A última semana foi marcada pelo estardalhaço midiático em relação ao início do julgamento do mensalão, os tribunais da razão convertidos em telenovela e apresentada em capítulos. Esta semana que se inicia tem mais. De um lado, uma oposição pouco crível pedindo a condenação por algo no qual ela também está envolvido, do outro, uma situação que passou as últimas eleições incólume falando em julgamento "técnico" e "justo", mas não político. Bem...
Para ser bastante direto, no que toca ao mensalão, este blog, como não poderia ser diferente, não irá rufar tambores pela condenação de quem quer seja no julgamento do STF, seja o petista José Dirceu ou o tucano Eduardo Azeredo - e de qualquer um outro suposto envolvido - porque, ao contrário de ambos, não é punitivista e também porque não crê em saídas penais (que costumam ser entradas em becos sem saída infernais), muito menos para problemas políticos, que se resolvem com a devida reforma.
Não serão os tribunais da razão que darão resolução ao problema, ainda mais diante de um nexo de coisas tão confuso, no qual a decisão "justa" seria a abolição do sistema pelo próprio sistema como em uma autodestruição. Mas, ainda assim, nos resta tecer alguns comentários sobre o cenário geral.
Se a filosofia aparece, desde tempos imemoráveis, sob as mais diversas máscaras concebíveis, é certo que com a doxa - a glória, a aclamação ou a mera opinião - também não é muito diferente: no Brasil de hoje, apesar das conquistas todas, ela vem na forma de uma curiosa telenovelização do debate político, o que se espraia da mídia tradicional até as redes sociais. Da direita mais anti-democrática à intelectualidade de esquerda.
É dessa conversão de tudo em dramalhão, do estímulo à má consciência e da produção constante de superstições que se faz a cortina de fumaça do que realmente interessa: a questão social, a urgência da crise ambiental a problemática da política. Isso ajuda a explicar toda a história do mensalão, cuja incessante e pouco desinteressada repetição ocupa boa parte do dito noticiário político nos últimos anos.
A mídia de massa tradicional, presa a interesses que vão do comezinho sensacionalista - que demanda vilões, mocinhos etc - até interesses políticos e econômicos maiores - que importam na sua própria sobrevivência - assume as rédeas do processo, cria histórias para justificar suas teses e condena previamente quem ela deseja. Para completar o quadro, é preciso lembrar que se setores da nossa política vivem de certo idealismo e purismo, outros são suficientemente espertos para manipularem isso.
De repente, toda a disfuncionalidade histórica do Congresso Nacional é narrada de modo a parecer que ela foi causada por um governo em específico, em um fantasioso esquema de compra por votos - o que cai por terra rapidamente quando as investigações avançam e chegam até um influente político da oposição. Os anos sequer pouparam um outro senador, há pouco alçado a paladino da moral, mas rapidamente desmascarado (e mesmo seus aliados mais íntimos se declaram traídos, afinal, como ele pode ter nos enganado por tanto tempo?)
O sistema político brasileiro funciona mal, os partidos estão distantes da sociedade, a maioria deles sequer existe realmente, e o Legislativo é eleito dentro de um sistema ruim. Não obstante o fato da problemática histórica do Estado. O Congresso Nacional, que consegue piorar a cada legislatura, vive da defesa de seus lobbies, configurando-se em uma constante ameaça de desgoverno para o país: seja pelo seu modus operandi ou pela chantagem que exerce.
E desgoverno é diferente de antigoverno, é uma catástrofe só pode gerar alento em mentes niilistas suficientemente bem colocadas, ou iludidas, para não naufragarem, ou acharem que não vão junto. O que se passa na zona cinzenta entre o executivo e o legislativo importa por completo tanto quanto não importa. É uma zona de guerra, que não raro é desenhada como zona de paz conforme o sabor do momento (e do adversário).
Fica a lição, para todas as partes envolvidas, do velho Savonarola, o moralista militante e antítese de Maquiavel que tentou purgar a Itália renascentista da corrupção como se ela fosse uma entidade transcendental e onipotente, mas terminou provando de seu próprio veneno e morreu queimado nas mesmas fogueiras que tanto incitou contra os outros - e isso vale para a esquerda que hoje queda vítima desse ardil, mas que alimentou durante anos essa perspectiva moralista de política, quanto para a oposição oportunista que se regojizou com a presente situação, mas que morre pela língua de uma forma tão rápida que é digna de piada.
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