MARCELO LEITE
DE SÃO PAULO
Qualquer pessoa que dependa do SUS (Sistema Único de Saúde) para se tratar sabe dizer se faltam médicos no Brasil: é claro que faltam. Já para uma política pública racional, a questão exige resposta mais complexa. DE SÃO PAULO
O déficit hoje é agravado por distorções na formação e contratação de médicos. Em menos de duas décadas, o problema quantitativo se resolverá, mas sem garantia de que as distorções acabarão.
Plano de carreira médica está emperrado há três anos no ministério
Onde falta médico, falta dentistas e enfermeiros, mostra pesquisa
De um ponto de vista demográfico, até que o país não está mal. O Brasil tem 1,88 médico por mil habitantes, próximo de Coreia do Sul (2,02) e Cingapura (1,92).
O governo federal prefere a comparação com os vizinhos Argentina (3,2) e Uruguai (3,7). A meta do Planalto é igualar o indicador do Reino Unido (2,7), que tem sistema de saúde de acesso universal como o brasileiro.
Se já estivesse nesse nível, o Brasil teria 543 mil médicos, 165 mil a mais que hoje.
Há muitos indicadores que sugerem haver escassez. Os médicos têm os salários médios mais altos e 97% dos formados acham emprego.
Dados da pesquisa Assistência Médico-Sanitária do IBGE confirmam: há quase dois empregos por médico em atividade, segundo cálculo do estudo Demografia Médica no Brasil, do Conselho Federal de Medicina e do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo.
A pesquisa não leva em conta o trabalho em consultório. Não é exagero concluir, assim, que cada médico se equilibre entre três empregos.
A FORÇA DO SUDESTE
As entidades médicas alegam que o problema não é de quantidade, mas de má distribuição. É verdade, mas não toda a verdade.
A medicina se concentra nas capitais e nas regiões ricas. A primazia do Sudeste está tanto nas vagas de graduação (48,4%) quanto na proporção de médicos por habitante (2,61/1.000).
Mais grave é a distorção nas vagas para residência médica, 63,5% das quais no Sudeste. Como 4/5 dos médicos fixam-se no Estado em que foram residentes, essa é uma força poderosa para minar esforços de levar médicos a Estados mais pobres.
Parece acertada, assim, a política federal de criar vagas de graduação (11.477, até 2017) e de residência (12.372, no mesmo período) e alocá-las nas regiões mais carentes. Mas não será fácil cumprir essa promessa em quatro anos.
Estudo de Milton Martins, Paulo Sérgio Silveira e Daniel Silvestre, da Faculdade de Medicina da USP, partiu de dados mais conservadores.
Eles concluíram que, se 4.500 vagas fossem somadas às que havia em 2010, o país alcançaria o número de médicos por mil habitantes do Reino Unido (2,7) em menos de duas décadas. Nem por isso estaria tudo resolvido.
Por mais que o governo federal se esforce por abrir essas vagas em universidades federais, é mais provável que elas terminem sendo abertas em faculdades particulares.
Foi esse o padrão nos dois governos Lula (2003-2010): 77% dos cursos foram abertos em instituições privadas.
As escolas particulares apresentam limitações, como a falta de hospitais-escola para a fase prática nos dois anos finais do curso de seis anos. Além disso, têm mensalidades caras e altas taxas de evasão. Não é de esperar que formem médicos dispostos a encarar unidades de saúde nos rincões do país.
Para piorar, o setor de planos de saúde atrai os escassos médicos, desequilibrando a oferta para o SUS.
Não há solução de curto prazo para essa distorção. A contraproposta de algumas entidades de tornar obrigatória a residência médica e direcionar as novas vagas para especialidades básicas no SUS causaria transformação mais profunda, mas com efeitos só daqui a uma década.
A presidente Dilma Rousseff e o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, com eleições para enfrentar em 2014, optaram por um atalho. Dispensaram o exame Revalida por medida provisória e importaram 4.000 médicos cubanos, o que uniu a classe médica contra seu plano.
Não será fácil reabrir negociações com os médicos, mas só o Planalto parece acreditar que não precisa fazê-lo.
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