrupção, que pareciam tão claras quando o lado do bem se opunha à ditadura, se transformaram num cipoal desde que PT e PSDB se digladiam. Agradeço a carta e a gentileza do ex-presidente.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras

domingo, 26 de agosto de 2012

Folha de S.Paulo - Poder - Pombos e urubus - 26/08/2012

Folha de S.Paulo - Poder - Pombos e urubus - 26/08/2012
Questões de Ordem
MARCELO COELHO - coelhofsp@uol.com.br
Pombos e urubus
Duvido que a maioria dos indignados com o voto de Lewandowski tenha seguido sua exposição no tribunal
SÃO REPULSIVAS -não tenho outra palavra- algumas das reações que aparecem na internet contra o voto de Ricardo Lewandowski no julgamento do mensalão.
Absolvido João Paulo Cunha, os insultos começaram pelo Facebook. Circula, por exemplo, um quadro com o rosto de todos os ministros do STF. Abaixo da foto de Joaquim Barbosa, uma palavra escrita em verde: "patriota". Para Lewandowski, em vermelho, o estigma: "vendido".
Outra mensagem, tarjada de preto, traz a foto do ministro e um aviso: "Saiba de uma coisa -o povo brasileiro tem vergonha de você".
Escreve-se também que Lewandowski foi secretário de administrações petistas em São Bernardo do Campo. Logo, "levou a vida na boquinha". E que foi indicado juiz "pela aberração que é o quinto constitucional, uma vaga que não depende do concurso público". Trata-se do sistema que faz advogados e promotores ingressarem na magistratura, evitando que só juízes de carreira cheguem aos postos mais altos da hierarquia.
Todo ministro do Supremo chega lá por indicação presidencial, e Joaquim Barbosa foi tão indicado por Lula quanto Lewandowski.
Assim como não faz sentido dizer que o "patriota" Barbosa está a serviço da "direita golpista", é muito primitivo dizer que Lewandowski absolveu João Paulo por ter sido secretário de uma prefeitura petista em 1984. Informação, aliás, errada. Ele foi secretário de uma administração do PMDB em São Bernardo.
Duvido que a maioria dos indignados com o voto de Lewandowski tenha se dado ao trabalho de seguir a longa exposição que ele fez no tribunal. Outros ministros poderão contestá-la já na segunda-feira. Mas o nível de detalhamento e fatualidade da questão ultrapassa, certamente, a disposição dos que se indignam com preguiça.
Remeto ao outro voto de Lewandowski, o que condenou (repito, condenou) Henrique Pizzolato e Marcos Valério.
A um dado momento da exposição, tratava-se de saber se aqueles brindes promocionais, e mais particularmente as Agendas Pombo, davam a Marcos Valério o direito de reter para sua agência publicitária o desconto denominado bônus de volume.
Para Lewandowski, a irregularidade saltava aos olhos ("ictu oculi", disse ele). Marcos Valério incorreu em crime ao ficar com o dinheiro oferecido pelas Agendas Pombo. Bônus de volume só cabem às agências quando fazem anúncios em jornais ou emissoras de TV.
É possível que, nesse caso, Lewandowski tenha sido severo demais. As agendas Pombo são forma de propaganda, tanto quanto um anúncio no rádio.
Há quem diga, e não parece absurdo, que mesmo os planos de milhagem de uma companhia aérea são bônus de volume.
Você ganha milhas quanto mais viaja -mesmo que tenha sido seu empregador quem pagou a passagem. Ficou com as milhas para você? Considere-se corrupto também.

Folha de S.Paulo - Poder - Culpados ou não - 26/08/2012

Folha de S.Paulo - Poder - Culpados ou não - 26/08/2012
Janio de Freitas
Culpados ou não
O que dizer da inclusão do dado inverídico, supõe-se que por falta de exame na acusação do relator?
DOIS ERROS comprometedores da acusação, cometidos e repetidos pelo procurador-geral Roberto Gurgel e pelo ministro-relator Joaquim Barbosa, no julgamento do mensalão, poderiam ser muito úteis aos ansiosos por condenações gerais, prontos a ver possíveis absolvições como tramoia.
A acusação indicou que a SMPB, agência publicitária de Marcos Valério, só realizou cerca de 1% do contrato de prestação de serviços com a Câmara dos Deputados, justificando os restantes 99%, para efeito de recebimento, com alegadas subcontratações de empresas.
A investigação que concluiu pela existência desse desvio criminoso foi da Polícia Federal, no seu inquérito sobre o mensalão. Iniciado o julgamento, várias vezes ouvimos e lemos sobre o desvio só possível com o conluio entre a agência e, na Câmara, interessados em retribuição por sua conivência.
O percentual impressionou muito. Mas o desvio não foi de 99%.
O ministro Ricardo Lewandowski, revisor da acusação feita pelo relator e, por tabela, da acusação apresentada pelo procurador-geral, deu-se ao trabalho de verificar os pagamentos feitos pela SMPB, para as tais subcontratações referidas pela acusação.
Concluiu que os pagamentos por serviços de terceiros, alegados pela agência, estavam bastante aquém do apresentado na acusação: cerca de 87% do contratado com a Câmara.
Como admitir que um inquérito policial apresente dado inverídico, embora de fácil precisão, com gravíssimo comprometimento das pessoas investigadas?
E como explicar que o Ministério Público, nas pessoas do procurador-geral e dos seus auxiliares, acuse e peça condenações sem antes submeter ao seu exame as afirmações policiais? E o que dizer da inclusão do dado inverídico, supõe-se que também por falta de exame, na acusação produzida pelo relator? Isso já no âmbito das atribuições do Supremo Tribunal Federal.
O erro de percentual está associado a outro, de gravidade maior. Assim como não houve os 99%, não houve a fraude descrita na acusação, ao que constatou o ministro revisor.
Os pagamentos às supostas empresas subcontratadas foi, de fato, pagamento de publicidade institucional da Câmara de Deputados nos principais meios de comunicação, com o registro dos respectivos valores. O percentual gasto foi adequado à média de 85% citada por publicitários ouvidos para o processo.
Faltasse a verificação feita pelo revisor Lewandowski, o dado falso induziria a condenações -se do deputado João Paulo Cunha, de Marcos Valério ou de quem quer que fosse já é outro assunto.
Importa é que, a ocorrer, seriam condenações injustas feitas pelo Supremo Tribunal Federal. Por desvio de veracidade.
Uma das principais qualidades da democracia é o julgamento que tanto pode absolver como condenar, segundo os fatos conhecidos e a razão. É o que o nosso pedaço de democracia deve exigir do julgamento do mensalão.

As Fatias do Ministro

As Fatias do Ministro

As Fatias do Ministro

Por Marcos Coimbra
Deixando as tecnicalidades jurídicas para os técnicos, o que ressalta da decisão do relator do processo do mensalão no Supremo, o ministro Joaquim Barbosa, de “fatiar” seu voto é que ele desconfia da tese central da denúncia.
E, como seus pares resolveram segui-lo, parece que todos têm dúvidas, no mínimo, semelhantes às dele - senão maiores.
O fulcro da denúncia da Procuradoria-Geral da União é que, entre 2004 e 2205, teria  existido uma “quadrilha” de 40 pessoas (número idêntico à de Ali Baba por uma simples coincidência - e não por jogada marqueteira de gosto duvidoso), que agiria em conjunto na compra (e venda) de parlamentares para obter apoio político para o governo Lula.
Esse seria o comportamento que justificaria considerá-la responsável pelo “maior escândalo político de nossa história”, como não se cansou de repetir a chamada “grande imprensa”.
Os integrantes “ativos” da quadrilha arranjariam ilicitamente recursos para dar aos deputados. Em troca, esses votariam seguindo a orientação do governo nos momentos que determinasse. De forma a que tudo funcionasse adequadamente, haveria ainda integrantes especializados em azeitar a operacionalização do esquema.
Como toda “quadrilha” que se preza, ela teria um “chefe” e apenas um. Sob seu comando, todos os membros atuariam para alcançar um único fim.
Se todos os acusados não tivessem participado do mesmo complô, como falar de uma só “quadrilha”? Como chamar a todos de “mensaleiros” - o neologismo pejorativo que a “grande imprensa”  inventou para destacá-los - se tivessem feito coisas diferentes, desarticuladas dos atos dos outros?
E se alguns tivessem cometido irregularidades menos graves, sem impacto relevante nas instituições, o que estariam fazendo no “julgamento do mensalão”? Na solenidade da mais alta Corte, não deveria haver lugar para bagrinhos. Só os peixes grandes mereceriam a distinção.
Quando Joaquim Barbosa resolveu “fatiar” o julgamento, estava implícito que entendia que era preciso tratar desigualmente o que é desigual.
Sem discutir o mérito de seu voto relativo à “fatia” onde está o deputado João Paulo Cunha - que é, aliás, amplamente discutível, como o mostrou o revisor, Ricardo Lewandowski, que o rejeitou na íntegra  - o que o ministro fez foi raciocinar como se não existisse uma “quadrilha”. Percebendo que seria absurdo condenar o ex-presidente da Câmara dos Deputados por integrar a tal “quadrilha do mensalão”, considerou-o culpado por ter beneficiado uma empresa privada para obter vantagem pessoal.
Na opinião do relator, ele teria recebido R$ 50 mil para destinar uma conta de publicidade de R$ 11 milhões para a agência de publicidade de Marcos Valério.
E que relação isso teria com o “tenebroso complô” arquitetado pelo “chefe da quadrilha”?
Nenhuma.
Daí a ideia de “fatia”. Que daria algum nexo ao amontoado de situações díspares e mal integradas que a denúncia juntou. Ou seja, o relator admite que a tese central da Procuradoria-Geral é fraca, mas tenta salvá-la, propondo que suas partes desconjuntadas sejam vistas como “fatias”.
E no caso do ex-diretor do Banco do Brasil? O que estariam fazendo no Supremo os acusados de ilícitos nessa “fatia”? Nenhum tem foro privilegiado, nenhum ocupou cargo público. Se suas condutas estão sendo julgadas em separado, por que lhes negar o direito a um processo normal, que se inicia na primeira instância?
E desde quando é atribuição do Supremo Tribunal Federal discutir questões como as que constam dessa “fatia”?
De “fatia” em “fatia”, o que o ministro relator está fazendo é concordar que a “quadrilha” nada mais é que uma construção artificiosa. Só com muita imaginação e pouca lógica é possível vê-la.
De tanto recortar, vai acabar fazendo como a cozinheira. Quando termina de descascar a cebola, constata que não há nada dentro dela.

As razões de Lewandowski, por Merval Pereira - Ricardo Noblat: O Globo

As razões de Lewandowski, por Merval Pereira - Ricardo Noblat: O Globo

As razões de Lewandowski, por Merval Pereira

Merval Pereira, O Globo
“Sou juiz há 22 anos, professor titular da Universidade de São Paulo, tenho uma história, vou julgar de conformidade com os autos, vou absolver alguns, condenar outros vários.” Quem diz isso ao telefone é o ministro Ricardo Lewandowski, revisor do processo do mensalão, um dia após ter sido criticado, inclusive por mim, pelo voto absolutório dado ao ex-presidente da Câmara, o petista João Paulo Cunha.
Ele telefonou para esclarecer um ponto específico de seu voto, apenas para que eu não repetisse a informação errada: “Eu iria fazer meu voto por ordem da denúncia, assim como foram feitas as sustentações orais, e não por ordem alfabética como você escreveu já duas vezes.”
Lewandowski revela então que começaria pelo ex-ministro José Dirceu, depois pegaria o núcleo político. “É um processo extremamente complexo, ninguém é perfeito, pode ter erro, mas estou procurando fazer o melhor possível.”
Nenhuma queixa pelas críticas que tem recebido: “A democracia é isso, a liberdade de imprensa é isso, eu aqui sempre defendi com unhas e dentes a liberdade de imprensa, fui contra a Lei de Imprensa, contra o diploma de jornalista.”
Ele apenas admite que se “aborreceu um pouco” com a mudança de metodologia de apresentação do voto, pois trabalhou “durante meses e meses com uma certa lógica” e de repente “peguei meu voto e tive que cortar”.
Como é professor universitário, e não só fez várias teses como participou de várias bancas, Lewandowski gosta de frisar que é “muito cioso” sobre “a questão da lógica, da correção doutrinária, da citação bibliográfica correta”.
Com a mudança de metodologia, ele diz que, juntamente com sua equipe, está trabalhando quase todo dia até meia-noite. Mas ele ressalta que, “se há três juízes aqui mais chegados, mais próximos, somos eu, o Joaquim (Barbosa) e o (Ayres) Britto. Agora uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. São teses que nós defendemos”.
Talvez tenha tréplica na reunião de segunda-feira, talvez não, desconversa. E explica porque o raciocínio que valeu para condenar Henrique Pizzolato não valeu para Cunha. “A questão do João Paulo Cunha tem nuances, e você vai ver que cada réu que é acusado de lavagem de dinheiro, dentro das circunstâncias específicas em que ele sacou, vai ter uma solução”, explicou, reforçando a ideia que já antecipara no julgamento quinta-feira, quando ressaltou que, ao contrário de outros réus, que enviaram até garçons e contínuos para pegar o dinheiro, Cunha havia mandado a própria mulher, o que a seu ver demonstra que agira às claras.
“Cada caso é um caso que vou me reservar a estudar.” Em outros casos, diz, pode haver o dolo eventual, a pessoa tinha que ter desconfiado que o dinheiro poderia ser ilícito.
Lewandowski diz que procura ser “muito coerente, na idade que a gente tem, é preciso poder dormir bem com o travesseiro, por que, se não, fica complicado”. Ele lembra que há 22 anos, quando entrou na alçada criminal e começou a condenar, “não dormia direito”, e ressalta que “a única salvação de um juiz é se ater à técnica”.
O caso de Cunha pode caracterizar “um outro crime”, mas alega que isso “não está na denúncia”. Nesse caso, afirma ele, “me pareceu que, embora o dinheiro tivesse vindo da SMP&B, em sendo um crime eventualmente eleitoral (também não estou afirmando isso), não ficou caracterizada a lavagem do dinheiro”.
Pode ser crime eleitoral, ou até tributário, mas, no entender de Lewandowski, não se encaixou naquele tipo de lavagem, “e os tipos penais são muito estritos, e não se pode inventar em matéria penal porque, se não, vamos viver num estado arbitrário, e o juiz está muito jungido, adstrito ao tipo penal”.
Lewandowski diz que “houve crimes graves, e quem os cometeu vai ter de pagar mesmo”. Nos casos divergentes, como o de Cunha, em que ele absolveu, e o relator Joaquim Barbosa condenou, “o plenário vai dizer, e o plenário tem sempre razão”.
De minha parte, mesmo ele não tendo reclamado, depois da conversa franca e educada com o ministro Ricardo Lewandowski, espero ter me precipitado ao afirmar que ele agia assim para ajudar os réus políticos, especialmente os petistas.
Vamos aguardar para ver como o ministro revisor distribuirá sua justiça

sábado, 25 de agosto de 2012

Jorge Hage, da CGU: “Corrupto rico não vai preso no Brasil”

Jorge Hage, da CGU: “Corrupto rico não vai preso no Brasil”

Jorge Hage, da CGU: “Corrupto rico não vai preso no Brasil”



Corrupção. Esse segue sendo o tema, a novela. Seja no julgamento no Supremo, onde quatro dos 38 réus já começaram a ser condenados, seja nessa enganação, ao menos por enquanto, que é a CPI do Cachoeira; essa que faz de conta que vai pegar, mas não pega.
Falemos então da corrupção no Brasil. Há 7 anos, a Controladoria Geral da União, a CGU, fiscaliza o uso de dinheiro federal em cidades com menos de 500 mil habitantes. Até hoje, 23 de agosto, foram investigadas 2001 cidades, o que significa 35,9% dos mais de 5.600 municípios do país. Uma gigantesca pesquisa. Resultados no uso de R$ 17 bilhões e 200 milhões nestes 7 anos: corrupção, da grossa, em 20% do Brasil. E problemas que incluem incompetência, despreparo, mau uso das verbas públicas etc., em 80% das cidades investigadas no país.
Detalhe: isso só em relação às verbas federais, apenas imaginando o que se passa com o granário estadual e municipal. E só nos municípios com menos de 500 mil habitantes.
Por corrupção, nos últimos sete anos, foram demitidos 3 mil e 800 funcionários federais e 2.367 empresas foram consideradas inidôneas. Outras 1.475 empresas estão suspensas de um cadastro que vai se tornando nacional, assim como 1.200 ONGs. Todas essas empresas e ONGs não podem mais receber dinheiro público.
Sonegação e evasão fiscal: a Transparência Brasil diz não existirem números confiáveis nesse cenário.
Números confiáveis levantou Everardo Maciel, que foi secretário da Receita Federal nos governos FHC. Com base no recolhimento da CPMF no ano de 1998, Everardo estimou em 32% o não pagamento de impostos no Brasil. Admitindo-se que uma porção disso tivesse base, brechas legais para escapar dos impostos. 
No ano 2000, e também a partir do rastreamento da CPMF, o ex-secretário da Receita encontrou o não pagamento de impostos na casa dos 29%. Nos Estados Unidos, uma média de 18%.
Portanto, diante de tanta obviedade, desconfie quando alguém vier com o papinho fácil e hipócrita de apontar apenas o corrupto da ocasião; sempre o outro, o vizinho, claro. A encrenca é muito maior, mais ampla, mais disseminada e mais profunda do que isso. 
Para tentar entendê-la melhor, trechos de uma conversa com Jorge Hage. Ele é o homem que dirige a CGU e há 7 anos investiga as cidades do Brasil com sua equipe de auditores; isso numa ação coordenada com vários outros órgãos do Estado brasileiro: Receita Federal, polícias, Ministério Público, COAF, Tribunal de Contas…
Perguntado sobre qual seria, hoje, a principal causa da corrupção no Brasil, Jorge Hage responde:
- Não tenho dúvidas. O financiamento de campanhas políticas e de partidos políticos… 
Sobre quem mais se avança no dinheiro público:
- Isso é indiscriminado… é feito de vereador para cima, feito por todos os grandes partidos e por quase todos os partidos, e em todos os estados do país…
Por que fazem assim, qual seria um dos indutores dessa disseminação da corrupção? Resposta:
- O financiamento de políticos e de campanhas por parte das empresas é altamente concentrado e pouquíssimo transparente…
(Hage tem sugestões para enfrentar esse e outros aspectos da questão, mas esse é um trecho da conversa para mais adiante).
Para o Controlador Geral da União, o Judiciário segue sendo fator preponderante no sistema que permite a impunidade. Jorge Hage resume assim a resultante disso tudo:
- Um rico… um réu com dinheiro, um corrupto rico não vai preso no Brasil. Ou a pena prescreve, ou quando sai a condenação, dez, vinte anos depois, o sujeito já morreu…
(Ressalva do diretor da CGU: o julgamento do chamado "mensalão" só está se dando num prazo tão próximo dos eventos porque um fator, o foro privilegiado de alguns dos 38 réus, arrastou todo o processo para o Supremo Tribunal Federal).

Balde de água fria - Comentário para o programa radiofônico do OI, 24/8/2012 | Observatório da Imprensa | Observatório da Imprensa - Você nunca mais vai ler jornal do mesmo jeito

Balde de água fria - Comentário para o programa radiofônico do OI, 24/8/2012 | Observatório da Imprensa | Observatório da Imprensa - Você nunca mais vai ler jornal do mesmo jeito

Balde de água fria

Por Luciano Martins Costa em 24/08/2012 na edição 708
Comentário para o programa radiofônico do OI, 24/8/2012

O Estado de S. Paulo é o primeiro jornal a admitir oficialmente, ainda que de maneira discreta, que pode não ter havido um “mensalão”, ou seja, que o dinheiro supostamente desviado do erário pode ter sido usado para pagar campanhas eleitorais de candidatos que se aliaram à chapa do ex-presidente Lula em seu primeiro mandato, e não para compra de votos.
Assim, o leitor começa sutilmente a ser dirigido para a tese de que os fatos sob julgamento no Supremo Tribunal Federal teriam relação com a prática do “caixa 2”, e não com o pagamento sistemático de propina para que parlamentares apoiassem as iniciativas do governo no Congresso.
O editorial de sexta-feira (24/8) do jornalão paulista não poderia ser mais claro, ainda que escrito em forma de elipse, ao se referir a “pagamentos prometidos pelo PT a políticos de outras legendas ainda na campanha presidencial, em troca de apoio a seu candidato”.
O jornal admite que os empréstimos milionários obtidos pelo publicitário Marcos Valério poderiam ser destinados a pagar esses compromissos de campanha, e não para remunerar parlamentares pelos seus votos em favor do governo, tese que deu origem ao nome “mensalão”.
Volume de verbas
Evidentemente, ainda assim, comprovados esses fatos no final do julgamento em curso, trata-se de crime cujos autores deverão ser apontados na sentença final dos ministros do STF.
Claro que, comprovados os desvios de dinheiro do Banco do Brasil e de outras fontes, para o esquema de Valério e daí para parlamentares e outros agentes envolvidos nas campanhas eleitorais, ainda assim estaremos diante de um crime grave, que revela a fragilidade do sistema eleitoral no Brasil.
No entanto, o voto do ministro revisor, Ricardo Lewandowski, em sua segunda apreciação das “fatias” em que foi dividido o processo pelo relator, deixa claro que o Supremo Tribunal Federal não vai decidir, necessariamente, conforme a receita que vem sendo prescrita pela imprensa há sete anos.
O editorial do Estadão afirma que o “mensalão” – expressão que deixa de ter sentido se for comprovada a hipótese que o próprio jornal acaba de admitir – “foi a ponta de um iceberg de proporções ainda por medir”.
Errado: é relativamente fácil medir esse iceberg – ele tem exatamente o tamanho do total das verbas usadas em cada campanha eleitoral, porque todo dinheiro doado a candidatos acaba revertendo em benefício para o grande doador, especialmente o de “caixa 2”, se o candidato for eleito.
E isso é história antiga: já no ano de 1952, segundo relatou a revista Época e comentou este observador na primeira semana de junho passado (ver “Um retrato do Brasil”), as 600 páginas do relatório de uma CPI que investigou o desvio de dinheiro do Banco do Brasil para campanhas eleitorais desapareceram da Câmara dos Deputados, no Rio. A CPI acusava o então ministro da Fazenda, Horácio Lafer, e o presidente do Banco do Brasil na ocasião, Ricardo Jaffet, além de empresários, políticos e militares, de formarem uma quadrilha que desviava recursos do banco estatal para campanhas eleitorais.
O processo desapareceu, ninguém foi punido e Lafer e Jaffet viraram nomes de avenidas.
“Caixa 2” é a regra
A impunidade histórica não pode, porém, justificar qualquer tentativa de minimizar a gravidade dos crimes envolvendo dinheiro de campanha, e o escândalo produzido em torno do caso que está sob julgamento no STF deveria ajudar a formar na sociedade uma consciência em torno da responsabilidade do voto de cada um.
Com relação à imprensa, quanto mais rápida e engajadamente ela se aproximar da verdade maior será sua contribuição para que o sistema eleitoral seja aperfeiçoado.
Assim, se há evidências de que o presente caso não se referiu ao pagamento de propinas mensais em troca de votos no Parlamento, como começa a admitir o Estadão, será maior a credibilidade das informações trazidas pela imprensa quanto mais claramente ela se abrir a outras possibilidades.
Mas os sinais são outros: o voto do ministro revisor, Ricardo Lewandowski, inocentando o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP), caiu como um balde de água fria sobre os jornais. As reações foram diversas: desde a do colunista do Globo, que acusou o ministro de votar “sem nexo”, até as do Estadão e da Folha, que oferecem uma seleção especialmente agressiva de cartas de leitores contra o ministro revisor, o comportamento dos jornais é semelhante ao de crianças que não podem ser contrariadas.
Imagine-se, então, qual será o tom das edições se a Suprema Corte condenar apenas um ou outro operador do sistema, deixando claro que todo esse escândalo é parte da rotina de todas as eleições, e que o “caixa 2” é a regra nos comitês de campanha de todos os partidos.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Gostaria que, em cada quarteirão, houvesse uma área verde

Gostaria que, em cada quarteirão, houvesse uma área verde

Gostaria que, em cada quarteirão, houvesse uma área verde



“Vou preservar todas as igrejas, regularizando a situação delas, e gostaria que, em cada quarteirão, houvesse uma igreja pregando o amor ao próximo”, afirmou Celso Russomanno (PRB), primeiro colocado nas pesquisas de intenção de voto à Prefeitura de São Paulo, durante o ciclo de sabatinas UOL/Folha nesta quarta (22). “As pessoas não matam ou roubam porque a lei proíbe, mas porque têm uma linha religiosa. Existe igreja porque a população é temente a Deus, porque a população acredita.”
Antes de mais nada: defendo o direito ao livre culto, de qualquer crença, sendo contrário a qualquer forma de limitá-la (desde isso não cause danos ao direitos fundamentais de ninguém).
Eu gostaria que em cada quarteirão houvesse uma escola, uma quadra poliesportiva, um telecentro, um parquinho infantil, uma área verde, meia dúzia de maritacas e um casal de vira-latas caramelo ou um par de gatos bem preguiçosos. Quero espaços de convivência, de discussão, de compartilhamento, para poder conhecer o outro, independentemente se ele acredita em algo ou não, e assim entendê-lo.
Igrejas podem assumir esse papel de mediação, é claro. Mas não será necessariamente por sua natureza religiosa, mas por congregar, no mesmo espaço, gente diferente que estiver disposta a depor as armas e conhecer o que o outro tem a dizer.
Tenho visto cada vez mais candidatos pregarem a elevação do número de igrejas e templos como política pública para o combate a alguma coisa. O discurso de paz presente em parte desses locais contribui, é claro. Ao passo que o comportamento tacanho da bancada evangélica, defendendo projetos que levam à discriminação, no Congresso Nacional distancia.
Não é a fé em alguém que vai impedir que barbáries sejam cometidas, mas uma série de processos que incluem a efetividade da Justiça e a diminuição da desigualdade social. Até porque não sou rebanho para estar ungindo um pastor e sim cidadão que escolhe um prefeito.
Agir conforme as regras de convivência social não tem a ver necessariamente com linha religiosa (pelo contrário, roubar está na estrutura de muita gente que perverte religiões, comprando e vendendo o divino como se fosse camarão seco em barraca de feira). Não quero alguém que aja de forma civilizada porque é temente a algo e, por isso, viva com medo. Mas porque acredita que os outros têm os mesmos direitos para serem felizes que ele porque nasceram iguais em dignidade e compartilham da mesma raça humana.
Vale lembrar que, em nome de uma interpretação deturpada do cristianismo, grandes atrocidades têm sido cometidas. Por exemplo, seguidores de uma pretensa verdade divina taxam o comportamento alheio de pecado e condenam os diferentes a uma vida de inferno aqui na Terra.
Pessoas, como o pastor Silas Malafaia, dizem que não incitam a violência com seus sermões. Não é a sua mão que segura a faca, o revólver ou a lâmpada fluorescente, mas é a sobreposicão de seus argumentos ao longo do tempo que distorce o mundo e torna o ato de esfaquear, atirar e atacar banais. Ou, melhor dizendo, “necessários”, quase um pedido do céu. São pessoas assim que alimentam lentamente a intolerância, que depois será consumida pelos malucos que fazem o serviço sujo. A presença de igrejas não resolve o problema por si. É necessário algo mais.
Coloquemos a culpa na herança do patriarcalismo português, no Jardim do Éden e por aí vai. É mais fácil justificar que somos determinados pelo passado do que tentar romper com uma inércia que mantém homens, ricos, brancos, heterossexuais em cima e mulheres, pobres, negras e índias, homossexuais em baixo. A reflexão, aceitar conhecer o outro e entendê-lo, que é o caminho para a tolerância e para a percepção da própria exploração, é difícil para alguns. É mais fácil seguir a manada, ou melhor, o rebanho.
Não importa em quem vocês votam ou o que defendem para o Brasil, participem do debate, exijam de seus candidatos que mostrem as suas propostas políticas, econômicas, sociais sem tergiversar. Nem só de pão vive o homem – mas nem por isso ele deixa de ser importante. Afinal de contas, isso não é um conclave e sim uma eleição municipal.
Quero que se eleja um prefeito, não um pastor

Lewandovski sob pressão

Lewandovski sob pressão

Lewandovski sob pressão

Quem pensava que o julgamento do mensalão seria um pelotão de fuzilamento já deve estar com as barbas de molho depois do voto de Ricardo Lewandovski.
Você pode pensar o que quiser de Lewandovski. Pode até lembrar que dona Marisa Lula da Silva teve grande influência em sua nomeação para o STF. E pode até achar que isso desqualifica sua escolha e seus votos.
Mas Lewandovski deu um voto claro e bem pensado, com argumentos e com fatos relevantes. Os especialistas dizem isso. Não eu.
Na véspera, ele condenou Henrique Pizzolato, Marcos Valério e outros envolvidos em desvio de verbas do Visanet. Parecia que ontem iria repetir a dose, condenando João Paulo Cunha, que era presidente da Câmara de Deputados e foi acusado por Joaquim Barbosa de um desvio de pelo menos R$ 10 milhões em verbas de publicidade da Câmara de Deputados.
Lewandovski questionou essa acusação com dados obtidos por auditores do TCU. Mostrou que o dinheiro supostamente desviado foi usado aonde deveria e por quem deveria.
Também mostrou dados que sugerem que os 50 000 reais –a única vinculação conhecida de João  Paulo com o esquema de Marcos Valério-Delúbio Soares — que a mulher do deputado foi buscar no Banco Rural foram  usados com despesas de campanha. Citou vários testemunhos para sustentar isso. Citou peritos e se apoiou em vários documentos. Você pode, é claro, duvidar dessa interpretação. Mas é recomendável encontrar fatos para apoiar o que pensa. A tese da acusação é que os 50 000 foram usados como propina para Valério conseguir o contrato de R$ 10 milhões. Verdade? Mentira? Apenas com fatos novos é possível sustentar uma outra visão.
Após o voto de Lewandovski  já  não vale ficar falando que tudo é “pizza” e clamando contra  a impunidade sem que se saiba, com clareza, o que deve ser punido, quem, por que, com base em que.
E agora?
É certo que teremos nova confusão. Depois de deixar a definição do sistema de votação para o plenário, Ayres Britto terá de se haver com um conflito  anunciado. Na segunda feira Barbosa quer responder ao voto do revisor.
Lewandovski, por sua vez, já disse que se houver replica do relator, ele vai querer uma tréplica. E aí ninguém sabe como a coisa vai continuar.
Só é preciso lembrar que vai ficar feio se surgirem tentativas — insinuadas entre comentaristas e observadores do julgamento — interessadas em enquadrar Lewandowski. Já começam a dizer que ele falou demais, que extrapalou…Agora se diz que o papel
de revisor não pode ser contestar o relator, contrapor-se, apresentar outra visão. Conhecemos essa conversinha.
As regras do fatiamento foram apresentadas na última hora para o tribunal. Se outros juizes já tinham conhecimento delas, o próprio Lewandovski deixou
claro que era o último a saber. A defesa fez o possível para convencer Ayres Brito a voltar atrás. A resposta foi um sorriso antes da explicação de que a matéria estava (ou era) preclusa…
Não é conveniente, agora, mudar as regras de novo.Vai ficar feio. Vai dar a impressão de que as regras só servem quando ajudam uma das partes.
E só estamos no primeiro item do voto de Barbosa. São oito. Se tivermos réplicas e tréplicas todas as vezes, vai ser difícil dizer que a defesa é que está fazendo tudo para prolongar o julgamento e impedir um veredito antes das eleições para prefeito.
E os demais ministros, quando começam a votar? Ninguém sabe. E o Cezar Peluso, cuja aposentadoria motivou tantas mudanças no calendário e até no sistema de votação, como fica? Muito menos. Se der empate no final, como fica o voto de Ayres Brito? Votará duas vezes?
Essa é a dura realidade do julgamento. Já tinha sido um  pouco exagerado definir claramente as regras de votação — o fatiamento — quando todos estavam certos de que seria um debate convencional, com o ponto de vista do relator, depois do revisor e assim por diante.
O voto de Lewandovski foi importante por causa do conteúdo. Mostrou que é possível apontar fragilidades na denúncia.
Deixou claro que a tese da “organização criminosa” que comandava uma rede de assalto ao Estado, com seus núcleos e uma divisão de trabalho de estilo mafioso é muito fácil de descrever mas difícil de demonstrar com provas consistentes. É fácil falar em “compra de consciência” para quem acredita que todos os políticos são corruptos.
Mas é difícil sustentar que isso aconteceu quando as pessoas têm o direito de se defender, de dar sua versão e usufruir de todas as garantias de um regime democrático. São centenas de testemunhas que negam a denúncia. Não custa lembrar. Há muito tempo a testemunha principal parou de dizer aquilo que disse.
Lewandovski foi ouvir o outro lado, foi perguntar aquilo que ninguém sabia e não queria saber.
Não inocentou ninguém por princípio. Tanto que na véspera ele deu um voto igual ao do relator.
Mas ele deixou claro que enxerga  a denúncia  de uma forma mais sofisticada, diferenciada, numa visão que se encaminha para negar que todos estivessem envolvidos na mesma atividade, fazendo as mesmas coisas, porque todos fariam parte de  uma “organização criminosa, “sob comando de um “núcleo político”, e outros “núcleos” estruturados e organizados. É claro que Lewandovski enxerga o crime, o roubo, a bandalheira. Mas sabe que há casos em que é legítimo falar em corrupção. Em outros, há crime eleitoral.
Mas não quer fingir que tem o domínio de fatos que não conhece por inteiro. Por isso ele diferencia a “verdade processual”, aquela que se pode conhecer, da “Verdade,” aquela que se pode até imaginar, conceber, descrever, mas não cabe nos autos.
Vamos falar de vida real.
É complicado imaginar que José Dirceu e Luiz Gushiken pudessem participar de uma mesma organização. Mesmo quem quer acreditar que  ambos são personagens sem uma gota de escrúpulo —  é uma hipótese — deveria saber que é difícil imaginar que os dois pudessem ficar mais de 5 minutos em qualquer tipo de organização, mesmo que fosse uma inocente tropa de escoteiros – muito menos uma quadrilha, que exige um grau de confiança, de intimidade e lealdade que os dois nunca tiveram. Eles passaram boa parte da vida pública, da campanha e do governo  conspirando um contra o outro, falando mal um do outro, disputando e até se sabotando. Como é que poderiam se unir para uma ação comum, clandestina, arriscadíssima? Como é que o Gushiken, aliado e padrinho de Palocci no início do governo, iria subordinar-se a Dirceu, adversário e concorrente?
A visão que  ignora as verdades duras da política   não combina com essa denúncia. É coisa de quem pretende acreditar que todos são criminosos comuns, 100% despolitizados.
Voltando a Lewandovski. Ele deixou claro que, para acreditar na tese de que Joáo  Paulo desviava recursos públicos da Câmara – isso é sempre importante para caracterizar corrupção – seria preciso acreditar que ele envolveu as principais empresas de comunicação do país nessa empreitada.
Se fossem verdadeiras, as célebres falsas despesas que teria declarado para desviar dinheiro envolviam os principais grupos de midia do país, as emissoras de maior audiência, os jornais de maior circulação e etc. Imagine o surrealismo: os mesmos grupos que faziam a denúncia   do mensalão durante o dia estariam se locupletando com Joáo Paulo à noite pelo mesmo crime que denunciavam. Me desculpem.  Se isso fosse verdade, o  “maior escândalo da história” teria de ser chamado de “mensalão do português”, com todo respeito, apenas como uma homenagem aos tempos em que nossos humoristas se vingavam de nossa experiência colonial. Mais uma vez, está tudo lá, com recibo, perícia e assim por diante. Ou seja: ao menos neste caso não houve desvio, nem terceirização suspeita. Os veículos de comunicação receberam pagamentos legítimos para veicular publicidade definida em campanhas da Câmara. Ponto. Parágrafo.
O voto de Lewandovski tem a modéstia de quem admite que está diante de uma realidade mais complexa e compreende que ela só é compreensível  a partir de uma visão sofisticada, sem simplismos nem frases de efeito. Não sei qual efeito seu voto terá sobre os demais ministros. Também não faço ideia de seu posicionamento nos próximos itens do julgamento.
Mas está na cara que sua intervenção, que teve de ser  reescrita à última hora para se adaptar as regras a que só foi apresentado  com o debate  já em andamento, representou uma contribuição lúcida ao debate.  Ninguém precisa estar de acordo com ele. O julgamento só começou e ainda há muito para ser debatido. Algumas das vozes mais experientes da casa sequer se posicionaram e terão muito a dizer.
Mas acredite: todos terão a  ganhar com isso.

'Meu pai já foi condenado, destruíram a imagem dele' — Portal ClippingMP

'Meu pai já foi condenado, destruíram a imagem dele' — Portal ClippingMP

Quem calcula os custos do automóvel nas cidades? — Portal ClippingMP

Quem calcula os custos do automóvel nas cidades? — Portal ClippingMP

Quem calcula os custos do automóvel nas cidades?

Autor(es): Washington Novaes
O Estado de S. Paulo - 24/08/2012
 

Parece inacreditável, mas o alarme vem das montadoras de automóveis - as mais interessadas em vender seus produtos. Texto de Cleide Silva na edição de 13/8 deste jornal informa que o "excesso de automóveis (mais 80 milhões de veículos no mercado global este ano) já preocupa as montadoras no mundo" e por isso "o trânsito nas megacidades leva fabricantes a incentivar debate sobre saída para o caos". Nesta mesma hora, o tema mal chega às campanhas para as eleições municipais no Brasil. E em São Paulo, embora documentos da Prefeitura mencionem a possibilidade de instituir a cobrança do pedágio urbano e haja até projeto a esse respeito na Câmara Municipal (Estado, 1.º/8), não há intenção concreta de avançar nesse rumo neste final de gestão.
Professor universitário especialista na matéria, trazido por uma das montadoras, o alemão Michael Schrekenberg impressionou-se com o caos paulistano e chegou a sugerir inspeções rigorosas de veículos para evitar quebras e interrupções no trânsito, controle das emissões de poluentes, ampliação dos acostamentos, criação de faixas exclusivas para carros com mais de uma pessoa, "trens para ligar regiões da metrópole às periféricas".
As soluções, entretanto, terão de ser rápidas. São Paulo já tem frota de mais de 7,2 milhões de veículos, dos quais 3,8 milhões circulam diariamente. E não há regras para motocicletas. Este ano ficará na capital paulista grande parte dos mais de 3,6 milhões de veículos vendidos no País. O documento da Prefeitura que menciona o pedágio urbano em 233 quilômetros quadrados do centro expandido, com tarifa de R$ 1 (em Londres é de R$ 25), convive com outro da Secretaria de Transportes que prevê para isso investimento de R$ 15 milhões, assim como a construção de três garagens subterrâneas (na gestão municipal de Jânio Quadros, há décadas, foi prevista a construção de 12 garagens subterrâneas, mas só duas foram construídas).
Muito pouco para uma cidade onde a frota cresceu 3% (213,2 mil veículos) em um ano e para um Estado já com 23,5 milhões (1,31 veículo por habitante em São José do Rio Preto, 1,34 em Araçatuba, 1,39 em Ribeirão Preto, 1,41 em Jundiaí, segundo a CartaCapital em 31/7). Uma fila única dos veículos da capital teria mais de 20 mil quilômetros de extensão (Estado, 7/8), embora a rede viária local tenha apenas 17 mil quilômetros. A cidade perde R$ 55 bilhões anuais com congestionamentos, diz a Fundação Getúlio Vargas. No segundo semestre do ano passado, eles atingiram 226,2 quilômetros em um dia. Este ano baixaram para 184,8 (Estado, 9/8). Tecnologias como GPS, imagens de satélites e outras são cada vez mais comuns entre motoristas. Já os agentes municipais de trânsito só têm os próprios olhos para observar menos de 200 das 15 mil vias públicas (15/8). Apesar dos dramas, o Diário Oficial chegou a publicar texto desaconselhando o uso de bicicleta (12/7), alternativa que só cresce em tantos países.
Também fora daqui, a China - que já tem problemas graves com trânsito - implantou 20 mil milhas de vias expressas e 12 rodovias nacionais. Só em Xangai foram 1.500 milhas. Não por acaso, o país já é o maior produtor de carros. E sabe que até 2025 terá de pavimentar 5 bilhões de metros quadrados de rodovias (Foreign Policy, 17/8); até 2025, nada menos que 64% de sua população estará nas cidades (48% em 2010); 22 cidades terão mais de 1 milhão de habitantes. Sua frota de veículos poderá subir para 600 milhões em 2030.
Seria interessante que nossos planejadores/gestores lessem, por exemplo, documentos como A bicicleta e as cidades, do Instituto de Energia e Meio Ambiente (2010), que aponta problemas cruciais. "Prevalece", diz esse texto, "a visão de que a cidade pode expandir-se continuamente e desconsideram-se os custos de implantação de infraestrutura necessária para dar suporte ao atual padrão de mobilidade, centrado no automóvel, cujos efeitos negativos são distribuídos por toda a sociedade, inclusive entre aqueles que não possuem carros". Entre os custos, a degradação da qualidade do ar (e seus reflexos nos custos da saúde pública, 5,9% dos orçamentos públicos), a contribuição para o aquecimento global, os desastres no trânsito. Hoje 70% do espaço público já é destinado ao transporte (há poucos anos a Associação Nacional de Transportes Terrestres mencionava 50%), embora apenas de 20% a 40% dos habitantes usem automóveis. As estatísticas do estudo dizem que 38,1% dos deslocamentos diários nas regiões metropolitanas brasileiras são feitos a pé; se forem considerados trajetos feitos em até 15 minutos, os deslocamentos sem automóveis sobem para 70%. Nas regiões metropolitanas como um todo, os deslocamentos em automóveis situam-se em 27,2%; em coletivos, 29,4%; a pé, 38,1%; em motos, 2,5%. E o transporte público no Brasil está em 50% do total, enquanto na Europa chega a mais de 80% (mas nos Estados Unidos a apenas 5%).
Outra consequência nefasta da ocupação do espaço público pelas estruturas viárias - avenidas, túneis, viadutos, etc., nas áreas centrais -, diz o documento, é forçar os habitantes a mudar-se para outras áreas habitáveis, o que, por sua vez, gera a necessidade de urbanização dessas novas áreas - com a pletora de custos que isso implica.
Das questões globais (aquecimento) às econômicas, sociais (injustiça com os setores sociais mais desfavorecidos e taxados pesadamente pelos custos), culturais, fiscais (isenção ou redução de impostos para veículos, sem nenhuma contrapartida), etc., tudo está envolvido nas questões do transporte, já que mais de 80% da população brasileira hoje é urbana. Não precisamos esperar que o drama se agrave, com a frota atual de veículos no País passando dos 37 milhões atuais para 70 milhões no fim desta década. Por mais complicada que seja, essa é uma tarefa para hoje.
Até as montadoras de veículos já sabem disso.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

RICHARD STALLMAN MOSTRA EM ‘OS PERIGOS DOS E-BOOKS’ QUE LIVRO DE PAPEL E LIVRO DIGITAL SÃO DUAS TECNOLOGIAS TOTALMENTE DIFERENTES

RICHARD STALLMAN MOSTRA EM ‘OS PERIGOS DOS E-BOOKS’ QUE LIVRO DE PAPEL E LIVRO DIGITAL SÃO DUAS TECNOLOGIAS TOTALMENTE DIFERENTES

RICHARD STALLMAN MOSTRA EM ‘OS PERIGOS DOS E-BOOKS’ QUE LIVRO DE PAPEL E LIVRO DIGITAL SÃO DUAS TECNOLOGIAS TOTALMENTE DIFERENTES

O Perigo dos Ebooks – Richard Stallman

Para Stallman, e-book é uma espécie de Big Brother
Com livros impressos:
· Você pode comprar um com dinheiro anonimamente.
· Então você se torna proprietário dele.
· A você não é exigido assinar uma licença que restringe seu uso.
· O formato é conhecido, e nenhuma tecnologia proprietária é exigida para você ler o livro.
· Você pode doar, emprestar ou vender o livro para alguém.
· Você pode, fisicamente, escanear e copiar o livro, e isso será legal em alguns casos, considerado o copyright.
· Ninguém tem o poder de destruir o seu livro.
Compare isso com os ebooks da Amazon (que são bastante típicos)
· A Amazon exige que os usuários se identifiquem para obterem um livro.
· Em alguns países, a Amazon afirma que o usuário não é o proprietário do livro.
· A Amazon exige que o usuário aceite uma licença restritiva para utilizar o livro.
· O formato do livro é secreto, e somente um software proprietário e restritivo para o usuário pode permitir sua leitura.
· Um tipo de “empréstimo” é permitido para alguns livros, por um tempo limitado, e somente para usuários especificados pelo nome, que utilizem o mesmo leitor de ebooks. Doações e vendas não são permitidas.
· Copiar um ebook é impossível devido às restrições impostas pelo Gerenciamento de Restrições Digitais (DRM) no sistema e proibido pela licença concedida, o que é mais restritivo que a lei de copyright.
· A Amazon pode remotamente deletar o ebook do usuário utilizando um artifício de software que se encontra no ebook. Isso aconteceu em 2009 quando deletou milhares de copias do livro de George Orwell, 1984.
Basta apenas um desses itens acima para tornar esses ebooks um retrocesso em relação aos livros impressos. Nós devemos rejeitar ebooks que nos negam liberdade.
As companhias de ebooks dizem que nos negar nossas liberdades tradicionais é necessário para que possam continuar a ter recursos para pagarem aos autores. O sistema atual de copyright tem um papel lamentável em relação a isso, é muito mais voltado para apoiar as companhias do que o usuário. Nós podemos dar apoio aos autores de outras formas que não imponham restrições à nossa liberdade, e que também legalizem o compartilhamento de livros. Dois métodos que eu sugeri, são os seguintes:
· Distribuir recursos dos impostos para os autores com base na raiz cúbica de suas popularidades (http://stallman.org/articles/internet-sharing-license.pt.html).
· Projetar leitores de ebooks de tal maneira que os leitores possam enviar anonimamente pagamentos voluntários.
Ebooks não precisam ameaçar a nossa liberdade (os ebooks do projeto Gutemberg não a ameaçam). Mas eles ameaçarão se as companhias assim o decidirem. Depende de nós evitarmos isso. A luta já começou. (Economia  e Informação)

ÉPOCA – Paulo Moreira Leite

ÉPOCA – Paulo Moreira Leite
O desagravo de Ricardo Lewandovski a Luiz Gushiken deve servir de advertência a quem acompanha seriamente a denúncia do mensalão. O ministro foi além de Joaquim Barbosa e do procurador Roberto Gurgel, que pediram a absolvição de Gushiken por falta de provas.
Lewandovski disse que o ex-ministro deveria ser proclamado inocente.
Na verdade, a única base da denúncia contra Gushiken desapareceu há muito tempo. Responsável pelo marketing do Visanet, centro dos desvios para Marcos Valério, Henrique Pizzolato disse que recebera ordens de Gushiken ao depor na CPMI dos Correios. Mais tarde, depondo na Justiça, Pizzolato se retratou e disse que faltara com a verdade. Admitiu, como Lewandovski recordou no julgamento, que fora pressionado, sentiu medo e ficou  confuso durante a CPMI.
Todos sabiam disso  e assim mesmo Gushiken foi indiciado.  Quando os  advogados de Gushiken protestaram contra a falta de qualquer prova, a resposta é que, se ele fosse mesmo inocente,  acabaria absolvido mais tarde.
Homens públicos devem ter uma pele dura e grossa para enfrentar ataques inevitáveis.  Concordo. A coisa é um pouco mais séria, porém.
Gushiken passou os últimos sete anos com a vida revirada pelo avesso. Teve até contas de um jantar em São Paulo examinadas pelo TCU e divulgada pelos jornais, naquele tom de suspeita – e preconceito – de quem se permite  identificar sinais de deslumbramento e novo riquismo em todo cidadão que entrou na vida pública pela porta de serviço das organizações populares, em seu caso, o movimento sindical.  Até a marca de vinho era tratada como esbanjamento.  Certa vez, uma diária de hotel, a preço médio, foi  publicada como se fosse gasto exagerado, seguindo a máxima do baixo jornalismo  de que nenhuma publicação  perde dinheiro quando aposta na ingenuidade de seus leitores.
Uma revista  publicou uma reportagem onde as palavras de Pizzolato a CPI eram tratadas como verdade factual. Gushiken resolveu acionar a publicação cobrando uma indenização. Foi tratado como inimigo da liberdade de imprensa, claro. Perdeu a causa.
Falando sobre o mensalão e sobre a pressão sobre a justiça, Luiz Flávio Gomes, antigo juiz e estudioso da profissão, escreveu recentemente sobre o mensalão:
“Muitos juízes estão sendo estigmatizados pelo populismo penal midiático e isso coloca em risco, cada vez mais, a garantia da justiça imparcial e independente. O risco sério é a célebre frase ’Há juízes em Berlim’ (que glorifica a função da magistratura de tutela dos direitos e garantias das pessoas frente aos poderes constituídos) transformar-se num vazio infinito com a consequente regressão da sociedade para a era selvagem da lei do mais forte, onde ganha não a justiça, sim, quem tem maior poder de pressão. “
Conheci Alceni Guerra, deputado do PFL do Paraná, alvo de denúncias furiosas durante o governo Collor. Quando se descobriu que nada se podia provar contra ele, Alceni foi inocentado e tornou-se um símbolo da precipitação e da falta de cuidado. Não aguardou sete anos. Os mesmos veículos que divulgaram denuncias contra ele fizeram questão de retratar-se, talvez porque Alceni, um raro exemplar de político  conservador com consciência social – votou vários benefícios  na Constituinte – representava forças que se pretendia preservar e recompor assim que fosse possível, após  o impeachment de Collor.
Havia duas razões especiais  para manter Gushiken no centro da acusação, mesmo depois que ficou claro que nada havia de concreto contra ele. Uma causa era política. Com uma ligação histórica com Lula, que lhe deu um posto estratégico na coordenação da campanha de 2002, manter a acusação era uma forma de manter a denúncia perto do presidente.
Ajudava a incluir um membro do primeiro escalão naquilo que o procurador” geral chamou de “quadrilha”e “organização criminosa.“
Considerando que José Dirceu, o outro acusado com patente ministerial, só foi denunciado  por uma testemunha especialista em auto-desmentidos como Roberto Jefferson, a presença de Gushiken dava um pouco de tonelagem a história, concorda?
Outro motivo é que Gushiken foi um adversário irredutível das pretensões do banqueiro Daniel Dantas em manter o controle da Brasil Telecom, graças a um acordo de acionistas que lhe dava um poder de mando incompatível com sua participação como acionista. E aí nós chegamos a um aspecto muito curioso sobre aquilo que o juiz Luiz Flavio Gomes chamou de populismo penal midiático.
Está provado que Daniel Dantas participou do esquema Marcos Valério. Não foram somente os 3,6 milhões de reais. O inquérito do delegado Luiz Zampronha, da Polícia Federal, mostra que, sob controle de Daniel Dantas, a Brasil Telecom assinou um contrato de R$ 50 milhões com as agências de Valério. É isso aí: R$ 50 milhões.
Ainda assim, Daniel Dantas ficou fora da lista dos acusados e suspeitos.  Mas se Pizzolato pode ser acusado e possivelmente será condenado por desvio de dinheiro público, é de se perguntar por que os recursos privados que Daniel Dantas mobilizou não lhe trouxeram a menor dor de cabeça neste caso. Não quero julgar por antecipação, sei que há muitas questões envolvidas quando se fala no nome deste banqueiro e sinto sono quando penso nelas.  Mas   é curioso.
Banqueiro com cadeira reservada no núcleo das privatizações do governo FHC, Daniel Dantas   também queria favores especiais do governo Lula. Pagou com contrato.  Está no inquérito, que Zampronha elaborou e enviou para o procurador Roberto Gurgel. Zampronha observa que a vontade de se acertar com Valério era tamanha que a turma sequer pediu uma avaliação técnica – mesmo meio fajuta, só para manter as aparências – da agência que fazia o serviço anterior. Mesmo assim, nada lhe aconteceu. Não precisou sequer dar maiores explicações. Nada.
Será que dinheiro privado é mais inocente? Suja menos?
É engraçado nosso populismo penal midiático, vamos combinar.
Gushiken foi tratado como culpado até que a inanição absoluta das acusações falasse por si. No auge das denúncias contra ele, dois jornalistas de São Paulo foram autorizados a fazer uma devassa nos arquivos da Secretaria de Comunicações, procurando provas para incriminá-lo. O próprio Gushiken autorizou o levantamento, sem impor condições. Os jornalistas nada encontraram mas sequer fizeram a gentileza de registrar publicamente o fato. É certo que não seria possível chegar a uma conclusão definitiva a partir daí. Mas,  naquelas circunstâncias, seria pelo menos um indício de inocência, se é que isso existe, não é mesmo?
A tardia declaração de inocência de Gushiken é uma lição do populismo penal midiático. A vítima não é só o ministro.
É você.

“Por que defendemos o Wikileaks e Assange”

“Por que defendemos o Wikileaks e Assange”

“Por que defendemos o Wikileaks e Assange”



Michael Moore e Oliver Stone desmontam argumentos da Suécia e alertam: extradição para os EUA representaria derrota global da liberdade de expressão
Por Michael Moore e Oliver Stone | Tradução: Daniela Frabasile
Passamos nossas carreiras de cineastas sustentando que a mídia norte-americana é frequentemente incapaz de informar os cidadãos sobre as piores ações de nosso governo. Portanto, ficamos profundamente gratos pelas realizações do WikiLeaks, e aplaudimos a decisão do Equador de garantir asilo diplomático a seu fundador, Julian Assange – que agora vive na embaixada equatoriana em Londres.
O Equador agiu de acordo com importantes princípios dos direitos humanos internacionais. E nada poderia demonstrar quão apropriada foi sua ação quanto a ameaça do governo britânico, de violar um princípio sagrado das relações diplomáticas e invadir a embaixada para prender Assange.
Desde sua fundação, o WikiLeaks revelou documentos como o filme “Assassinato Colateral”, que mostra a matança aparentemente indiscriminada de civis de Bagdá por um helicóptero Apache, dos Estados Unidos; além de detalhes minuciosos sobre a face verdadeira das guerras contra o Iraque e Afeganistão; a conspiração entre os Estados Unidos e a ditadura do Yemen, para esconder nossa responsabilidade sobre os bombardeios no país; a pressão do governo Obama para que outras nações não processem, por tortura, oficiais da era-Bush; e muito mais.
Como era de prever, foi feroz a resposta daqueles que preferem que os norte-americanos não saibam dessas coisas. Líderes dos dois partidos chamaram Assange de “terrorista tecnológico”. E a senadora Dianne Feinstein, democrata da Califórnia que lidera o Comite do Senado sobre Inteligência, exigiu que ele fosse processado pela Lei de Espionagem. A maioria dos norte-americanos, britânicos e suecos não sabe que a Suécia não acusou formalmente Assange por nenhum crime. Ao invés disso, emitiu um mandado de prisão para interrogá-lo sobre as acusações de agressão sexual em 2010.
Todas essas acusações devem ser cuidadosamente investigadas antes que Assange vá para um país que o tire do alcance do sistema judiciário sueco. Mas são os governos britânico e sueco que atrapalham a investigação, não Assange.
Autoridades suecas sempre viajaram para outros países para fazer interrogatórios quando necessário, e o fundador do WikiLeaks deixou clara sua disposição de ser interrogado em Londres. Além disso, o governo equatoriano fez uma oferta direta à Suécia, permitindo que Assange seja interrogado dentro de sua embaixada em Londres. Estocolmo recusou as duas propostas.
Assange também comprometeu-se a viajar para a Suécia imediatamente, caso o governo sueco garanta que não irá extraditá-lo para os Estados Unidos. Autoridades suecas não mostraram interesse em explorar essa proposta, e o ministro de Relações Exteriores, Carl Bildt, declarou inequivocamente a um consultor jurídico de Assange e do WikiLeaks que a Suécia não vai oferecer essa garantia. O governo britânico também teria, de acordo com tratados internacionais, o direito de prevenir a reextradição de Assange da Suécia para os Estados Unidos, mas recusou-se igualmente a garantir que usaria esse poder. As tentativas do Equador para facilitar esse acordo entre os dois governos foram rejeitadas.
Em conjunto, as ações dos governos britânico e sueco sugerem que sua agenda real é levar Assange à Suécia. Por conta de tratados e outras considerações, ele provavelmente poderia ser mais facilmente extraditado de lá para os Estados Unidos. Assange tem todas as razões para temer esses desdobramentos. O Departamento de Justiça recentemente confirmou que continua a investigar o WikiLeaks, e os documentos do governo australiano de fevereiro passado, recém-divulgados afirmam que “a investigação dos Estados Unidos sobre a possível conduta criminal de Assange está em curso há mais de um ano”. O próprio WikiLeaks publicou emails da Stratfor, uma corporação privada de inteligência, segundo os quais um júri já ouviu uma acusação sigilosa contra Assange. E a história indica que a Suécia iria ceder a qualquer pressão dos Estados Unidos para entregar Assange. Em 2001, o governo sueco entregou à CIA dois egípcios que pediam asilo. A agência norte-americana entregou-os ao regime de Mubarak, que os torturou.
Se Assange for extraditado para os Estados Unidos, as consequência repercutirão por anos, em todo o mundo. Assange não é cidadão estadunidense, e nenhuma de suas ações aconteceu em solo norte-americano. Se Washington puder processar um jornalista nessas circunstâncias, os governos da Rússia ou da China poderão, pela mesma lógica, exigir que repórteres estrangeiros em qualquer lugar do mundo sejam extraditados por violar suas leis. Criar esse precedente deveria preocupar profundamente a todos, admiradores do WikiLeaks ou não.
Conclamamos os povos britânico e sueco a exigir que seus governos respondam algumas questões básicas. Por que as autoridades suecas recusam-se a interrogar Assange em Londres? E por que nenhum dos dois governos pode prometer que Assange não será extraditado para os Estados Unidos? Os cidadãos britânicos e suecos têm uma rara oportunidade de tomar uma posição pela liberdade de expressão, em nome de todo o mundo.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Última Instância - TRF-4 condena Monsanto por propaganda enganosa e abusiva

Última Instância - TRF-4 condena Monsanto por propaganda enganosa e abusiva

TRF-4 condena Monsanto por propaganda enganosa e abusiva

Da Redação - 22/08/2012 - 08h20

A 4ª Turma do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) condenou a empresa Monsanto do Brasil a pagar indenização de R$ 500 mil por danos morais causados aos consumidores ao veicular, em 2004, propaganda em que relacionava o uso de semente de soja transgênica e de herbicida à base de glifosato usado no seu plantio como benéficos à conservação do meio ambiente. Ainda cabe recurso contra a decisão.
A empresa de biotecnologia, que vende produtos e serviços agrícolas, também foi condenada a divulgar uma contrapropaganda esclarecendo as consequências negativas que a utilização de qualquer agrotóxico causa à saúde dos homens e dos animais.
Segundo o MPF (Ministério Público Federal), que ajuizou a ação civil pública contra a Monsanto, o comercial era enganoso e o objetivo da publicidade era preparar o mercado para a aquisição de sementes geneticamente modificadas e do herbicida usado nestas, isso no momento em que se discutia no país a aprovação da Lei de Biossegurança, promulgada em 2005.
A campanha foi veiculada na TV, nas rádios e na imprensa escrita. Tratava-se de um diálogo entre pai e filho, no qual o primeiro explicava o que significava a palavra “orgulho”, ligando esta ao sentimento resultante de seu trabalho com sementes transgênicas, com o seguinte texto:
- Pai, o que é o orgulho? 
- O orgulho: orgulho é o que eu sinto quando olho essa lavoura. Quando eu vejo a importância dessa soja transgênica para a agricultura e a economia do Brasil. O orgulho é saber que a gente está protegendo o meio ambiente, usando o plantio direto com menos herbicida. O orgulho é poder ajudar o país a produzir mais alimentos e de qualidade. Entendeu o que é orgulho, filho? 
- Entendi, é o que sinto de você, pai.
A Justiça Federal de Passo Fundo considerou a ação improcedente e a sentença absolveu a Monsanto. A decisão levou o MPF a recorrer ao tribunal. Segundo a Procuradoria, a empresa foi oportunista ao veicular em campanha publicitária assunto polêmico como o plantio de transgênicos e a quantidade de herbicida usada nesse tipo de lavoura. “Não existe certeza científica acerca de que a soja comercializada pela Monsanto usa menos herbicida”, salientou o MPF.
O relator do voto vencedor no tribunal, desembargador federal Jorge Antônio Maurique, reformou a sentença. “Tratando-se a ré de empresa de biotecnologia, parece óbvio não ter pretendido gastar recursos financeiros com comercial para divulgar benefícios do plantio direto para o meio ambiente, mas sim a soja transgênica que produz e comercializa”, afirmou Maurique.
O desembargador analisou os estudos constantes nos autos apresentados pelo MPF e chegou à conclusão de que não procede a afirmação publicitária da Monsanto de que o plantio de sementes transgênicas demanda menor uso de agrotóxicos. Também apontou que agricultores em várias partes do mundo relatam que o herbicida à base de glifosato já encontra resistência de plantas daninhas.
Segundo Maurique, “a propaganda deveria, no mínimo, advertir que os benefícios nela apregoados não são unânimes no meio científico e advertir expressamente sobre os malefícios da utilização de agrotóxicos de qualquer espécie”.
O desembargador lembrou ainda em seu voto que, quando veiculada a propaganda, a soja transgênica não estava legalizada no país e era oriunda de contrabando, sendo o comercial um incentivo à atividade criminosa, que deveria ser coibida. “A ré realizou propaganda abusiva e enganosa, pois enalteceu produto cuja venda era proibida no Brasil e não esclareceu que seus pretensos benefícios são muito contestados no meio científico, inclusive com estudos sérios em sentido contrário ao apregoado pela Monsanto”, concluiu.
O valor da indenização deverá ser revertido para o Fundo de Recuperação de Bens Lesados, instituído pela Lei Estadual 10.913/97. A contrapropaganda deverá ser veiculada com a mesma frequência e preferencialmente no mesmo veículo, local, espaço e horário do comercial contestado, no prazo de 30 dias após a publicação da decisão do TRF4, devendo a empresa pagar multa diária de R$ 10 mil em caso de descumprimento.
Número do processo: 5002685-22.2010.404.7104

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Conjur - Empacado no mensalão, STF deixa de julgar temas importantes

Conjur - Empacado no mensalão, STF deixa de julgar temas importantes

Supremo atolado

Estacionado no mensalão, STF não julga temas importantes

Enquanto o Supremo Tribunal Federal gastará dois meses para decidir a Ação Penal 470, o processo do mensalão, aguardam julgamento no tribunal 218 recursos em que foi reconhecida a repercussão geral da matéria discutida. O efeito cascata disso é a falta de prestação de justiça, como revelam números da própria Corte. Por conta da indecisão nestas duas centenas de casos, há, no mínimo, 260 mil processos parados em tribunais e fóruns do país à espera da definição do STF.
O número de 260 mil, apesar de saltar aos olhos, está subestimado. O volume de processos parados diz respeito a apenas dez tribunais e quatro regiões dos Juizados Especiais Federais. Apenas nos tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul e de São Paulo, por exemplo, são 85 mil ações sobrestadas que aguardam uma decisão do Supremo para que seus autores possam ver o conflito resolvido. E os números são referentes a março e fevereiro passados, respectivamente (veja tabela). Ou seja, estão desatualizados.
Total de Processos Sobrestados pela Repercussão Geral por Tribunal
“Os números mostram que, sob uma perspectiva pragmática e realista, o Supremo Tribunal Federal não deveria se ocupar de questões como essas da Ação Penal 470”, afirma o advogado e professor José Miguel Garcia Medina, colunista da revista Consultor Jurídico. Para o professor, “o Supremo tem que assumir outra posição no contexto jurídico brasileiro”, mais próximo possível de uma corte, de fato, constitucional.
Os efeitos do mensalão, no contexto, podem ser piores do que parece. O ministro Cezar Peluso se aposenta em 3 de setembro. Em novembro, é a vez do presidente do Supremo, Ayres Britto, completar 70 anos e deixar o tribunal. E o ministro Celso de Mello, decano da Corte, já anunciou que vem pensando na aposentadoria.
Com dez ministros apenas e, depois com nove, algumas matérias realmente importantes do ponto de vista jurídico não deverão ser colocadas em pauta. É o caso das ações em que se discute se os bancos devem ser obrigados a pagar pela correção não aplicada sobre os valores das poupanças no curso dos planos econômicos. Há matérias como a questão do poder investigatório do Ministério Público em que não haverá problema: tanto Cezar Peluso quanto Ayres Britto já votaram.
Ministro Marco Aurélio vota a favor do exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) - 26/10/2011 [Fellipe Sampaio/SCO/STF]
Mas esse não é o caso de muitos processos de Repercussão Geral que não foram colocados em pauta na gestão Peluso, nem agora. Um dos ministros que mais brada pela racionalização dos trabalhos no Supremo é Marco Aurélio (foto). No último dia 2 de agosto, quando começou o julgamento do processo do mensalão e se discutiu o possível desmembramento da ação, o ministro revelou um levantamento segundo o qual o STF faz cerca de oito sessões plenárias por mês e que julga, em média, menos de dez processos. “Afastados agravinhos e embargos declaratórios, examinados de forma sumária, a média é de menos de dez processos”, disse.
Sobre o atraso na análise de recursos com repercussão geral reconhecida, o ministro afirmou: “Tribunais estão alugando prédios para alocar processos que aguardam o crivo do Supremo por conta da repercussão geral. O Supremo está inviabilizado e mesmo assim atrai essa competência que não está prevista na Carta da República”.
Há, hoje, 709 processos liberados para julgamento em plenário na pauta do Supremo. Do total, 143 foram liberados por Marco Aurélio, entre recursos dos quais é relator e outros que devolveu após pedir vista dos autos. Em segundo lugar, está Dias Toffoli, com 109 processos liberados para julgamento pelos 11 ministros. Depois, Gilmar Mendes, com 85 ações.
Enquanto os ministros analisam os fatos e condutas de uma ação penal, teses jurídicas constitucionais, de maior envergadura do ponto de vista institucional e que colocariam fim a milhares de controvérsias, seguem sem solução. E os processos não param de bater às portas do tribunal. “Como eu não estou licenciado quanto aos demais processos, que não param de chegar, estou fazendo turno triplo”, conta Marco Aurélio.
O ministro ainda aguarda a sessão administrativa, cancelada na última quarta-feira (15/8), em que se decidirá se o STF fará, durante o período de julgamento do mensalão, sessões matutinas às quartas e quintas-feiras para tratar de outros processos: “Enviei a proposta em junho justamente para o Supremo não se tornar um tribunal de processo único”.
Interesse social
Entre os temas que aguardam análise em recursos extraordinários, estão processos que, para as pessoas comuns, podem significar a vida. Entre eles está o Recurso Extraordinário 566.471, em que discute se cabe obrigar o Estado a fornecer medicamentos de alto custo a portadores de enfermidades graves que não tenham condições de pagar pelos remédios.
Por conta da pendência de julgamento de mérito do recurso, que ainda não consta na pauta de julgamento do STF, há mais de oito mil processos sobrestados em instâncias inferiores, impedindo que se defina a sorte de milhares de pacientes hipossuficientes.
Também relacionado ao assunto do fornecimento de medicamentos pelo Estado, o RE 605.533 discute a legitimidade do Ministério Público de propor ação civil pública para obrigar estados a entregar medicamentos a portadores de certas doenças. O recurso contesta uma ação em que o MP quer obrigar o estado de Minas Gerais a entregar medicamentos a portadores de hipotireoidismo e hipocalcemia. Há pelo menos 862 processos sobrestados sobre o tema, esperando o Supremo Tribunal Federal se pronunciar sobre o assunto.
Mais de 10 mil processos aguardam o julgamento do RE 561.836, que trata ainda do período de transição entre as moedas Cruzeiro Real e Real, na primeira metade da década de 1990. O julgamento definirá se cabe o direito de se compensar a diferença de 11,98%, resultante da conversão em URV dos valores expressos em cruzeiros reais, considerando, para tanto, o reajuste ocorrido na subsequente data-base. A Unidade Real de Valor (URV) foi o índice de referência utilizado na fase de transição que antecedeu o estabelecimento do Real como moeda corrente.
De tema semelhante é o RE 595.107, que trata do cálculo dos índices de correção monetária quando da implantação do Plano Real. Os ministros devem avaliar a constitucionalidade do artigo 38 da Lei 8.880/1994, que criou o Plano Real. O artigo 38 estabelece que o cálculo dos índices de correção monetária deve tomar por base preços em real, o equivalente em URV dos valores em cruzeiros reais e os preços nominados ou convertidos em URV dos meses anteriores àquele em que se verificar a emissão do Real, de que dispõe o artigo 3º da Lei 8.880/1994, bem como no mês subsequente.
No campo do Direito Penal, o julgamento do RE 591.054 definirá importante jurisprudência ao estabelecer se é ou não constitucional que ações penais em curso possam ser consideradas como maus antecedentes para a fixação da dosimetria da pena. O relator é o ministro Marco Aurélio. Pelo menos 47 processos dependem do posicionamento que será consagrado pelo Supremo.
Economia e política
Há outros casos que poderiam ser julgados neste segundo semestre se a pauta do plenário não estivesse ocupada com uma só ação. É o caso de três recursos especiais e uma ADPF que definirão quem deve indenizar os poupadores pelas diferenças de correção em cadernetas de poupança provocadas pelos sucessivos planos econômicos editados nas décadas de 1980 e 1990 no Brasil.
O ministro Dias Toffoli é relator de dois recursos (RE 591.797 e RE 626.307), o ministro Gilmar Mendes é relator de um (RE 632.212) e o ministro Ricardo Lewandowski é o relator da ADPF 165, ajuizada pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif). A confederação pede que seja reconhecida a constitucionalidade dos planos Cruzado, Bresser, Verão e Collor I e II. Os recursos foram ajuizados em 2010, e a ADPF em 2009.
Dias Toffoli e Gilmar Mendes já liberaram os recursos para a pauta. E o ministro Ricardo Lewandowski também já havia sinalizado que concluiria sua análise para que os processos fossem julgados em conjunto, o mais breve possível. Mas foi interrompido pela revisão do processo do mensalão.
De acordo com cálculos dos bancos, mais de 500 mil ações, entre individuais e coletivas, estão suspensas na Justiça estadual e Federal à espera da definição do STF. As ações pedem o pagamento de diferenças de correção de cadernetas de poupança. As estimativas de perda das instituições bancárias variam muito, de R$ 30 bilhões a R$ 100 bilhões, caso os correntistas ganhem a causa.
Há também dois temas de grande repercussão nas finanças públicas que aguardam na fila de julgamentos do Supremo. A desaposentação e o pagamento de precatórios. No primeiro caso, é discutido se o beneficiário da Previdência Social pode renunciar ao primeiro benefício recebido para que as contribuições recolhidas após a aposentadoria sejam incluídas em um novo cálculo. Há dois recursos (RE 381.367 e 661.256) nos quais se reconheceu repercussão geral.
No segundo, está em jogo a constitucionalidade da Emenda Constitucional 62, apelidada de Emenda do Calote, também deveria ser retomado neste ano, com o voto do ministro Luiz Fux. A Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.357 proposta pela OAB, AMB, Conamp e diversas outras entidades de classe, começou a ser julgada, mas a conclusão foi adiada por pedido de vista de Fux. Antes, em junho de 2011, o julgamento foi adiado por falta de quorum no STF.
Do ponto de vista de moralidade política, tramita no Supremo uma Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil contra as regras que permitem a empresas doar dinheiro para campanhas eleitorais. De acordo com a OAB, a permissão para que empresas façam doações para campanhas eleitorais “compromete a higidez do processo democrático, promove a desigualdade política e alimenta a corrupção”.
Os ministros também planejavam julgar em conjunto as diversas ações que contestam o pagamento de pensão para ex-governadores de estado. A ministra Cármen Lúcia, relatora do processo que contesta a Constituição do Pará, que institui o benefício para ex-governadores do estado, votou no ano passado pela derrubada do benefício. O julgamento do caso foi adiado por pedido de vista do ministro Dias Toffoli e há diversas ações contra Constituições de outros estados distribuídas entre os ministros do tribunal.
Além destes casos, pendem de julgamento temas relevantes como o poder de o Ministério Público conduzir investigações penais, a constitucionalidade da Lei Seca, a ocupação de terras por comunidades remanescentes de quilombos e a legalidade de se fixar horário uniforme de funcionamento para os tribunais do país.
Racionalidade em baixa
O ministro Marco Aurélio chama a atenção também para a falta de racionalidade nos julgamentos de temas importantes, o que faz a produtividade do plenário ficar cada vez mais baixa. Discute-se muito no plenário, mesmo quando a questão é decidida por unanimidade. “Nunca vi em plenário o que venho notando. Mesmo quando não são relatores, colegas levam voto escrito. Geralmente quando se tem relator, os demais não levam voto escrito. Para divergir, é preciso fundamentar. Mas para acompanhar o relator, não. Temos que rever isso porque precisamos ser mais ágeis. O relator que leve o voto escrito. Os demais podem fazer seus comentários, mas sem a leitura do voto”, defende Marco Aurélio. “Afinal, são todos doutos, menos o vice-decano”, brinca.
O professor José Miguel Garcia Medina acredita que seja necessária uma mudança constitucional nas competências do Supremo. “De certo modo, a mudança já foi iniciada com a Emenda Constitucional 45, que instituiu a repercussão geral do recurso extraordinário e possibilitou ao STF criar súmulas vinculantes”, afirma. A partir dessa mudança, a Corte passou a ocupar um patamar diferente e vem demonstrando isso com o julgamento de causas importantes.
Medina defende, contudo, que a reforma tem de ser mais profunda. “Muitas vezes, o Supremo ainda desempenha o papel de um tribunal comum. Não pode se ocupar de uma ação penal como essa (do mensalão), ainda que seja importante. O tribunal já não pode mais julgar milhares de recursos”, opina.
Para Garcia Medina, a EC 45, da Reforma do Judiciário, fez uma boa reforma, mas não a necessária. Por exemplo, enquanto o Supremo se ocupa de uma ação penal por tanto tempo, há casos em que não se reconhece a repercussão geral, mesmo com temas constitucionais interessantes, e que a jurisprudência vai sendo fixada pelos tribunais de segunda instância. “Isso faz com que temas constitucionais sejam definidos de maneira diferente a depender da região do país”, diz o advogado.
De acordo com o professor, o STF estaria mais próximo de uma corte constitucional se só julgasse recursos vindos do Superior Tribunal de Justiça. O STJ, nesse contexto, ocuparia o papel de tribunal de cúpula: “Processos penais, por exemplo, poderiam muito bem ser definidos pelo STJ, e o Supremo se restringiria à análise de temas realmente relevantes do ponto de vista institucional e jurídico”.
Rafael Baliardo é repórter da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Rodrigo Haidar é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 18 de agosto de 2012