A impostura fiscal tucana
O discurso tucano sobre responsabilidade fiscal é uma das maiores imposturas do cenário político brasileiro atual. É tão falso como uma cédula de trinta reais
Sob FHC (1995-2002), a dívida pública, como percentual do PIB, saltou de 30% para 51% (este número será questionado e esmiuçado adiante). No período, a dívida total líquida do setor público cresceu 485%. Variou de R$ 153,1 bilhões, em 1994, para R$ 896 bilhões em 2002. O cenário delineado por esses números torna-se ainda mais assombroso quando se considera que o governo FHC, naquela ocasião, estava privatizando as empresas estatais e que, por exigência legal, um dos objetivos das privatizações era investir os recursos apurados na redução da dívida pública. Verificou-se então o milagre tucano da multiplicação exponencial das dívidas, as estatais foram torradas na bacia das almas e a dívida pública, que devia ser reduzida, deu um salto astronômico.
Dificilmente algum tucano seria capaz de explicar de forma convincente e sem corar para onde foram os US$ 105 bilhões apurados nas privatizações. Analisando este crime de lesa pátria, o economista José Prata de Araújo concluiu: "Em todas as séries históricas existentes não se conhece um processo de endividamento tão violento do Estado Brasileiro." (O Brasil de Lula e o de FHC – Página 129)
Este quadro de irresponsabilidade fiscal sem limites agrava-se ainda mais quando consideramos que as estatísticas produzidas no governo FHC sobre dívida pública líquida, como proporção do PIB, foram fraudadas. Como dito acima, vamos discutir o assunto. Para tanto, recorremos novamente a José Prata Araújo. É ele quem explica: "....FHC expurgou parte da dívida do setor público (os efeitos da desvalorização cambial) para efeitos de cálculo enquanto percentual do PIB. Se não, vejamos. Em 2002 a dívida líquida do setor público era R$ 896 bilhões contra um PIB no ano de R$ 1,477 trilhão. Desta forma a dívida correspondia a 60,7% PIB e não aos 51,3% divulgados pelos tucanos."
Trabalhando com números reais, sem fraudes nem truques estatísticos, a dívida líquida do setor público brasileiro em 2009 fechou em R$ 1,3 bilhão, ante um PIB de R$ 3,1 trilhões. Assim, a dívida pública caiu para 42,9% do PIB. Isso significa que FHC, torrando estatais, dobrou a dívida pública e que o presidente Lula, sem sacrificar nenhum patrimônio público, reduziu substancialmente esta dívida, contribuindo para a governabilidade do Brasil. Já com a presidenta Dilma Rousseff a dívida pública brasileira continuou sua trajetória declinante.
Se, no fim do governo do presidente Lula, ela equivalia a 42,9% do PIB, no dia 31 de maio último o Banco Central anunciou que esta dívida tinha caído para 35,7% do PIB. Isso significa que o Brasil enfrenta a atual crise mundial desfrutando de uma relação dívida/PIB confortável. Poderíamos até dizer invejável aos olhos de países que em 2011 já tinham uma relação dívida/PIB bem pior que a brasileira. Refiro-me a países como Japão (225,80%), Grécia (144%), Itália (118,10%), França (83,56%), Portugal (83,20%), Reino Unido (76,50%), Espanha 63,40%), etc..., para não citar os Estados Unidos que, ano passado, estiveram na iminência de dar um inédito cano em seus credores, deixando o mundo à beira de um ataque de nervos.
Demência fiscal - Vale registrar também que dados do Banco Central e do IPEADATA mostram que os déficits nominais do setor público variaram, no período de 1995 a 2002, 7% em média; enquanto do período 2003 a 2009 a média da variação foi de 2,98%. Verifica-se também neste item a responsabilidade fiscal do governo Lula e o descalabro fiscal do governo FHC. No fim do seu primeiro mandato a presidenta Dilma aproximará este déficit de zero.
Mas a demência fiscal não se limitava aos números acima citados. Outras vezes ela assumiu feições rocambolescas. Por exemplo, quando FHC resolveu ampliar a dolarização dos títulos públicos. Com efeito, numa conjuntura de real artificialmente valorizado, sujeito a sofrer uma megadesvalorização imposta pelo mercado a qualquer momento, como aconteceu em janeiro de 1999, FHC resolveu aumentar a parcela da dívida interna vinculada ao câmbio. A parte dolarizada da dívida, que correspondia a 5,3% do total em 1995, foi para 33,5%, em 2002, isso equivalia a R$ 220 bilhões.
Durante todo o primeiro governo FHC o câmbio foi administrado. Esta administração do câmbio manteve o real artificialmente valorizado em relação ao dólar. A âncora cambial funcionava como instrumento de controle da inflação, numa política que Bresser Pereira, com a autoridade de quem foi ministro de FHC e sempre soube que a poupança externa nunca vai financiar o desenvolvimento nacional, chamou de populismo cambial.
A deterioração das contas externas, decorrente dos constantes déficits, foi mostrando, desde 1997, que aquela política era insustentável. Mas FHC não deu ouvidos aos alertas vindos de todos os horizontes. Seu objetivo era manter a inflação controlada a qualquer preço, para ganhar a eleição. Mas, nas vésperas das eleições de 1998, o país tangenciou a bancarrota. Foi salvo da falência porque Bill Clinton ordenou ao FMI que aplicasse com urgência uma injeção US$ 40 bilhões na veia da combalida economia brasileira, porque o Império achava que precisava de um serviçal instalado no Planalto. Esta operação de urgência salvou a reeleição de FHC e serviu para adiar a megadesvalorização (vazada, vide Cacciola) do real para janeiro de 1999, primeiro mês do maldito segundo mandato do chamado príncipe da sociologia. Nesta ocasião o mercado impôs a livre flutuação da moeda, ou seja, uma brutal desvalorização do real, triturando até mesmo as pálidas "bandas de flutuação endógenas", concebidas pela dupla Pedro Malan e Chico Lopes.
Esta política de dolarização estimulou bancos e outras empresas a se endividarem em dólar para tirar proveito da diferença entre as taxas de juros praticadas aqui e as taxas vigentes no exterior. Com isso eles buscavam evitar as taxas de juros extorsivas vigentes no Brasil durante o tucanato, mas expunham-se às incertezas de um real artificialmente sobrevalorizado. A crise da megadesvalorização do real em janeiro de 1999 foi a hora da verdade.
O rebatimento desta crise sobre o monopólio das comunicações no Brasil levou Josias de Souza a produzir um artigo, involuntariamente cômico, na "Folha de São Paulo" de 2 de maio de 2004. Cito algumas passagens: "As corporações jornalísticas cometeram na última década dois relevantes equívocos: 1) difundiram a tese de que a adesão do Brasil ao consenso liberal era prenúncio de prosperidade; 2) acreditaram no devaneio."
Antes de passar aos ataques ao PT e ao governo do presidente Lula, aparentemente recomendados pelo Manual de Redação de sua empresa, Josias de Souza afirma: "A indústria da informação tirou do noticiário que produziu as suas próprias confusões. Crente na perspectiva da bonança, traçou planos expansionistas. Contraiu empréstimos em dólar. Plantou em seus balanços encrencas milionárias. Colhe agora a tempestade."
E ele vai em frente: "Vítima de si mesma, a mídia virou notícia. O setor atravessa uma crise sem precedentes. Talvez a maior dos últimos 50 anos. Com o destino atado a um iminente socorro financeiro do BNDES, a maioria das empresas de comunicação encontra-se exilada de suas certezas. O consenso econômico em decomposição é o incômodo local do exílio."
"Nós, mercadores da informação, devemos à clientela uma boa explicação. Consumidores mais atentos já se perguntam: por que acreditar em produtores de notícias que não foram capazes de iluminar o próprio futuro?"
Para concluir seu "mea culpa", Josias de Sousa acrescenta: "A embaraçosa verdade é que o jornalismo se eximiu nos últimos tempos da tarefa de expor adequadamente as contradições do modelo único. Limitou-se a reproduzir, de modo acrítico, a atmosfera de oba-oba e contemplação em que se processou o debate econômico. Escassos opositores da nova ordem foram tratados como chatos que queriam estragar a festa". Cumpre salientar que este discurso único da imprensa monopólica só tem se acentuado desde 2004, apesar do aprofundamento da crise do modelo liberal verificada desde então.
Crescimento da carga tributária - A carga tributária durante o governo tucano, de 1993, ano em que FHC assumiu o Ministério da Fazenda, ainda no governo Itamar Franco e 2002, quando ele encerrou seu segundo mandato, saltou de 25,72% do PIB para 31,86% do PIB. Ocorreu, portanto, em nove anos, um crescimento da carga tributária equivalente a 6,14% do PIB. Sob o governo do Presidente Lula a carga tributária saiu de 31,86% do PIB para 35,13, ocorreu, portanto, um crescimento equivalente a 3,27% do PIB num período de oito anos.
É preciso, no entanto, considerar que o crescimento da carga tributária nos dois governos foi de natureza diversa. Sob FHC, o crescimento da carga tributária se deu em função da criação de contribuições, como CPMF e CIDE, pelo avanço da COFINS e pelo congelamento da tabela do Imposto de Renda da pessoa física. No governo Lula não houve criação de novos tributos. Pelo contrário, a direita do Senado, para prejudicar a saúde pública e favorecer a sonegação fiscal, eliminou a CPMF, retirando da saúde pública R$ 40 bilhões anuais. Sob Lula, a arrecadação tributária cresceu porque a economia e o emprego cresceram, provocando assim um aumento do número contribuintes.
No dia 1º de janeiro de 2003, quando o presidente Lula assumiu o governo, a taxa Selic era 25%, brilhava num universo de números igualmente assombrosos: inflação de 12,3%, risco país de 2.400 pontos, dólar cotado a R$ 4,00, reservas cambiais praticamente nulas, desemprego a 12%, salário mínimo em torno de 70 dólares. Foi neste quadro de catástrofe que o presidente Lula iniciou sua luta pela redução das taxas de juros. Dilma Rousseff prosseguiu nesta batalha, não sem despertar o alarido de parte da imprensa golpista. Hoje, no Brasil, se praticam taxas civilizadas de juros, o que é mais um sinal de responsabilidade fiscal dos governos liderados pelo Partido dos Trabalhadores, porque os papéis da dívida pública são remunerados com base na taxa Selic.
Para concluir, valeria acrescentar que quem pratica responsabilidade fiscal não vai ao FMI pedir empréstimos. FHC foi três vezes ao FMI de pires na mão mendigar empréstimos porque o país estava à beira da bancarrota. Sob o governo Lula, o Brasil deixou de ser devedor, passou a ser credor internacional concedendo empréstimos ao FMI, contribuindo para reforçar o caixa desta agência multilateral, permitindo assim que ela tenha condições para socorrer países afetados pela crise financeira internacional. A presidenta Dilma repetirá o gesto, com um novo empréstimo ao FMI com o mesmo objetivo. É por isso que o discurso tucano sobre responsabilidade fiscal é uma das maiores imposturas do cenário político brasileiro atual. É tão falso como uma cédula de trinta reais.
Reginaldo Lopes é deputado federal (PT-MG) e presidente regional do partido em Minas Gerais
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