quinta-feira, 2 de agosto de 2012

A pandora de Gurgel | Carta Capital

A pandora de Gurgel | Carta Capital

Wálter Maierovitch

Julgamento no STF

02.08.2012 07:50

A pandora de Gurgel

Conta a mitologia grega ter Zeus confeccionado e presenteado Pandora com uma ânfora. No Brasil, virou Caixa de Pandora. Pandora foi advertida por Zeus para jamais abri-la, sob risco de deixar escapar o conteúdo armazenado. Como havia recebido de Hermes o dom da curiosidade, ela desprezou a recomendação de Zeus e, ao abrir a tampa, deixou escapar todos os males do mundo.
Às vésperas do início do julgamento do chamado mensalão, tem-se a impressão de que Zeus, no Brasil apelidado de Roberto Jefferson, entregou uma Caixa a Pandora ao então procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, responsável pela sua ruidosa abertura. Tudo transcorreu em meio à CPI dos Correios e, após a entrevista de Jefferson à Folha de S.Paulo, o deputado cassado, que no momento brada não aceitar condenação e acusa Joaquim Barbosa, ministro relator do caso de buscar “aplauso em botequim”, confessou ter embolsado 4,5 milhões de reais, montante cujo destino não foi investigado.
Tom. Vamos saber se Gurgel forçou a mão na denúncia. Foto: Felipe Sampaio/SCO/STF
A propósito, nem o bispo Rodrigues, um dos réus do “mensalão”, então expoente da Igreja Universal do Reino de Deus e acusado de receber 150 mil reais do valerioduto, conseguiu o milagre de travar a tampa da Caixa de Pandora tupiniquim.
Com efeito. Antônio Fernando de Souza, então chefe do Ministério Público Federal e único legitimado a propor ação penal pública, denunciou 38 réus e tipificou condutas como crimes de formação de quadrilha, evasão de divisas, peculato, corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta.  Para ele, a quadrilha era comandada por José Dirceu, à época ministro da Casa Civil, e saqueou os cofres públicos para comprar apoio político no Parlamento.
Com a Caixa de Pandora aberta por Souza e as suspeitas difundidas por todo o Brasil, o seu sucessor, Roberto Gurgel, nos autos processuais e em alegações finais apresentadas em julho de 2011, pediu a condenação de 36 dos 38 réus e selecionou, do elenco de males saídos da Caixa de Pandora, um dos piores: “A mais grave agressão aos valores democráticos”.
Na presente quadra, a sociedade civil conta com a esperança de o STF realizar, à luz das provas, um julgamento técnico e justo. Nada de julgamento político, como já fez ao reconhecer ter sido a lei da anistia recepcionada pela Constituição de 1988.
Durante o recesso de julho, os defensores constituídos pelos réus concluíram o périplo aos gabinetes dos ministros. Todos os advogados defensores colocaram-se à disposição para responder a eventuais perguntas dos magistrados. Essa tradicional visita, ressalte-se, não dura mais que 15 minutos e raramente os ministros pedem esclarecimentos.
A meta, com a entrega dos memoriais, é não surpreender por ocasião da sessão de julgamento. Algumas colocações foram feitas a ministros mais liberais e preocupados não só com o julgamento, mas com a imagem da Corte. Por exemplo, como frisado em coluna anterior intitulada Supremos Momentos, existe o desconcerto derivado da programada antecipação do voto do ministro Cezar Peluso, que, por se aposentar em 3 de setembro, dificilmente estará presente no final do julgamento, ocasião que cabe retratação, ou seja, mudança do voto.
Mais ainda: a aproximação do dia 2 de agosto, início da sessão de julgamento, não serviu para espantar algumas dúvidas e as expectativas aumentaram. O reservado Peluso não diz se irá se aposentar antes do início do julgamento. Com a credibilidade abalada por ter engavetado ilegalmente os autos do inquérito iniciado com a Operação Vegas, o procurador Gurgel apenas lançou balões de ensaio sobre a apresentação de exceção de suspeição do ministro Dias Toffoli. E ainda sobre falta de imparcialidade e apresentação de exceções, os defensores se trancam em copas sobre Gilmar Mendes. Eles apenas lembram ter Mendes, no caso do “mensalão” tucano, votado pela rejeição da denúncia contra o senador Eduardo Azeredo.
A questão da incompetência do STF com relação aos réus que não detêm foro privilegiado será novamente agitada pelos defensores. A chance de pegar essa arguição é mínima, pois a vis atractiva existe para evitar, com os desmembramentos dos processos, decisões contraditórias entre variados órgãos judiciários. No particular, o STF entende ser caso de um único e simultâneo processo e a englobar réus que não gozam do foro privilegiado.
Uma inconveniência nos últimos dias desagradou aos ministros. Ela coube à magistrada Eliana Calmon, ex-corregedora do CNJ. Para Calmon, os ministros do Supremo serão julgados pela população.
A juíza perdeu oportunidade de silenciar. O que está em jogo e interessa à sociedade civil é a atuação do procurador-geral da República, que representa os cidadãos e é fiscal do cumprimento das leis. Ou seja, está em jogo a procedência ou a improcedência da acusação (pretensão punitiva contida na denúncia) apresentada pelo Ministério Público. Em outras palavras, se acertou ou errou. E se forçou a mão ao considerar crime comum aquilo que, segundo os defensores, não passou de caixa 2, de crime eleitoral e prescrito.
No processo criminal e em ação pública, como até os rábulas de porta de cadeia sabem, o ônus da prova é sempre da acusação. Competirá a Gurgel provar a procedência da pretensão de condenar e punir. Salvo com relação a Luiz Gushiken e Antonio Lamas, poupados diante da falta de provas.
Convém recordar que, em 1994, no STF, o procurador-geral, Aristides Junqueira, não conseguiu comprovar minimamente a acusação contra Fernando Collor de Mello. E o clima, à época, era bem semelhante ao de hoje.
Os ministros do Supremo devem analisar as provas e realizar a valoração. Por evidente, não podem condenar por mera presunção. No particular, Dirceu aposta todas as fichas de que o STF, pela falta de prova e acusação estribada em mera presunção, será absolvido.
Até o tró-ló-ló promocional de Serraglio é frágil, em termos de credibilidade de provas. Segundo Serraglio: 1. “Nada ocorria sem o beneplácito de Dirceu”. 2. Jefferson confessou e o acusou. 3. Marcos Valério afirmou “ter ouvido” de Delúbio Soares que Dirceu dera aval. 4. A mulher de Valério disse saber de reunião de Dirceu com o presidente do Banco Rural. 5. A secretária de Valério afirmou que este mantinha contatos diretos com Dirceu.

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