domingo, 5 de março de 2017

'verdade alternativa'

É 'verdade alternativa' fingir que só Temer é inocente no caso Odebrecht - 05/03/2017 - Clóvis Rossi - Colunistas - Folha de S.Paulo



É 'verdade alternativa' fingir que só Temer é inocente no caso Odebrecht











O então presidente do PMDB, um certo Michel Temer, admite publicamente ter pedido contribuição de campanha a Marcelo Odebrecht, presidente de uma empreiteira atolada no maior esquema de corrupção jamais revelado neste país.





A empreiteira, como era inevitável, aceitou contribuir, conforme vazou, com abundância de detalhes.





Temer defende-se dizendo que a "contribuição" foi legal, devidamente
declarada e não parte de um esquema de propina e/ou caixa 2.





Dá para acreditar? Claro que não, se se considerar nota oficial da
Odebrecht, em que ela "reconhece que participou de práticas impróprias
em sua atividade empresarial. (...) Foi um grande erro, uma violação dos
nossos próprios princípios, uma agressão a valores consagrados de
honestidade e ética".





Mais: afirma também que o sistema partidário-eleitoral do Brasil é "ilegal e ilegítimo".





Só mesmo o mais rematado tolo acreditaria que, com todos os outros
políticos, a empreiteira cometeu uma agressão à honestidade e à ética,
mas não com Temer, certo?





No entanto, a maior parte do mundo político e empresarial se finge de
tolo rematado, assobia e olha para o lado, em vez de armar o escândalo
correspondente à revelação pública de uma inaceitável promiscuidade
entre uma autoridade e uma empresa privada que faz negócios com o
governo.





Nem mesmo o PT grita com a força com que gritou quando surgiram as
primeiras suspeitas a respeito de Fernando Collor de Mello. Não tem
moral para se fingir indignado porque lambuzou-se ferozmente com a mesma
promiscuidade.





É, de resto, situação idêntica à do PSDB e de um mundo de outros
partidos. Afinal, como lembrou a Transparência Brasil para o "The New
York Times", 60% dos congressistas brasileiros enfrentam sérias
acusações, como suborno, fraude eleitoral, desmatamento ilegal e até
sequestro e homicídio.





É inevitável concluir que "o sistema político-partidário está
apodrecido", como disse tempos atrás o procurador Carlos Fernando Santos
Lima, que é um dos investigadores da Lava Jato.





Era natural, embora lamentável, que surgissem vozes cavernárias pedindo
um regime militar, como se na ditadura a corrupção tivesse sido
eliminada.





O grande nó da República é que, se a política está podre, a solução
sempre estará na política, até que alguém invente algum modelo melhor de
intermediação entre Estado e sociedade.





O que é inadmissível é o silêncio sobre as ligações do presidente da República e de todo o seu círculo íntimo com escândalos.





É de um cinismo intolerável o raciocínio que se ouve em certos círculos
no sentido de "deixa o Temer p'ra lá, afinal ele mudou as expectativas e
está fazendo ou tentando fazer as reformas".





Por enquanto, aliás, as expectativas que mudaram foram as do tal de
mercado, assim como "reformas" é a palavra-muleta à qual se recorre
sempre quando há uma crise qualquer.





A grande reforma, na verdade, é a do sistema político, que, de resto,
está em crise em boa parte do mundo. Essa, convenhamos, ninguém sabe bem
como fazer, o que só acrescenta sombras ao nó em que vive a República.

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