Construtoras na Lava Jato adotam práticas surgidas pós-Watergate para voltar ao mercado
Guilherme Azevedo
Do UOL, em São Paulo
As grandes construtoras brasileiras envolvidas nos casos de corrupção investigados e revelados pela Operação Lava Jato
estão se apoiando num conjunto de práticas anticorrupção implementado
em decorrência do caso Watergate, nos Estados Unidos, a fim de recuperar
a imagem e a viabilidade econômica de seus negócios. Hoje, enquanto não
são finalizados acordos nas esferas administrativa e criminal, elas
encontram dificuldades de participar de novas concorrências e de se
financiar, por exemplo.
Uma palavra em inglês resume o
posicionamento dessas empresas: "compliance", que significa atuar em
conformidade com as normas. Essa disposição a práticas éticas de gestão
foi formalizada em 1977, nos Estados Unidos, dentro da lei geral
denominada FCPA (Foreign Corrupt Practices Act, que em inglês significa
Lei sobre Práticas de Corrupção no Exterior). A legislação foi gestada
em reação ao maior escândalo de corrupção da história norte-americana,
que provocou a renúncia do então presidente da República, Richard Nixon,
em 1974.
Esse conteúdo foi incorporado em grande medida à lei brasileira anticorrupção,
a lei 12.846, de 2013, em vigor desde 29 de janeiro de 2014, que prevê a
responsabilização objetiva de empresas que praticam atos lesivos contra
a administração pública nacional ou estrangeira.
Um dos
mecanismos de reparação previstos é o acordo de leniência, que as
grandes construtoras envolvidas na Lava Jato negociam com órgãos
públicos, assumindo crimes e se comprometendo a não mais cometê-los,
condição para voltar a negociar com o poder público. Entre as
recomendações, está a adoção de programas de compliance.
criação de estrutura própria dedicada a isso e a adoção de uma série de
procedimentos para disciplinar relacionamentos e gerenciar riscos de
corrupção.
Um programa de compliance tem, normalmente, uma
diretoria com equipe teoricamente independente; um comitê de ética;
códigos de ética e conduta; processo formalizado para seleção de
fornecedores; e canais de atendimento geridos por auditorias
independentes, para a realização de denúncias.
As denúncias são
recebidas com o compromisso de manter os denunciantes anônimos, evitando
possíveis retaliações. A equipe de compliance tem então a missão de
apurar a procedência ou não da acusação e, em caso positivo, aplicar
sanções, que vão da advertência à demissão do profissional acusado.
como a Odebrecht e a Queiroz Galvão, a implementação de políticas de
conformidade se transformou numa espécie de resposta formal à sociedade
(governos, clientes, sócios, acionistas, Justiça) de que será diferente
daqui por diante. Se é jogo de cena, só o tempo poderá dizer.
Quem é do mercado acredita que seja para valer. "Vai emergir um novo
mercado de construção de grandes obras no Brasil. Muitos já tinham
políticas de compliance e de ética, mas agora é real", afirma Petrônio
Lerche, diretor do Sinicon (Sindicato Nacional da Indústria da
Construção Pesada), entidade representativa das grandes da construção,
como Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão.
Marcos Melo, professor de finanças do Ibmec do Distrito Federal e
especialista no mercado de infraestrutura, frisa que o ambiente
empresarial do setor está se tornando "mais claro" com as políticas de
conformidade adotadas. "Se a companhia for eficiente, vai bem; se não
for, vai mal. É melhor assim. Há um desejo geral de que as coisas fiquem
mais límpidas e transparentes. Apesar de todo o problema [provocado
pelas investigações], um ambiente mais claro favorece a todos."
No SindusconSP (Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de
São Paulo), que representa as pequenas e médias empresas paulistas de
construção, uma série de ações, nos dois últimos anos, tem estimulado
seus associados a implantar políticas mais rígidas de controle ético. "É
o legado que fica [da Operação Lava Jato]. Em muitas empresas as normas
já existiam informalmente, mas agora tudo ficou formalizado", diz o
presidente da entidade, José Romeu Ferraz Neto.
"Esse movimento
dessas empresas atualmente parece mais um mecanismo para tentar fornecer
ao público e a investidores a aparência de novas práticas
institucionais do que de fato uma mudança radical de postura", diz o
historiador Pedro Campos, da Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro e autor do livro "Estranhas Catedrais: As Empreiteiras
Brasileiras e a Ditadura Civil-Militar", em que esmiúça as relações
promíscuas entre governos militares e empreiteiros com o golpe e o
regime posterior a 1964.
"É importante salientar que o uso de
artefatos ilegais e todo um conjunto de procedimentos antiéticos por
parte dessas e outras empresas não se resume ao que vem sendo
investigado pela Operação Lava Jato", ressalta Campos.
Segundo o
pesquisador, boa parte das empreiteiras brasileiras possui práticas de
cartel que remetem a períodos de muitas décadas atrás, sendo a própria
regra de um jogo que tem sempre os mesmos vencedores. "Algumas dessas
empresas estiveram envolvidas na organização do golpe de Estado de 1964.
Elas foram intensamente beneficiadas pela ditadura, com políticas como
reserva de mercado, direcionamento do orçamento para as suas atividades,
realização das obras faraônicas no período, além de isenções fiscais e
financiamentos facilitados a juros baixos."
Para Luiz Marcatti, diretor
da MESA, consultoria especializada em governança corporativa que tem
auxiliado uma das grandes denunciadas na Lava Jato, a incorporação
efetiva de melhores práticas vai depender da sinceridade e da
intensidade do engajamento do "andar de cima": "Essa mudança terá maior
chance de êxito quanto mais forte for o exemplo dado pelos acionistas e
pela alta administração das empresas. Só assim as mudanças poderão criar
raízes profundas", afirma o consultor.
"A pressão por lucros
sempre haverá, mas precisa ser mantida viva a consciência de uma atuação
que alcance lucros que tragam sustentabilidade e longevidade às
empresas, o que só é possível atuando dentro da lei."
ética, contra a corrupção, se iniciou mais ou menos no fim de 2013,
impulsionado pela promulgação da lei anticorrupção brasileira, ganhou
corpo em 2014 e se efetivou formalmente nos anos de 2015 e 2016,
pressionado pela Lava Jato, com a criação de departamentos e diretores
para a área e sistematização de documentos e práticas.
O UOL conversou
diretamente com quatro dessas grandes empresas, Odebrecht, Camargo
Corrêa, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão, em tratativas com órgãos
competentes no âmbito da Lava Jato, e quem está no comando assegura que a
mudança veio para ficar. Essas empresas dizem ter hoje os componentes
exigidos das políticas de compliance em vigor.
estão se apoiando num conjunto de práticas anticorrupção implementado
em decorrência do caso Watergate, nos Estados Unidos, a fim de recuperar
a imagem e a viabilidade econômica de seus negócios. Hoje, enquanto não
são finalizados acordos nas esferas administrativa e criminal, elas
encontram dificuldades de participar de novas concorrências e de se
financiar, por exemplo.
Uma palavra em inglês resume o
posicionamento dessas empresas: "compliance", que significa atuar em
conformidade com as normas. Essa disposição a práticas éticas de gestão
foi formalizada em 1977, nos Estados Unidos, dentro da lei geral
denominada FCPA (Foreign Corrupt Practices Act, que em inglês significa
Lei sobre Práticas de Corrupção no Exterior). A legislação foi gestada
em reação ao maior escândalo de corrupção da história norte-americana,
que provocou a renúncia do então presidente da República, Richard Nixon,
em 1974.
Esse conteúdo foi incorporado em grande medida à lei brasileira anticorrupção,
a lei 12.846, de 2013, em vigor desde 29 de janeiro de 2014, que prevê a
responsabilização objetiva de empresas que praticam atos lesivos contra
a administração pública nacional ou estrangeira.
Um dos
mecanismos de reparação previstos é o acordo de leniência, que as
grandes construtoras envolvidas na Lava Jato negociam com órgãos
públicos, assumindo crimes e se comprometendo a não mais cometê-los,
condição para voltar a negociar com o poder público. Entre as
recomendações, está a adoção de programas de compliance.
O que é compliance?
Manter políticas de conformidade (compliance) significa, na prática, acriação de estrutura própria dedicada a isso e a adoção de uma série de
procedimentos para disciplinar relacionamentos e gerenciar riscos de
corrupção.
Um programa de compliance tem, normalmente, uma
diretoria com equipe teoricamente independente; um comitê de ética;
códigos de ética e conduta; processo formalizado para seleção de
fornecedores; e canais de atendimento geridos por auditorias
independentes, para a realização de denúncias.
As denúncias são
recebidas com o compromisso de manter os denunciantes anônimos, evitando
possíveis retaliações. A equipe de compliance tem então a missão de
apurar a procedência ou não da acusação e, em caso positivo, aplicar
sanções, que vão da advertência à demissão do profissional acusado.
Para pesquisador, Lava Jato não pegou tudo o que é antiético
Nas grandes empresas de construção pesada citadas na Lava Jato,como a Odebrecht e a Queiroz Galvão, a implementação de políticas de
conformidade se transformou numa espécie de resposta formal à sociedade
(governos, clientes, sócios, acionistas, Justiça) de que será diferente
daqui por diante. Se é jogo de cena, só o tempo poderá dizer.
Quem é do mercado acredita que seja para valer. "Vai emergir um novo
mercado de construção de grandes obras no Brasil. Muitos já tinham
políticas de compliance e de ética, mas agora é real", afirma Petrônio
Lerche, diretor do Sinicon (Sindicato Nacional da Indústria da
Construção Pesada), entidade representativa das grandes da construção,
como Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão.
Marcos Melo, professor de finanças do Ibmec do Distrito Federal e
especialista no mercado de infraestrutura, frisa que o ambiente
empresarial do setor está se tornando "mais claro" com as políticas de
conformidade adotadas. "Se a companhia for eficiente, vai bem; se não
for, vai mal. É melhor assim. Há um desejo geral de que as coisas fiquem
mais límpidas e transparentes. Apesar de todo o problema [provocado
pelas investigações], um ambiente mais claro favorece a todos."
No SindusconSP (Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de
São Paulo), que representa as pequenas e médias empresas paulistas de
construção, uma série de ações, nos dois últimos anos, tem estimulado
seus associados a implantar políticas mais rígidas de controle ético. "É
o legado que fica [da Operação Lava Jato]. Em muitas empresas as normas
já existiam informalmente, mas agora tudo ficou formalizado", diz o
presidente da entidade, José Romeu Ferraz Neto.
"Esse movimento
dessas empresas atualmente parece mais um mecanismo para tentar fornecer
ao público e a investidores a aparência de novas práticas
institucionais do que de fato uma mudança radical de postura", diz o
historiador Pedro Campos, da Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro e autor do livro "Estranhas Catedrais: As Empreiteiras
Brasileiras e a Ditadura Civil-Militar", em que esmiúça as relações
promíscuas entre governos militares e empreiteiros com o golpe e o
regime posterior a 1964.
"É importante salientar que o uso de
artefatos ilegais e todo um conjunto de procedimentos antiéticos por
parte dessas e outras empresas não se resume ao que vem sendo
investigado pela Operação Lava Jato", ressalta Campos.
Segundo o
pesquisador, boa parte das empreiteiras brasileiras possui práticas de
cartel que remetem a períodos de muitas décadas atrás, sendo a própria
regra de um jogo que tem sempre os mesmos vencedores. "Algumas dessas
empresas estiveram envolvidas na organização do golpe de Estado de 1964.
Elas foram intensamente beneficiadas pela ditadura, com políticas como
reserva de mercado, direcionamento do orçamento para as suas atividades,
realização das obras faraônicas no período, além de isenções fiscais e
financiamentos facilitados a juros baixos."
Para Luiz Marcatti, diretor
da MESA, consultoria especializada em governança corporativa que tem
auxiliado uma das grandes denunciadas na Lava Jato, a incorporação
efetiva de melhores práticas vai depender da sinceridade e da
intensidade do engajamento do "andar de cima": "Essa mudança terá maior
chance de êxito quanto mais forte for o exemplo dado pelos acionistas e
pela alta administração das empresas. Só assim as mudanças poderão criar
raízes profundas", afirma o consultor.
"A pressão por lucros
sempre haverá, mas precisa ser mantida viva a consciência de uma atuação
que alcance lucros que tragam sustentabilidade e longevidade às
empresas, o que só é possível atuando dentro da lei."
Construtoras criaram departamentos e formalizaram práticas
Nas grandes construtoras, o movimento recente de compromisso com aética, contra a corrupção, se iniciou mais ou menos no fim de 2013,
impulsionado pela promulgação da lei anticorrupção brasileira, ganhou
corpo em 2014 e se efetivou formalmente nos anos de 2015 e 2016,
pressionado pela Lava Jato, com a criação de departamentos e diretores
para a área e sistematização de documentos e práticas.
O UOL conversou
diretamente com quatro dessas grandes empresas, Odebrecht, Camargo
Corrêa, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão, em tratativas com órgãos
competentes no âmbito da Lava Jato, e quem está no comando assegura que a
mudança veio para ficar. Essas empresas dizem ter hoje os componentes
exigidos das políticas de compliance em vigor.
Entre outras
medidas, a área de compliance da Queiroz Galvão mapeou, para cada
público de interesse da empresa (governos, fornecedores, clientes etc.),
os potenciais riscos a que a companhia poderia estar exposta e para
cada um tomou uma ação e promoveu melhorias, implementou políticas e fez
treinamentos.
medidas, a área de compliance da Queiroz Galvão mapeou, para cada
público de interesse da empresa (governos, fornecedores, clientes etc.),
os potenciais riscos a que a companhia poderia estar exposta e para
cada um tomou uma ação e promoveu melhorias, implementou políticas e fez
treinamentos.
Na construtora Andrade
Gutierrez, desde 2014 foi lançado o código de ética e conduta da
companhia e a norma de relacionamento específico com o poder público,
instituída a diretoria específica para a área de conformidade e criado
um comitê de ética, além de reformulados os processos de contratação de
fornecedores e de gestão de pagamentos.
Gutierrez, desde 2014 foi lançado o código de ética e conduta da
companhia e a norma de relacionamento específico com o poder público,
instituída a diretoria específica para a área de conformidade e criado
um comitê de ética, além de reformulados os processos de contratação de
fornecedores e de gestão de pagamentos.
A
Camargo Corrêa aponta o ano de 2015 como aquele em que ampliou sua
política de compliance --foi quando se deu o que eles veem como
fortalecimento das políticas e canais de conformidade. Foi também em
2015 que a Odebrecht viu seu marco interno de virada nas políticas de
conformidade da empresa. É nesse ano que são criados e implementados,
por exemplo, o conselho de administração do negócio de construção
especificamente, com integrantes independentes; o comitê de conformidade
(compliance), com um diretor para a área; e novos processos
operacionais específicos para a seleção de terceiros e para o
recebimento de brindes e presentes pelos colaboradores.
Camargo Corrêa aponta o ano de 2015 como aquele em que ampliou sua
política de compliance --foi quando se deu o que eles veem como
fortalecimento das políticas e canais de conformidade. Foi também em
2015 que a Odebrecht viu seu marco interno de virada nas políticas de
conformidade da empresa. É nesse ano que são criados e implementados,
por exemplo, o conselho de administração do negócio de construção
especificamente, com integrantes independentes; o comitê de conformidade
(compliance), com um diretor para a área; e novos processos
operacionais específicos para a seleção de terceiros e para o
recebimento de brindes e presentes pelos colaboradores.
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