A bonificação por volume das agências de publicidade | Brasilianas.Org
No final dos anos 1980 eu trabalhei em uma empresa que lidava com anúncios publicitários e recebia as tais "Bonificações de Volume". Me lembro que, desde aquela época, todo o marco legal que regia essa atividade tinha sido desenvolvido (já nas décadas de 60 e 70) pelos representantes das Agências de Publicidade, em acordo com as grandes editoras de jornais e revistas e emissoras de TV. Ou seja: nessa horta, os bodes sempre controlaram o cadeado do portão.
As agências não recebem "BVs" apenas das editoras e TVs. É comum que também os recebam de outros prestadores de serviço: gráficas, estúdios de design, produtoras de vídeo, desenvolvedores de sites na Web, etc.
Naquela época a lógica teórica dos BVs era a seguinte (é provável que eu esteja desatualizado com o assunto, já que a legislação mudou desde então):
Se você fosse comprar diretamente um espaço publicitário numa revista você pagaria o preço cheio de tabela. Digamos, R$ 120 mil pela veiculação de um anúncio de uma página. Mas a grande maioria dos anunciantes não negocia direto com o veículo: a escolha das mídias e a negociação é feita pelas agências de publicidade. O veículo então fatura o anúncio contra a empresa anunciante, que paga o valor acertado na negociação (vamos supor que seja R$ 300 mil por três inserções).
Além dessa empresa, a agência também levou para o veículo os anúncios de mais outros dois anunciantes, totalizando – digamos – um milhão de reais. Em função desse grande volume de anúncios carreados para a editora, a agência tem direito a ganhar um "incentivo" financeiro, denominado "bonificação de volume". A editora então tira do seu caixa 20% do valor dos anúncios (R$ 200 mil) e paga à agência como "bonificação".
Ou seja: em tese – e apenas em tese – esse dinheiro não saiu do bolso do anunciante, mas sim do bolso da editora (ou da gráfica, ou da emissora de TV, etc) que abre mão de parte da sua receita para fazer um agrado às melhores agências, que lhes alimentam de anúncios ou serviços.
Na prática, as coisas eram um pouco diferentes:
Qualquer agência de publicidade, mesmo que fosse uma empresa de fundo de quintal, ainda que ela colocasse na revista um mísero anúncio a cada 10 anos, recebia a tal "bonificação de volume", normalmente de 20% sobre o valor pago pelo anunciante. Ou seja – tratava-se na realidade do equivalente a uma "comissão" ou "remuneração de corretagem" dos anúncios ou serviços (independente de volume) disfarçada de "bonificação" ou "prêmio de incentivo" por motivos legais e fiscais.
Na área gráfica – que eu conheço mais de perto – a coisa ainda é mais ou menos explícita. Se uma agência orça um serviço para um cliente, o orçamentista da gráfica já pergunta de cara "quanto eu devo colocar de BV" no orçamento. São usuais nesse setor percentuais entre 5% e 25%, dependendo da tiragem do trabalho. Como a gráfica fatura para o cliente o valor "cheio" (pagando impostos sobre isso) e normal que a inclusão de um BV de 20% onere o preço do serviço em 25% a 30%.
Mas o fato é que esses "agrados" ou "BVs" eram – e acho possível que ainda sejam – a principal fonte de recursos de grande parte das agências de publicidade. Atualmente, ao que eu saiba, é razoavelmente comum que alguns anunciantes – tanto no governo como na iniciativa privada – negociem a "devolução" de parte desses alentados BVs pagos à agências.
Essa "devolução", obviamente, pode ser feita de maneira legal e correta: a agência reembolsa o anunciante concedendo um desconto nos valor dos seu próprios serviços. Mas também tem boas chances de caminhar por vias mais ou menos ilícitas. Na melhor das hipóteses, volta como recurso "não-contabilizado" no Caixa 2 da empresa anunciante (frequentemente, por meio de empresas laranjas). Na pior, vai parar na conta pessoal de um diretor e/ou gerente responsável pela liberação das verbas publicitárias do anunciante.
Aparentemente, essa "devolução" explica uma parte do esquema montado pelas agências de Marcos Valério, inicialmente com o governo estadual tucano de Minas Gerais, e posteriormente com os petistas do Governo Federal. Sinceramente, eu duvido muito que sejam as únicas agências do Brasil a fazer acertos desse tipo.
Esse imbróglio envolvendo os decretos e o TCU é uma filigrana jurídica que pode até conferir um "verniz de semi-legalidade" ao esquema do Marcos Valério, na medida em que considere que o dinheiro arrecadado como os BVs é privado, e não público. Aliás, essa tese jurídica é – subterraneamente – defendida na esfera legal por TODOS os grandes veículos de comunicação, apesar de afirmarem o contrário na exploração midiática do escândalo. Honestidade intelectual nunca foi o forte dessa gente.
Na realidade, eu posso até acreditar que a finalidade desses recursos "devolvidos" era para financiamento de Caixa 2 das campanhas eleitorais (como alega o tesoureiro do PT), e não para essa fantasiosa compra mensal de votos dos parlamentares (como defende a mídia e o PGR). Mas não há como fugir do fato que esse retorno do dinheiro dos BVs para o Caixa 2 do partido político que detem o controle das contas publicitárias dos governos é um esquema éticamente (e talvez legalmente) tão ilícito quanto é o tradicional desvio de verbas de obras públicas por meio de acertos com as empreiteiras contratadas.
Por um lado, é uma mistura de idiotice e má-fé dizer que o escândalo do Mensalão é "o maior esquema de corrupção da história da República". Mas também é uma tolice querer vender essa idéia de que tata-se apenas uma obra de ficção do PIG. O fato de que PSDB, DEM e PMDB – para ficarmos só nos graúdos – fazia (e ainda faz) exatamente a mesma coisa em seus governos pode até deixar explícita a hipocrisia seletiva dos barões da mídia e do Procurador Geral, mas não serve para isentar o PT do fato de que deu continuidade a esquemas que sempre condenou quando estava na oposição.
Se o STF julgar apenas com base nos autos do processo, acredito que os ministros não têm como referendar essa tese fantasiosa da mídia, desastrosamente encampada pela PGR. Mas será mesmo o caso de absolver todo mundo e fazer de conta que nada existiu? Na sequência, nos restará o que? Defender por isonomia a absolvição dos envolvidos no "mensalão do Azevedo" e na "lista de Furnas", sob alegação de que tudo não passou de Caixa 2 das respectivas campanhas eleitorais.
Não seria melhor condenar todo mundo – na justa medida dos ilícitos cometidos – e passarmos a discutir com seriedade e sem demagogia as formas de financiamento da política partidária na jovem democracia brasileira?
As agências não recebem "BVs" apenas das editoras e TVs. É comum que também os recebam de outros prestadores de serviço: gráficas, estúdios de design, produtoras de vídeo, desenvolvedores de sites na Web, etc.
Naquela época a lógica teórica dos BVs era a seguinte (é provável que eu esteja desatualizado com o assunto, já que a legislação mudou desde então):
Se você fosse comprar diretamente um espaço publicitário numa revista você pagaria o preço cheio de tabela. Digamos, R$ 120 mil pela veiculação de um anúncio de uma página. Mas a grande maioria dos anunciantes não negocia direto com o veículo: a escolha das mídias e a negociação é feita pelas agências de publicidade. O veículo então fatura o anúncio contra a empresa anunciante, que paga o valor acertado na negociação (vamos supor que seja R$ 300 mil por três inserções).
Além dessa empresa, a agência também levou para o veículo os anúncios de mais outros dois anunciantes, totalizando – digamos – um milhão de reais. Em função desse grande volume de anúncios carreados para a editora, a agência tem direito a ganhar um "incentivo" financeiro, denominado "bonificação de volume". A editora então tira do seu caixa 20% do valor dos anúncios (R$ 200 mil) e paga à agência como "bonificação".
Ou seja: em tese – e apenas em tese – esse dinheiro não saiu do bolso do anunciante, mas sim do bolso da editora (ou da gráfica, ou da emissora de TV, etc) que abre mão de parte da sua receita para fazer um agrado às melhores agências, que lhes alimentam de anúncios ou serviços.
Na prática, as coisas eram um pouco diferentes:
Qualquer agência de publicidade, mesmo que fosse uma empresa de fundo de quintal, ainda que ela colocasse na revista um mísero anúncio a cada 10 anos, recebia a tal "bonificação de volume", normalmente de 20% sobre o valor pago pelo anunciante. Ou seja – tratava-se na realidade do equivalente a uma "comissão" ou "remuneração de corretagem" dos anúncios ou serviços (independente de volume) disfarçada de "bonificação" ou "prêmio de incentivo" por motivos legais e fiscais.
Na área gráfica – que eu conheço mais de perto – a coisa ainda é mais ou menos explícita. Se uma agência orça um serviço para um cliente, o orçamentista da gráfica já pergunta de cara "quanto eu devo colocar de BV" no orçamento. São usuais nesse setor percentuais entre 5% e 25%, dependendo da tiragem do trabalho. Como a gráfica fatura para o cliente o valor "cheio" (pagando impostos sobre isso) e normal que a inclusão de um BV de 20% onere o preço do serviço em 25% a 30%.
Mas o fato é que esses "agrados" ou "BVs" eram – e acho possível que ainda sejam – a principal fonte de recursos de grande parte das agências de publicidade. Atualmente, ao que eu saiba, é razoavelmente comum que alguns anunciantes – tanto no governo como na iniciativa privada – negociem a "devolução" de parte desses alentados BVs pagos à agências.
Essa "devolução", obviamente, pode ser feita de maneira legal e correta: a agência reembolsa o anunciante concedendo um desconto nos valor dos seu próprios serviços. Mas também tem boas chances de caminhar por vias mais ou menos ilícitas. Na melhor das hipóteses, volta como recurso "não-contabilizado" no Caixa 2 da empresa anunciante (frequentemente, por meio de empresas laranjas). Na pior, vai parar na conta pessoal de um diretor e/ou gerente responsável pela liberação das verbas publicitárias do anunciante.
Aparentemente, essa "devolução" explica uma parte do esquema montado pelas agências de Marcos Valério, inicialmente com o governo estadual tucano de Minas Gerais, e posteriormente com os petistas do Governo Federal. Sinceramente, eu duvido muito que sejam as únicas agências do Brasil a fazer acertos desse tipo.
Esse imbróglio envolvendo os decretos e o TCU é uma filigrana jurídica que pode até conferir um "verniz de semi-legalidade" ao esquema do Marcos Valério, na medida em que considere que o dinheiro arrecadado como os BVs é privado, e não público. Aliás, essa tese jurídica é – subterraneamente – defendida na esfera legal por TODOS os grandes veículos de comunicação, apesar de afirmarem o contrário na exploração midiática do escândalo. Honestidade intelectual nunca foi o forte dessa gente.
Na realidade, eu posso até acreditar que a finalidade desses recursos "devolvidos" era para financiamento de Caixa 2 das campanhas eleitorais (como alega o tesoureiro do PT), e não para essa fantasiosa compra mensal de votos dos parlamentares (como defende a mídia e o PGR). Mas não há como fugir do fato que esse retorno do dinheiro dos BVs para o Caixa 2 do partido político que detem o controle das contas publicitárias dos governos é um esquema éticamente (e talvez legalmente) tão ilícito quanto é o tradicional desvio de verbas de obras públicas por meio de acertos com as empreiteiras contratadas.
Por um lado, é uma mistura de idiotice e má-fé dizer que o escândalo do Mensalão é "o maior esquema de corrupção da história da República". Mas também é uma tolice querer vender essa idéia de que tata-se apenas uma obra de ficção do PIG. O fato de que PSDB, DEM e PMDB – para ficarmos só nos graúdos – fazia (e ainda faz) exatamente a mesma coisa em seus governos pode até deixar explícita a hipocrisia seletiva dos barões da mídia e do Procurador Geral, mas não serve para isentar o PT do fato de que deu continuidade a esquemas que sempre condenou quando estava na oposição.
Se o STF julgar apenas com base nos autos do processo, acredito que os ministros não têm como referendar essa tese fantasiosa da mídia, desastrosamente encampada pela PGR. Mas será mesmo o caso de absolver todo mundo e fazer de conta que nada existiu? Na sequência, nos restará o que? Defender por isonomia a absolvição dos envolvidos no "mensalão do Azevedo" e na "lista de Furnas", sob alegação de que tudo não passou de Caixa 2 das respectivas campanhas eleitorais.
Não seria melhor condenar todo mundo – na justa medida dos ilícitos cometidos – e passarmos a discutir com seriedade e sem demagogia as formas de financiamento da política partidária na jovem democracia brasileira?
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acho difícil que o BV propriamente dito seja considerado ilícito. Trata-se uma prática polêmica, mas é consagrada pelo mercado e praticada por todas as empresas. Além disso, o TCU não tem autoridade para considerar ilícita uma relação comercial entre empresas privadas.
O que o STJ pode (e deveria) considerar ilícito é que uma agência de propaganda contratada por um órgão do governo (estadual ou federal, tanto faz) devolva parte do lucro que aufere com esse contrato (seja por pagamento direto ou por BV) para representantes do partido (PT, PSDB, DEM, tanto faz também) que controla o governo que a contratou.
Minha dúvida nesse caso do "Mensalão" é se a PGR – hipnotizada pelos holofotes da mídia – estruturou corretamente o processo de maneira a deixar evidente essa maracutaia das agências com os gestores financeiros do PT, ou se apenas ficou batendo cabeça na tentativa de comprovar um fantasioso esquema de mesada paga aos parlamentares em troca de votos, tudo comandado pelo Zé Dirceu a partir da Casa Civil.
Por isso, existe a possibilidade de que o processo da PGR resulte inócuo. Não conseguindo comprovar efetivamente nem uma coisa nem outra, pode desguar numa absolvição de toda a turma. Aparentemente, é nisso que aposta a defesa dos acusados. Temos um antecedente muito similar no processo montado contra o ex-presidente Collor, que resultou em absolvição no Supremo.
Na minha opinião, já caiu a ficha da grande imprensa e da oposição ao PT de que o processo montado pela PGR não consegue comprovar a tese da mesada. E que tem significativa chance de não comprovar nada nos autos.
Por isso, essa gritaria absurda para forçar o Supremo a fazer uma condenação "política" dos acusados, sob pena de ser acusado pela mídia de estar patrocinando mais uma pizza republicana.
André Borges Lopes www.bytestypes.com.bracho difícil que o BV propriamente dito seja considerado ilícito. Trata-se uma prática polêmica, mas é consagrada pelo mercado e praticada por todas as empresas. Além disso, o TCU não tem autoridade para considerar ilícita uma relação comercial entre empresas privadas.
O que o STJ pode (e deveria) considerar ilícito é que uma agência de propaganda contratada por um órgão do governo (estadual ou federal, tanto faz) devolva parte do lucro que aufere com esse contrato (seja por pagamento direto ou por BV) para representantes do partido (PT, PSDB, DEM, tanto faz também) que controla o governo que a contratou.
Minha dúvida nesse caso do "Mensalão" é se a PGR – hipnotizada pelos holofotes da mídia – estruturou corretamente o processo de maneira a deixar evidente essa maracutaia das agências com os gestores financeiros do PT, ou se apenas ficou batendo cabeça na tentativa de comprovar um fantasioso esquema de mesada paga aos parlamentares em troca de votos, tudo comandado pelo Zé Dirceu a partir da Casa Civil.
Por isso, existe a possibilidade de que o processo da PGR resulte inócuo. Não conseguindo comprovar efetivamente nem uma coisa nem outra, pode desguar numa absolvição de toda a turma. Aparentemente, é nisso que aposta a defesa dos acusados. Temos um antecedente muito similar no processo montado contra o ex-presidente Collor, que resultou em absolvição no Supremo.
Na minha opinião, já caiu a ficha da grande imprensa e da oposição ao PT de que o processo montado pela PGR não consegue comprovar a tese da mesada. E que tem significativa chance de não comprovar nada nos autos.
Por isso, essa gritaria absurda para forçar o Supremo a fazer uma condenação "política" dos acusados, sob pena de ser acusado pela mídia de estar patrocinando mais uma pizza republicana.
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