O trabalho e o pimentão vermelho. Por Nilson Lage
Há tempos, houve superprodução de pimentões vermelhos. O preço, para o
produtor, chegou a vinte centavos o quilo, um desastre para meu amigo
horticultor.
O trabalho é como os pimentões.
A entrada maciça das mulheres no
mercado, a partir da Segunda Guerra Mundial, duplicou a oferta de
trabalhadorees sem elevação proporcional do consumo. O salário básico –
preço desse produto na fonte – despencou: era calculado para quatro
unidades (“uma família”) e passou a ser calculado para uma só.
Em decorrência do avanço das
máquinas, o preço da variedade rústica (o trabalho braçal, físico) já
vinha declinando há tempos, o que obrigava a constante refinamento em
busca de padrões de qualidade standart e premium.
A variedade standart – que corresponde, grosso modo, aos white collors, pessoal de escritório, e à nata dos blue collors, operadores qualificados de máquinas – foi bastante afetada pela informática e pelas telecomunicações.
Numa fábrica como a Volkswagen
alemã, nos anos 1950, havia 15 pessoas em atividades-meio para uma na
atividade-fim, a produção de carros: preenchendo holerites, calculando e
emitindo faturas, datilografando relatórios, rodando mimeógrafos,
desenhando peças, montando layouts gráficos, atendendo telefones e
postando correspondência. Sumiram todos, como os radinhos de pilha e as
enceradeiras. Na linha de montagem, os robôs.
Além do contínuo refinamento do
padrão de qualidade exigido pelo mercado – vários ofícios que se
contentavam com a formação básica passaram a exigir formação média e os
que se bastavam com a formação média elevaram-se à formação completa –,
surgiram novos empregos culinários para os pimentões, digo, novas
funções para os trabalhadores. Multiplicaram-se os serviços, surgiram
ofícios novos, até estranhos, como passeador de cachorro, personal trainer ou doula.
Ultimamente, a inteligência artificial ameaça boa parte dos trabalhadores premium,
a nata, aquela que demora mais tempo a chegar ao estado de consumo e
que se orgulha tanto do espaço que ocupa na prateleira do mercado de
trabalho. Gestores, planejadores, docentes, operadores de sistemas,
pesquisadores de soluções.
Pois é numa hora dessas, com o
desemprego estrutural à porta ameaçando até a elite, que o governo
brasileiro resolveu prolongar a vida útil dos trabalhadores, ampliar o
horário de trabalho e deixar cair no vazio o preço da mão de obra.
A ilusão é que, com o trabalho mais
barato, a produção se tornará competitiva. Na verdade, o trabalho pesa
cada vez menos no custo dos produtos – determinado agora,
principalmente, pelo valor da matéria-prima, ônus financeiro, nível de
tecnologia embutido e prestígio da marca. Aquela história de que o que
vem da China é mais barato porque os chineses ganham pouco é coisa do
passado.
Sabe o que meu amigo horticultor fez com os pimentões vermelhos? Deu alguns, jogou o resto no lixo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário