O desagravo de Ricardo Lewandovski a Luiz Gushiken deve servir de advertência a quem acompanha seriamente a denúncia do mensalão. O ministro foi além de Joaquim Barbosa e do procurador Roberto Gurgel, que pediram a absolvição de Gushiken por falta de provas.
Lewandovski disse que o ex-ministro deveria ser proclamado inocente.
Na verdade, a única base da denúncia contra Gushiken desapareceu há muito tempo. Responsável pelo marketing do Visanet, centro dos desvios para Marcos Valério, Henrique Pizzolato disse que recebera ordens de Gushiken ao depor na CPMI dos Correios. Mais tarde, depondo na Justiça, Pizzolato se retratou e disse que faltara com a verdade. Admitiu, como Lewandovski recordou no julgamento, que fora pressionado, sentiu medo e ficou confuso durante a CPMI.
Todos sabiam disso e assim mesmo Gushiken foi indiciado. Quando os advogados de Gushiken protestaram contra a falta de qualquer prova, a resposta é que, se ele fosse mesmo inocente, acabaria absolvido mais tarde.
Homens públicos devem ter uma pele dura e grossa para enfrentar ataques inevitáveis. Concordo. A coisa é um pouco mais séria, porém.
Gushiken passou os últimos sete anos com a vida revirada pelo avesso. Teve até contas de um jantar em São Paulo examinadas pelo TCU e divulgada pelos jornais, naquele tom de suspeita – e preconceito – de quem se permite identificar sinais de deslumbramento e novo riquismo em todo cidadão que entrou na vida pública pela porta de serviço das organizações populares, em seu caso, o movimento sindical. Até a marca de vinho era tratada como esbanjamento. Certa vez, uma diária de hotel, a preço médio, foi publicada como se fosse gasto exagerado, seguindo a máxima do baixo jornalismo de que nenhuma publicação perde dinheiro quando aposta na ingenuidade de seus leitores.
Uma revista publicou uma reportagem onde as palavras de Pizzolato a CPI eram tratadas como verdade factual. Gushiken resolveu acionar a publicação cobrando uma indenização. Foi tratado como inimigo da liberdade de imprensa, claro. Perdeu a causa.
Falando sobre o mensalão e sobre a pressão sobre a justiça, Luiz Flávio Gomes, antigo juiz e estudioso da profissão, escreveu recentemente sobre o mensalão:
“Muitos juízes estão sendo estigmatizados pelo populismo penal midiático e isso coloca em risco, cada vez mais, a garantia da justiça imparcial e independente. O risco sério é a célebre frase ’Há juízes em Berlim’ (que glorifica a função da magistratura de tutela dos direitos e garantias das pessoas frente aos poderes constituídos) transformar-se num vazio infinito com a consequente regressão da sociedade para a era selvagem da lei do mais forte, onde ganha não a justiça, sim, quem tem maior poder de pressão. “
Conheci Alceni Guerra, deputado do PFL do Paraná, alvo de denúncias furiosas durante o governo Collor. Quando se descobriu que nada se podia provar contra ele, Alceni foi inocentado e tornou-se um símbolo da precipitação e da falta de cuidado. Não aguardou sete anos. Os mesmos veículos que divulgaram denuncias contra ele fizeram questão de retratar-se, talvez porque Alceni, um raro exemplar de político conservador com consciência social – votou vários benefícios na Constituinte – representava forças que se pretendia preservar e recompor assim que fosse possível, após o impeachment de Collor.
Havia duas razões especiais para manter Gushiken no centro da acusação, mesmo depois que ficou claro que nada havia de concreto contra ele. Uma causa era política. Com uma ligação histórica com Lula, que lhe deu um posto estratégico na coordenação da campanha de 2002, manter a acusação era uma forma de manter a denúncia perto do presidente.
Ajudava a incluir um membro do primeiro escalão naquilo que o procurador” geral chamou de “quadrilha”e “organização criminosa.“
Considerando que José Dirceu, o outro acusado com patente ministerial, só foi denunciado por uma testemunha especialista em auto-desmentidos como Roberto Jefferson, a presença de Gushiken dava um pouco de tonelagem a história, concorda?
Outro motivo é que Gushiken foi um adversário irredutível das pretensões do banqueiro Daniel Dantas em manter o controle da Brasil Telecom, graças a um acordo de acionistas que lhe dava um poder de mando incompatível com sua participação como acionista. E aí nós chegamos a um aspecto muito curioso sobre aquilo que o juiz Luiz Flavio Gomes chamou de populismo penal midiático.
Está provado que Daniel Dantas participou do esquema Marcos Valério. Não foram somente os 3,6 milhões de reais. O inquérito do delegado Luiz Zampronha, da Polícia Federal, mostra que, sob controle de Daniel Dantas, a Brasil Telecom assinou um contrato de R$ 50 milhões com as agências de Valério. É isso aí: R$ 50 milhões.
Ainda assim, Daniel Dantas ficou fora da lista dos acusados e suspeitos. Mas se Pizzolato pode ser acusado e possivelmente será condenado por desvio de dinheiro público, é de se perguntar por que os recursos privados que Daniel Dantas mobilizou não lhe trouxeram a menor dor de cabeça neste caso. Não quero julgar por antecipação, sei que há muitas questões envolvidas quando se fala no nome deste banqueiro e sinto sono quando penso nelas. Mas é curioso.
Banqueiro com cadeira reservada no núcleo das privatizações do governo FHC, Daniel Dantas também queria favores especiais do governo Lula. Pagou com contrato. Está no inquérito, que Zampronha elaborou e enviou para o procurador Roberto Gurgel. Zampronha observa que a vontade de se acertar com Valério era tamanha que a turma sequer pediu uma avaliação técnica – mesmo meio fajuta, só para manter as aparências – da agência que fazia o serviço anterior. Mesmo assim, nada lhe aconteceu. Não precisou sequer dar maiores explicações. Nada.
Será que dinheiro privado é mais inocente? Suja menos?
É engraçado nosso populismo penal midiático, vamos combinar.
Gushiken foi tratado como culpado até que a inanição absoluta das acusações falasse por si. No auge das denúncias contra ele, dois jornalistas de São Paulo foram autorizados a fazer uma devassa nos arquivos da Secretaria de Comunicações, procurando provas para incriminá-lo. O próprio Gushiken autorizou o levantamento, sem impor condições. Os jornalistas nada encontraram mas sequer fizeram a gentileza de registrar publicamente o fato. É certo que não seria possível chegar a uma conclusão definitiva a partir daí. Mas, naquelas circunstâncias, seria pelo menos um indício de inocência, se é que isso existe, não é mesmo?
A tardia declaração de inocência de Gushiken é uma lição do populismo penal midiático. A vítima não é só o ministro.
É você.
Lewandovski disse que o ex-ministro deveria ser proclamado inocente.
Na verdade, a única base da denúncia contra Gushiken desapareceu há muito tempo. Responsável pelo marketing do Visanet, centro dos desvios para Marcos Valério, Henrique Pizzolato disse que recebera ordens de Gushiken ao depor na CPMI dos Correios. Mais tarde, depondo na Justiça, Pizzolato se retratou e disse que faltara com a verdade. Admitiu, como Lewandovski recordou no julgamento, que fora pressionado, sentiu medo e ficou confuso durante a CPMI.
Todos sabiam disso e assim mesmo Gushiken foi indiciado. Quando os advogados de Gushiken protestaram contra a falta de qualquer prova, a resposta é que, se ele fosse mesmo inocente, acabaria absolvido mais tarde.
Homens públicos devem ter uma pele dura e grossa para enfrentar ataques inevitáveis. Concordo. A coisa é um pouco mais séria, porém.
Gushiken passou os últimos sete anos com a vida revirada pelo avesso. Teve até contas de um jantar em São Paulo examinadas pelo TCU e divulgada pelos jornais, naquele tom de suspeita – e preconceito – de quem se permite identificar sinais de deslumbramento e novo riquismo em todo cidadão que entrou na vida pública pela porta de serviço das organizações populares, em seu caso, o movimento sindical. Até a marca de vinho era tratada como esbanjamento. Certa vez, uma diária de hotel, a preço médio, foi publicada como se fosse gasto exagerado, seguindo a máxima do baixo jornalismo de que nenhuma publicação perde dinheiro quando aposta na ingenuidade de seus leitores.
Uma revista publicou uma reportagem onde as palavras de Pizzolato a CPI eram tratadas como verdade factual. Gushiken resolveu acionar a publicação cobrando uma indenização. Foi tratado como inimigo da liberdade de imprensa, claro. Perdeu a causa.
Falando sobre o mensalão e sobre a pressão sobre a justiça, Luiz Flávio Gomes, antigo juiz e estudioso da profissão, escreveu recentemente sobre o mensalão:
“Muitos juízes estão sendo estigmatizados pelo populismo penal midiático e isso coloca em risco, cada vez mais, a garantia da justiça imparcial e independente. O risco sério é a célebre frase ’Há juízes em Berlim’ (que glorifica a função da magistratura de tutela dos direitos e garantias das pessoas frente aos poderes constituídos) transformar-se num vazio infinito com a consequente regressão da sociedade para a era selvagem da lei do mais forte, onde ganha não a justiça, sim, quem tem maior poder de pressão. “
Conheci Alceni Guerra, deputado do PFL do Paraná, alvo de denúncias furiosas durante o governo Collor. Quando se descobriu que nada se podia provar contra ele, Alceni foi inocentado e tornou-se um símbolo da precipitação e da falta de cuidado. Não aguardou sete anos. Os mesmos veículos que divulgaram denuncias contra ele fizeram questão de retratar-se, talvez porque Alceni, um raro exemplar de político conservador com consciência social – votou vários benefícios na Constituinte – representava forças que se pretendia preservar e recompor assim que fosse possível, após o impeachment de Collor.
Havia duas razões especiais para manter Gushiken no centro da acusação, mesmo depois que ficou claro que nada havia de concreto contra ele. Uma causa era política. Com uma ligação histórica com Lula, que lhe deu um posto estratégico na coordenação da campanha de 2002, manter a acusação era uma forma de manter a denúncia perto do presidente.
Ajudava a incluir um membro do primeiro escalão naquilo que o procurador” geral chamou de “quadrilha”e “organização criminosa.“
Considerando que José Dirceu, o outro acusado com patente ministerial, só foi denunciado por uma testemunha especialista em auto-desmentidos como Roberto Jefferson, a presença de Gushiken dava um pouco de tonelagem a história, concorda?
Outro motivo é que Gushiken foi um adversário irredutível das pretensões do banqueiro Daniel Dantas em manter o controle da Brasil Telecom, graças a um acordo de acionistas que lhe dava um poder de mando incompatível com sua participação como acionista. E aí nós chegamos a um aspecto muito curioso sobre aquilo que o juiz Luiz Flavio Gomes chamou de populismo penal midiático.
Está provado que Daniel Dantas participou do esquema Marcos Valério. Não foram somente os 3,6 milhões de reais. O inquérito do delegado Luiz Zampronha, da Polícia Federal, mostra que, sob controle de Daniel Dantas, a Brasil Telecom assinou um contrato de R$ 50 milhões com as agências de Valério. É isso aí: R$ 50 milhões.
Ainda assim, Daniel Dantas ficou fora da lista dos acusados e suspeitos. Mas se Pizzolato pode ser acusado e possivelmente será condenado por desvio de dinheiro público, é de se perguntar por que os recursos privados que Daniel Dantas mobilizou não lhe trouxeram a menor dor de cabeça neste caso. Não quero julgar por antecipação, sei que há muitas questões envolvidas quando se fala no nome deste banqueiro e sinto sono quando penso nelas. Mas é curioso.
Banqueiro com cadeira reservada no núcleo das privatizações do governo FHC, Daniel Dantas também queria favores especiais do governo Lula. Pagou com contrato. Está no inquérito, que Zampronha elaborou e enviou para o procurador Roberto Gurgel. Zampronha observa que a vontade de se acertar com Valério era tamanha que a turma sequer pediu uma avaliação técnica – mesmo meio fajuta, só para manter as aparências – da agência que fazia o serviço anterior. Mesmo assim, nada lhe aconteceu. Não precisou sequer dar maiores explicações. Nada.
Será que dinheiro privado é mais inocente? Suja menos?
É engraçado nosso populismo penal midiático, vamos combinar.
Gushiken foi tratado como culpado até que a inanição absoluta das acusações falasse por si. No auge das denúncias contra ele, dois jornalistas de São Paulo foram autorizados a fazer uma devassa nos arquivos da Secretaria de Comunicações, procurando provas para incriminá-lo. O próprio Gushiken autorizou o levantamento, sem impor condições. Os jornalistas nada encontraram mas sequer fizeram a gentileza de registrar publicamente o fato. É certo que não seria possível chegar a uma conclusão definitiva a partir daí. Mas, naquelas circunstâncias, seria pelo menos um indício de inocência, se é que isso existe, não é mesmo?
A tardia declaração de inocência de Gushiken é uma lição do populismo penal midiático. A vítima não é só o ministro.
É você.
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