Matemático aponta erro de cálculo na reforma da Previdência | Brasil 24/7
247 - O matemático Marcio Carvalho, PhD em Matemática Aplicada pela Universidade de Colorado at Boulder, publicou um artigo
em que aponta um erro na fórmula do cálculo do benefício na atual
proposta de reforma da Previdência apresentada pelo governo Michel
Temer.
O erro, conforme explica Carvalho, permite que um trabalhador que
contribuiu por menos tempo e com um montante total menor receba um
benefício maior do que outro que contribuiu mais e durante mais tempo.
Ele afirma que as críticas que têm visto até o momento sobre a
reforma focam no fato de que, comparada com a atual, a fórmula da nova
proposta gera um benefício menor, uma vez que leva em conta 100% das
contribuições que o beneficiário obteve ao longo da vida profissional, e
não apenas 80% dos maiores salários, como acontece no modelo vigente.
"Mas mesmo que a proposta do governo só considerasse os 80% maiores
salários para calcular a média salarial a ser usada, apesar de os
benefícios aumentarem, as inconsistências absurdas denunciadas no meu
artigo ainda existiriam", alerta.
Confira a íntegra de seu artigo:
Erro na fórmula do cálculo do benefício na atual proposta de Reforma da Previdência
Com a fórmula para o cálculo do benefício da atual proposta de
Reforma da Previdência, um trabalhador que receber um salário de mil
Reais por 24 anos, for promovido, e então receber um salário de dois mil
Reais por mais 25 anos, ao se aposentar, receberá da Previdência um
benefício menor do que um trabalhador que contribuir por apenas 25 anos
com o mesmo salário de dois mil Reais!
Do jeito que está, tal fórmula possibilita que trabalhadores que
contribuírem por menos tempo e com um montante total menor recebam um
benefício maior do que outros que contribuírem mais e por mais tempo.
Abaixo há três exemplos simples que, para efeitos ilustrativos, utilizam R$ 5.000,00 como teto e R$ 1.000,00 como mínimo.
- Imagine que o trabalhador A contribuiu por 25 anos com o teto até
atingir os 65 anos de idade. Ao se aposentar, ele terá direito a receber
mensalmente 76% do teto. Sendo o teto de cinco mil, seu benefício será
de R$ 3.800,00.
- Agora, imagine o trabalhador B, que contribuiu um ano com o salário
mínimo e 25 anos com o teto até se aposentar aos 65 anos de idade. Seu
benefício será de 77% da média de suas contribuições. Sendo o teto cinco
mil e o mínimo mil, seu benefício será de R$ 3.731,54.
Vemos que A receberá uma aposentadoria maior, apesar de B ter
contribuído por mais tempo e com um montante total maior. Devido a um
ano a mais de contribuição sobre um salário menor, o que deveria ser um
acréscimo no benefício resulta em um decréscimo. Isso é um absurdo sob
qualquer perspectiva que se encare a questão, seja ela matemática ou
social.
- Imagine agora o trabalhador C, que contribuiu por 24 anos com o
salário mínimo e depois mais 25 anos com o teto. Ele terá contribuído
por 49 anos, e, ao se aposentar após completar 65 anos de idade,
receberá 100% da média de suas contribuições. Com os valores usados
acima para o teto e o mínimo, seu benefício será de R$ 3.040,82.
Se compararmos o benefício do trabalhador C com o de A, vemos que seu
benefício será muito menor do que o de A. Se levarmos em consideração
que ele contribuiu durante 25 anos com o mesmo valor que A, e realizou
contribuições por mais 24 anos, período em que A nada contribuiu,
podemos afirmar sob qualquer perspectiva que é inadmissível que C receba
um benefício menor do que o de A.
E esse absurdo não se restringe a contribuições envolvendo o teto.
Tais distorções podem ocorrer em todas as faixas e tempo de
contribuição, como ilustrado no exemplo envolvendo salários entre mil e
dois mil Reais no começo desse texto.
É necessário que haja uma Reforma da Previdência, mas sem tais
absurdos criados pela fórmula proposta. A idade mínima de 65 anos e o
tempo mínimo de 25 anos de contribuição me parecem aceitáveis, assim
como a igualdade das regras para homens, mulheres, servidores públicos e
privados. Mas alguma mudança na fórmula do cálculo do benefício precisa
ser feita, pois como está, ela é mais do que inconstitucional.
Uma possível solução seria a de se levar em conta os 300 maiores
salários mensais (equivalente a 25 anos de contribuição) para se
calcular os primeiros 76% do benefício. Os 24% restantes viriam do
equivalente aos outros 24 anos de contribuição (a média dos 288 salários
mensais restantes, com os inexistentes tendo valor zero).
Outras soluções são possíveis, mas fica claro que, se for considerada
a média de todas as contribuições, ao invés da média das maiores
contribuições para o cálculo do percentual referente ao tempo mínimo,
inconsistências e absurdos matemáticos e sociais serão inevitáveis.
por Marcio Carvalho, Ph.D. em Matemática Aplicada pela University of Colorado
ps. há duas notas técnicas abaixo (com o mínimo de notação matemática
possível) para aqueles que queiram fazer seus próprios cálculos e
comparações:
(i) Fórmula atualmente proposta pela reforma (que causa distorções e absurdos):
A
partir de 300 meses de contribuição (equivalente a 25 anos) e
respeitada a idade mínima, é feita a média M de todos os valores de
salário referentes às contribuições mensais.
O valor do benefício é calculado pela fórmula:
benefício = 76% M + x% M ,
sendo x o número equivalente ao de anos de contribuição além do tempo mínimo de 25 anos, não podendo ser maior que 24.
O benefício será automaticamente equiparado ao valor do mínimo caso o número apurado fique abaixo desse piso.
(ii) Mudança na fórmula proposta, citada no texto acima (que mais se
assemelha à fórmula da atual proposta, acaba com distorções, não diminui
o valor de nenhum benefício, mas aumenta um pouco os gastos previstos
na atual proposta de reforma):
A partir de 300 meses de contribuição (equivalente a 25 anos) e
respeitada a idade mínima, é feita a média M1 dos 300 maiores valores de
salário referentes às contribuições mensais.
Depois, é feita a média M2 dos valores restantes (não incluídos no cálculo de M1).
Caso o trabalhador tenha contribuído por mais de 24 anos além do
período mínimo de 25 anos, totalizando mais de 49 anos de contribuição,
são utilizados os 288 maiores valores restantes (não incluídos no
cálculo de M1) no cálculo de M2.
Com M1 e M2, é calculado o benefício pela fórmula:
benefício = 76% M1 + x% M2 ,
sendo x o número equivalente ao de anos de contribuição além do tempo mínimo de 25 anos, não podendo ser maior que 24.
O benefício será automaticamente equiparado ao valor do mínimo caso o número apurado fique abaixo desse piso.
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