O caixa dois fora dos autos | Valor Econômico
Política não é Olimpíada. Atletas vitoriosos recebem com exclusividade os benefícios materiais da vitória, além da glória, cabendo aos torcedores a recompensa simbólica da emoção satisfeita. Não é assim em política. Vitória e derrota produzem relevantes consequências materiais para eleitores e não eleitores. Ninguém pode evitar os desdobramentos de uma eleição, não basta desligar a televisão. E para influenciar os resultados dessa competição é que se organizam os interesses e se formam os partidos políticos. Partidos são organizados para a conquista das posições de poder decisório sobre o que acontecerá material e socialmente na vida de cada um no futuro imediato e próximo. Respondem à necessidade de dar tratamento e solução aos inevitáveis conflitos de interesse constitutivos das sociedades, valendo-se da aplicação de regras previamente aprovadas em eleições especiais. São os partidos que garantem, mediante o funcionamento das instituições para tal desenhadas, a civilidade da convivência social. Quando os partidos e as demais instituições não funcionam eficazmente, segue-se a multiplicação de conflitos selvagens, isto é, sem regras. Ambicionar a conquista do poder político não revela patologia alguma, em princípio, do mesmo modo que o desejo de enriquecer não compromete, por isso, o caráter de um empresário ou investidor.
Nem todos os vigários são pedófilos e os que o são não o são porque sejam vigários ou cardeais. Há políticos negligentes, assim como alguns médicos, e, outros, desonestos, mas não porque são médicos ou políticos. Ninguém julga um caso de imperícia médica tendo por premissa que a própria atividade é, de si, maculada, sendo o desvio cometido não mais do que agravante. Frequente, contudo, mesmo entre cidadãos ilustrados, é a manifestação do preconceito de que a atividade política é contaminada por essencial impureza. Em várias análises de nobre patrocínio o núcleo acusatório resume-se à denuncia de que alguém ou alguma organização, partidos políticos, no caso, movem-se pela busca do poder. Na realidade, trata-se do reconhecimento de uma inocente obviedade. Nada mais.
É magnífica a oportunidade para convocar certas normas à responsabilidade, neste e em episódios semelhantes
Organizações diferem entre si em graus de hierarquia, especificação de funções, concentração de decisões, formulação de estratégias, extensão da divisão do trabalho e em muitas outras dimensões. A eficácia dessas estruturas de ação coletiva depende da inteligência com que foram articuladas e organizadas. Analisei os organogramas funcionais de 76 empresas públicas (em pesquisa já antiga), distribuídas por setores diversos da economia: bancos, empresas industriais, agrícolas, de transporte, de previdência e ainda outras. O porte de todas elas impunha um formato básico quase semelhante nas áreas chamadas de administrativas, as quais, não obstante a nomenclatura variável, se mostravam aparentadas nas funções desempenhadas. Diferenças significativas entre organizações bancárias e industriais só adquirem destaque em estágios próximos da produção do bem ou mercadoria característica de cada uma delas. Há regras para organizar a ação coletiva tendo em vista alcançar o objetivo com eficiência e eficácia e que se replicam nas demais organizações em busca dos mesmos objetivos. O abundante noticiário policial e os livros-reportagens sobre a matéria justificam a impressão de que a estrutura organizacional do negócio do tráfico e distribuição de drogas acompanha o desenho formal das grandes redes varejistas: a coordenação para o recebimento regular da mercadoria em vista das oscilações da demanda; a distribuição a inúmeros e descentralizados pontos de distribuição; a responsabilidade pela segurança de toda a cadeia de transporte e trocas, minimizando perdas, roubos e deterioração do produto; a contabilidade sofisticada dos ganhos e das perdas da extensa rede de unidades responsáveis pela entrega do produto ao consumidor final e, enfim, o recebimento da compensação financeira esperada.
É evidente que as organizações dos exemplos são profundamente heterogêneas no serviço prestado ou bem distribuído, mas a heterogeneidade não resulta da comum família organizacional. Isto significa que formatos organizacionais relativamente semelhantes podem ser eficazes e bem-sucedidos na provisão de bens pessoal e socialmente úteis, tanto quanto no atendimento à demanda por bens semilícitos ou totalmente ilegais. O formato é inocente.
Partidos são organizações com autonomia para decidir o que, para quem, mas não como fazer o que se propõem. Operam segundo normas estabelecidas pelo Legislativo e pelos tribunais eleitorais. Essas normas estão fora dos autos, imagino, pois raramente mencionadas pelos advogados e ignoradas no pronunciamento do procurador Roberto Gurgel. Não obstante, algumas estão na origem das condições institucionais da ação penal, que, aliás, nada tem de inédita. A relevância que a conjuntura política adquiriu, ideologicamente estruturada em grande parte pelos meios de comunicação, oferece magnífica oportunidade para convocar tais normas à responsabilidade que lhes cabe nesse e em episódios semelhantes.
Legislativo e Superior Tribunal Eleitoral terminaram por expulsar as campanhas eleitorais das ruas. Sempre com o bem-intencionado motivo de reduzir a influência do poder econômico nas eleições, sucessivas normas efetivamente vedaram ou inviabilizaram a eficácia das militâncias partidárias em propaganda andarilha. Comícios e carreatas dependem de desanimadora burocracia, são proibidas as tentativas pessoais de convencimento em dia de eleição ou portar símbolos partidários, entre outras disposições, bem como, a qualquer tempo, a distribuição de chaveirinhos e quinquilharias do gênero. O resultado revela-se na patética exposição de moças e rapazes abraçados em vias públicas a cartazes de propaganda eleitoral, durante o período permitido pela Justiça, com a mesma indiferença com que anunciariam uma promoção de queima de estoques. A boa intenção promoveu a substituição da militância voluntária pela propaganda paga, com benefício evidente para os candidatos economicamente poderosos.
A contribuição mais desastrosa das boas intenções refere-se à criação de multimilionário mercado por via legislativa, o mercado da marquetagem eleitoral, e à transformação do tempo de televisão em ativo eleitoral negociável. Com a prática expulsão das campanhas das ruas, a legislação elevou a televisão a canal virtualmente exclusivo de comunicação dos candidatos com grandes massas. Os consultores de campanha se encarregaram de introduzir nos horários partidários uma competição entre minisséries, com enredo e produção de custos astronômicos. Nunca o poder econômico foi tão crucial ou o valor de um segundo de propaganda em televisão equivalente ao anúncio de um novo sabão em pó. Daí a mudança no significado das coligações.
Originalmente, as coligações, em sistemas proporcionais, objetivam reduzir o desperdício de votos, aqueles que não elegem ninguém, proporcionando, ao mesmo tempo, maior chance de vitórias a partidos de menor porte e eleitorado. Sendo raríssimos os casos de candidatos que obtêm a votação exigida pelo quociente eleitoral daquela eleição, todos se elegem às custas dos votos totais obtidos pela legenda ou pela coligação à qual pertence a legenda. Isso permite a partidos médios ou pequenos concentrarem seus votos em poucos candidatos, esperando conseguir para eles boa colocação na ordem de todos os votados nos partidos da coligação e, assim, conquistar cadeiras. Essa tem sido a estratégia histórica, por exemplo, do PC do B, orientando seus eleitores a descarregarem votos em um ou dois candidatos, posicionando-os vitoriosamente na lista final dos eleitos pela coligação a que pertence. O mecanismo reduz o desperdício de votos, posto que somente o último resto das divisões dos votos totais das coligações pelo quociente eleitoral, aquele que fica abaixo do próprio quociente, deixa de ser eficaz. Claro, a maioria do eleitorado contribui para eleger candidatos nos quais não votou, mas é igualmente cristalino que os eleitores vitoriosos só o foram porque seus candidatos se aproveitaram de votos alheios. Ora se contribui, ora se é contribuído. Jogo equilibrado.
Partidos são organizações com autonomia para decidir o que, para quem, mas não como fazer o que se propõem
O mercado televisivo criado pela legislação desequilibrou a competição. Cada segundo de propaganda na televisão, se é tático para o pequeno partido, por aparecer em coligação que poderá proporcionar-lhe restos de votos, virou estratégico para o partido líder, com o objetivo de roubar tempo disponível à coligação adversária. Sendo muito custosa a propaganda em minisséries eleitorais, a participação em coligações não diminui, ao contrário, aumenta a pressão financeira sobre partidos modestos. E aí a legislação intervém outra vez aleatoriamente.
Normas sobre coligações são meio nebulosas, reconhecem os estudiosos. De certo, elas permitem que dois ou mais partidos, sem limite de número, se coliguem para disputar eleições majoritárias ou proporcionais. À parte isso, tudo o mais é complicado ou controverso. Partidos em coligações majoritárias podem não ser os mesmos nas proporcionais naquela mesma eleição e naquele mesmo distrito, por exemplo. Se não há limite para o número de partidos em uma coligação, é duvidoso se um partido pode prestar, mediante documentação cristalina, ajuda financeira a outro partido da mesma coligação. Em qualquer caso, é praticamente certo que os recursos necessários aos partidos pequenos participarem da competição com alguma chance, dados os valores agora em jogo, excedem de muito o que os partidos líderes poderiam eventualmente proporcionar segundo alguma norma por aí esquecida. Um mercado de competição eleitoral superaquecido por meio de legislação é objeto, por intermédio de outras normas, de restrições reais ao número de participantes efetivos na competição.
Interessados em política sabem o que acontece. Eleitores, políticos, jornalistas, advogados, juízes de qualquer instância, todos sabem: os partidos com maiores recursos assumem compromissos de ajuda financeira às campanhas dos partidos modestos. São acordos firmados entre líderes de partido, normalmente, e os líderes dos partidos socorridos se responsabilizam pela distribuição interna dos recursos. Foi isso o que disse, com todas as letras, o então deputado Roberto Jefferson, em sua denúncia original: retivera e não repassara R$ 4 milhões que recebera do Partido dos Trabalhadores para a campanha eleitoral do Partido Trabalhista Brasileiro. Só os participantes conhecem em pormenor como são negociados e levados adiante esses compromissos, mas alegar desconhecimento de que assim são as eleições no país, em todos os níveis e há vários anos, só interessa a quem deseja omitir a responsabilidade do Legislativo e do Superior Tribunal Eleitoral na criação dos incentivos que antecederam a criação do mais espantoso mercado de marquetagem eleitoral em países de economia média e transformaram cada segundo de televisão em ativo negociável.
Em todo processo longo, complexo e invisível, são muitas as oportunidades para infrações de toda ordem. Envolvendo, por necessidade operacional, enorme cadeia de personagens, a execução dos compromissos de caixa 2 devem vir propiciando roubos e outros crimes, em todas as eleições pós 1988, em todos os estados, em todos os níveis, envolvendo todos os partidos, à exceção, talvez, de alguns poucos principistas, o PSTU, por exemplo, que não participam de coligações e tampouco elegem representantes. O Supremo Tribunal Federal julgará soberanamente a Ação Penal 470, mas ficarei espantado se algum ministro manifestar surpresa diante dos autos. Todos conhecem o que está fora deles.
Wanderley Guilherme dos Santos é professor titular (aposentado) de teoria política do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ
O caixa dois fora dos autos
Política não é Olimpíada. Atletas vitoriosos recebem com exclusividade os benefícios materiais da vitória, além da glória, cabendo aos torcedores a recompensa simbólica da emoção satisfeita. Não é assim em política. Vitória e derrota produzem relevantes consequências materiais para eleitores e não eleitores. Ninguém pode evitar os desdobramentos de uma eleição, não basta desligar a televisão. E para influenciar os resultados dessa competição é que se organizam os interesses e se formam os partidos políticos. Partidos são organizados para a conquista das posições de poder decisório sobre o que acontecerá material e socialmente na vida de cada um no futuro imediato e próximo. Respondem à necessidade de dar tratamento e solução aos inevitáveis conflitos de interesse constitutivos das sociedades, valendo-se da aplicação de regras previamente aprovadas em eleições especiais. São os partidos que garantem, mediante o funcionamento das instituições para tal desenhadas, a civilidade da convivência social. Quando os partidos e as demais instituições não funcionam eficazmente, segue-se a multiplicação de conflitos selvagens, isto é, sem regras. Ambicionar a conquista do poder político não revela patologia alguma, em princípio, do mesmo modo que o desejo de enriquecer não compromete, por isso, o caráter de um empresário ou investidor.
Nem todos os vigários são pedófilos e os que o são não o são porque sejam vigários ou cardeais. Há políticos negligentes, assim como alguns médicos, e, outros, desonestos, mas não porque são médicos ou políticos. Ninguém julga um caso de imperícia médica tendo por premissa que a própria atividade é, de si, maculada, sendo o desvio cometido não mais do que agravante. Frequente, contudo, mesmo entre cidadãos ilustrados, é a manifestação do preconceito de que a atividade política é contaminada por essencial impureza. Em várias análises de nobre patrocínio o núcleo acusatório resume-se à denuncia de que alguém ou alguma organização, partidos políticos, no caso, movem-se pela busca do poder. Na realidade, trata-se do reconhecimento de uma inocente obviedade. Nada mais.
É magnífica a oportunidade para convocar certas normas à responsabilidade, neste e em episódios semelhantes
Organizações diferem entre si em graus de hierarquia, especificação de funções, concentração de decisões, formulação de estratégias, extensão da divisão do trabalho e em muitas outras dimensões. A eficácia dessas estruturas de ação coletiva depende da inteligência com que foram articuladas e organizadas. Analisei os organogramas funcionais de 76 empresas públicas (em pesquisa já antiga), distribuídas por setores diversos da economia: bancos, empresas industriais, agrícolas, de transporte, de previdência e ainda outras. O porte de todas elas impunha um formato básico quase semelhante nas áreas chamadas de administrativas, as quais, não obstante a nomenclatura variável, se mostravam aparentadas nas funções desempenhadas. Diferenças significativas entre organizações bancárias e industriais só adquirem destaque em estágios próximos da produção do bem ou mercadoria característica de cada uma delas. Há regras para organizar a ação coletiva tendo em vista alcançar o objetivo com eficiência e eficácia e que se replicam nas demais organizações em busca dos mesmos objetivos. O abundante noticiário policial e os livros-reportagens sobre a matéria justificam a impressão de que a estrutura organizacional do negócio do tráfico e distribuição de drogas acompanha o desenho formal das grandes redes varejistas: a coordenação para o recebimento regular da mercadoria em vista das oscilações da demanda; a distribuição a inúmeros e descentralizados pontos de distribuição; a responsabilidade pela segurança de toda a cadeia de transporte e trocas, minimizando perdas, roubos e deterioração do produto; a contabilidade sofisticada dos ganhos e das perdas da extensa rede de unidades responsáveis pela entrega do produto ao consumidor final e, enfim, o recebimento da compensação financeira esperada.
É evidente que as organizações dos exemplos são profundamente heterogêneas no serviço prestado ou bem distribuído, mas a heterogeneidade não resulta da comum família organizacional. Isto significa que formatos organizacionais relativamente semelhantes podem ser eficazes e bem-sucedidos na provisão de bens pessoal e socialmente úteis, tanto quanto no atendimento à demanda por bens semilícitos ou totalmente ilegais. O formato é inocente.
Partidos são organizações com autonomia para decidir o que, para quem, mas não como fazer o que se propõem. Operam segundo normas estabelecidas pelo Legislativo e pelos tribunais eleitorais. Essas normas estão fora dos autos, imagino, pois raramente mencionadas pelos advogados e ignoradas no pronunciamento do procurador Roberto Gurgel. Não obstante, algumas estão na origem das condições institucionais da ação penal, que, aliás, nada tem de inédita. A relevância que a conjuntura política adquiriu, ideologicamente estruturada em grande parte pelos meios de comunicação, oferece magnífica oportunidade para convocar tais normas à responsabilidade que lhes cabe nesse e em episódios semelhantes.
Legislativo e Superior Tribunal Eleitoral terminaram por expulsar as campanhas eleitorais das ruas. Sempre com o bem-intencionado motivo de reduzir a influência do poder econômico nas eleições, sucessivas normas efetivamente vedaram ou inviabilizaram a eficácia das militâncias partidárias em propaganda andarilha. Comícios e carreatas dependem de desanimadora burocracia, são proibidas as tentativas pessoais de convencimento em dia de eleição ou portar símbolos partidários, entre outras disposições, bem como, a qualquer tempo, a distribuição de chaveirinhos e quinquilharias do gênero. O resultado revela-se na patética exposição de moças e rapazes abraçados em vias públicas a cartazes de propaganda eleitoral, durante o período permitido pela Justiça, com a mesma indiferença com que anunciariam uma promoção de queima de estoques. A boa intenção promoveu a substituição da militância voluntária pela propaganda paga, com benefício evidente para os candidatos economicamente poderosos.
A contribuição mais desastrosa das boas intenções refere-se à criação de multimilionário mercado por via legislativa, o mercado da marquetagem eleitoral, e à transformação do tempo de televisão em ativo eleitoral negociável. Com a prática expulsão das campanhas das ruas, a legislação elevou a televisão a canal virtualmente exclusivo de comunicação dos candidatos com grandes massas. Os consultores de campanha se encarregaram de introduzir nos horários partidários uma competição entre minisséries, com enredo e produção de custos astronômicos. Nunca o poder econômico foi tão crucial ou o valor de um segundo de propaganda em televisão equivalente ao anúncio de um novo sabão em pó. Daí a mudança no significado das coligações.
Originalmente, as coligações, em sistemas proporcionais, objetivam reduzir o desperdício de votos, aqueles que não elegem ninguém, proporcionando, ao mesmo tempo, maior chance de vitórias a partidos de menor porte e eleitorado. Sendo raríssimos os casos de candidatos que obtêm a votação exigida pelo quociente eleitoral daquela eleição, todos se elegem às custas dos votos totais obtidos pela legenda ou pela coligação à qual pertence a legenda. Isso permite a partidos médios ou pequenos concentrarem seus votos em poucos candidatos, esperando conseguir para eles boa colocação na ordem de todos os votados nos partidos da coligação e, assim, conquistar cadeiras. Essa tem sido a estratégia histórica, por exemplo, do PC do B, orientando seus eleitores a descarregarem votos em um ou dois candidatos, posicionando-os vitoriosamente na lista final dos eleitos pela coligação a que pertence. O mecanismo reduz o desperdício de votos, posto que somente o último resto das divisões dos votos totais das coligações pelo quociente eleitoral, aquele que fica abaixo do próprio quociente, deixa de ser eficaz. Claro, a maioria do eleitorado contribui para eleger candidatos nos quais não votou, mas é igualmente cristalino que os eleitores vitoriosos só o foram porque seus candidatos se aproveitaram de votos alheios. Ora se contribui, ora se é contribuído. Jogo equilibrado.
Partidos são organizações com autonomia para decidir o que, para quem, mas não como fazer o que se propõem
O mercado televisivo criado pela legislação desequilibrou a competição. Cada segundo de propaganda na televisão, se é tático para o pequeno partido, por aparecer em coligação que poderá proporcionar-lhe restos de votos, virou estratégico para o partido líder, com o objetivo de roubar tempo disponível à coligação adversária. Sendo muito custosa a propaganda em minisséries eleitorais, a participação em coligações não diminui, ao contrário, aumenta a pressão financeira sobre partidos modestos. E aí a legislação intervém outra vez aleatoriamente.
Normas sobre coligações são meio nebulosas, reconhecem os estudiosos. De certo, elas permitem que dois ou mais partidos, sem limite de número, se coliguem para disputar eleições majoritárias ou proporcionais. À parte isso, tudo o mais é complicado ou controverso. Partidos em coligações majoritárias podem não ser os mesmos nas proporcionais naquela mesma eleição e naquele mesmo distrito, por exemplo. Se não há limite para o número de partidos em uma coligação, é duvidoso se um partido pode prestar, mediante documentação cristalina, ajuda financeira a outro partido da mesma coligação. Em qualquer caso, é praticamente certo que os recursos necessários aos partidos pequenos participarem da competição com alguma chance, dados os valores agora em jogo, excedem de muito o que os partidos líderes poderiam eventualmente proporcionar segundo alguma norma por aí esquecida. Um mercado de competição eleitoral superaquecido por meio de legislação é objeto, por intermédio de outras normas, de restrições reais ao número de participantes efetivos na competição.
Em todo processo longo, complexo e invisível, são muitas as oportunidades para infrações de toda ordem. Envolvendo, por necessidade operacional, enorme cadeia de personagens, a execução dos compromissos de caixa 2 devem vir propiciando roubos e outros crimes, em todas as eleições pós 1988, em todos os estados, em todos os níveis, envolvendo todos os partidos, à exceção, talvez, de alguns poucos principistas, o PSTU, por exemplo, que não participam de coligações e tampouco elegem representantes. O Supremo Tribunal Federal julgará soberanamente a Ação Penal 470, mas ficarei espantado se algum ministro manifestar surpresa diante dos autos. Todos conhecem o que está fora deles.
Wanderley Guilherme dos Santos é professor titular (aposentado) de teoria política do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ
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