O problema da mídia no Brasil
Instituição mais poderosa do País, a mídia faz a manutenção de um Brasil acorrentado ao passado e aproveita-se da apatia política do brasileiro para aumentar sua influência e, claro, lucrar
Nascido e educado sob a influência de padrões sociais, políticos e culturais repressivos e arcaicos, o brasileiro edificou parte de suas instituições com as mesmas características retrógradas que se arrastaram do período colonial até o século 21. Isso sem perceber a necessidade de reformas e adaptações para evitar que tais instituições reproduzissem, em abundância, produtos já ultrapassados. São polícias, escolas, governos e até entidades organizadas pela sociedade civil recriando e promovendo antigas posturas adotadas pela estupidez de recentes administrações sedentas por poder, com explícitas intenções mercadológicas e alfabetizadas pela violência. Hoje, devido à amplitude e eficiência da força comunicativa da velha mídia tupiniquim, a televisão, o rádio, os jornais, as revistas e até mesmo os portais de internet uniram-se e consolidaram a instituição com a maior capacidade impulsionadora de valores "comuns" em períodos menos esclarecidos da humanidade: a mídia do alto da pirâmide, as poucas famílias que detêm o poder de se comunicar unilateralmente (e exclusivamente) com uma quantidade enorme de pessoas, as donas das empresas de comunicação, remontam a realidade buscando a manutenção de um Brasil colônia.
Os meios de comunicação aproveitam-se da apatia política do brasileiro, de sua ignorância quanto à própria história, de seu pouco entusiasmo para refletir sobre questões políticas, sociais e midiáticas e de sua postura conservadora, egoísta e excludente para aumentar sua influência e, claro, lucrar. A mídia reforça o que foi doutrinado pela violência dos anos de chumbo ou do período escravagista, por exemplo, e ainda concebe noções e representações moldadas com as péssimas experiências desse período. E tudo isso serve para conduzir aumentar uma audiência composta por pessoas acostumadas e dependentes das truculências sociais que ampliam a possibilidade de eventos racistas, machistas e homofóbicos e etc. . As empresas de comunicação, em muitos dos casos, ganham dinheiro em cima de conceitos equivocados que a sociedade incorporou, conservou, aprendeu a gostar e agora reproduz por pensar ser coerente e correto. Aliás, reproduz por não conseguir, ainda, fazer uma leitura ou interpretação adequada do que representa 80% da programação a qual é submetida. Isso não é novidade para um país repleto de "letrados" que mal conseguem ler um livro.
Com as portas, pernas e mentes abertas, os espectadores, ouvintes e navegantes são invadidos pela influência midiática, que aproveita para plantar opiniões, pontos de vista deturpados e linhas editoriais que dividem a cama com a parte comercial das corporações. Os receptores reagem, cada um à sua maneira, mas não conseguem fugir do tsunami provocado pela indústria da comunicação para, muitas vezes, impedir as mudanças que o país precisa. Não aparentam capacidade intelectual, não têm unidade (força) e nem representantes políticos competentes para caminhar de encontro à vontade dos grupos de comunicação e romper laços com a falta de respeito que é propagada por muitos deles. Basta abrir uma revista ou ligar a televisão para entrar em choque com verdades desenvolvidas para moldar um país sem espaço para a diversidade/diferença, sem lugar para o pobre e sem respeito pela mulher. E por mais incrível que isso possa parecer, esses são os fatos criados para vender, mas que também acabam ensinando.
Um dos motivos que leva jornais, programas de televisão, propagandas e até mesmo portais da internet a promover esse tipo de desagravo são as regras impostas pelo jogo capitalista do mercado, aonde o lucro sobrepõe o respeito, ou a recuperação de um país desigual e injusto. Além desse item há também o conservadorismo preconceituoso e letal do brasileiro aliado uma base educacional ainda deficiente e sem "prestígio" (estudar pra que?). A televisão roubou o papel da escola, mas leciona sem ética ou cuidados. Hoje, por exemplo, estupros e outras violências contra a mulher tornam-se piada em um país com altos índices dessas barbáries. Enquanto isso, do outro lado, um empresário ri e enche os bolsos de dinheiro.
As propagandas têm sido cada vez mais propulsoras de perspectivas ultrapassadas, inadequadas e desrespeitosas, principalmente com as mulheres. De acordo com boa parte das campanhas publicitárias que são veiculadas, hoje, as mulheres tornaram-se um produto a ser consumido ou manipulado por bens que não definem personalidade ou caráter, como carros e latas de cerveja. Além disso, as propagandas brincam com realidades historicamente perversas, envolvendo situações que terminam em casos de violência doméstica, na vida real. Outras campanhas, disputando o troféu da falta de noção, desenvolvem trabalhos visualmente perfeitos, mas com valores no mínimo imbecis. Sem avaliação alguma sobre o contexto social e econômico do país, eu imagino, essas propagandas atribuem novos valores ao humano, que agora é o carro que tem ou o lugar aonde mora, e lhe ensinam novas perspectivas: "jogue bola para melhorar a sua vida e confie no nosso banco". E não para por aí, há propagandas que mantém a "ordem" das coisas, mostrando que as "famílias felizes" e bem sucedidas são sempre compostas por pessoas de pele branca (e com a mãe cozinhando ou limpando a casa), enquanto os negros são utilizados exclusivamente para apresentar a "pluralidade racial" mentirosa de instituições de ensino superior ou para dizer que "os pobres terão acesso a uma nova política pública" (porque para a mídia "preto e pobre são palavras iguais"). E por fim (dos meus exemplos) as propagandas que querem também determinar como devem ser corpos, cabelos e roupas, pregando uma velha ditadura que nunca deixou de existir.
Essas e muitas outras (propagandas) estão preocupadas apenas em atingir a lucratividade com a venda dos seus produtos e se apoiam não só no afastamento do brasileiro quanto às questões sociais e políticas do país, como também na tendência conservadora e preconceituosa de muitos cidadãos em reproduzir comportamentos tenebrosos, ultrapassados e até criminosos. É a brutalidade da ignorância em favor de uma das máquinas mais atuais de sustentação do nosso falido sistema político e econômico vigente: a mídia.
Não bastassem as ridículas e pobres alusões racistas e discriminatórias nas propagandas, ainda temos os programas de televisão, incluindo novelas e quadros de comédia, que insistem em estar sempre renovando o desrespeito. São as histórias de sempre, que sustentam e mantém negros, mulheres, gays e nordestino em situações que já não compõem o nosso contexto atual, principalmente por constituírem crimes contra os direito humanos. As minorias se tornam caricaturas para divertir e distrair, promovendo discriminação e exclusão. Estão dentro de uma programação que não respeita e não está preocupada com os valores seculares enfrentados por essas pessoas, mas sim em entupir outros cidadãos com uma "ração audiovisual" de baixa qualidade para a obtenção de poder e dinheiro.
E a imprensa não fica atrás, principalmente os setores que atuam para ganhar mais espaço no mercado ao invés de suprir a necessidade da sociedade brasileira por uma informação de qualidade, sem entrelinhas. São os lucros da publicidade sobre as dificuldades da população. E para alcançar seus objetivos esses "jornalões" jogam sujo. Escondem informações, invadem as vidas alheias e deturpam realidades para que elas pareçam menos complexas e mais "rentáveis". Quantos jornalistas nunca tiveram que apagar essa ou aquela frase, parágrafo ou palavra em função de acordos e anúncios publicitários? Quantos jornais não produzem suas manchetes "para vender jornal" e não para informar o público? Quantos jornais se desvinculam de políticos para se vincular ao leitor/espectador/ouvinte? Quantos jornais não pertencem a um político "bem conectado" no Congresso Nacional, no Palácio do Planalto e no Supremo Tribunal Federal? Aliás, no Brasil, além de perpetuar moldes oligárquicos, a imprensa também julga pela justiça, legisla pelos parlamentares e senadores e executa pela presidente da República. Por aqui, os jornais se tornam até partidos políticos. Porém, é preciso levar em conta que ninguém sabe ao certo qual é o papel ou a função da mídia nacional e nativa.
No Brasil, a mídia ajuda a manter um país que não deveria existir para um povo que não o conhece. São poucas famílias formatando o Brasil a bel prazer, para que políticos e empresários se eternizem na direção de uma República que escondeu corpos estigmatizados pelas truculências da história. Tudo para privilegiar os grupos que "presidem" o país desde a época em que uma das principais propulsoras da nossa economia era a chibata.
O impressionante é que apesar dos mais de 500 anos de experiência, a população ainda não despertou por inteiro para fazer sumir alguns dos muros impostos, quando coroas e impérios nos presentearam com mordaças, coleiras e ignorância. A luta não é fácil, principalmente para quem nas estatísticas atua pelo time dos excluídos, marginalizados e "diferentes". Ou melhor, a parte da população prejudicada diretamente pelos tropeços do país e que não consegue se recuperar por inteiro. Também não é fácil para aqueles que saíram da caverna e encontraram outra luz, além da emitida pela televisão. É óbvio que apenas uma regulamentação da mídia não seria o suficiente para mudar o país, até porque os meios de comunicação são apenas parte de um problema muito maior. Seria necessária uma verdadeira revolução social, cultural, política e econômica. Mas vai ficando difícil acreditar em mudanças dentro de um país com pessoas não sabem falar a própria língua, não conhecem a própria história e estão muito distantes da vontade real de querer um país diferente.
Rafael Querrer é jornalista e repórter de política e economia
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