Fomos pegos pelados no meio da rua, diz presidente da Andrade Gutierrez
RENATA AGOSTINI ENVIADA ESPECIAL AO RIO |
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Presidente do Grupo Andrade Gutierrez, Ricardo Sena não é afeito a
rodeios: "Se sabia que existia [propina]? Claro que sabia", afirmou no
escritório da empresa no Rio, onde recebeu a Folha.
Segundo ele, o principal erro da Andrade Gutierrez foi não ter percebido
que o país havia mudado. "Continuamos assinando contrato para depois
resolver", diz. "Você ficou pelado no meio da rua. Fomos pegos assim."
O executivo, que assumiu o comando após a prisão de Otávio Azevedo pela
Lava Jato, em 2015, reclama do tratamento que a empresa vem recebendo do
governo.
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absolutamente nada. Nem imagem nem algo prático. O BNDES não pagou, a
Petrobras não tirou da lista negra. Só de penitência. O Brasil está
muito confuso."
Folha - Quais obras públicas ainda tocam?
Ricardo Sena - Pública, pública é zero. A última foi a Ferrovia
Norte-Sul. Saímos do do canteiro por falta de pagamento reiterado.
Porque nós saímos, voltamos, saímos, voltamos. Não pagam, aí você
desmobiliza. Aí pagam, te obriga a voltar, mas não pagam esse gasto. É
um negócio assim... fantástico. Então, a gente não tem hoje cliente
público mais. Temos vários contratos, mas só no campo privado.
Mas isso não é só porque a gente não quer, não. Primeiro, porque não
tem. Tem que fazer uma ressalva, porque cliente público não é ruim por
definição, porque aí também é demais. Algumas estatais de companhias
mistas são boas para contratar. Só que não estão contratando nada. O
cliente público direto, esse aí.. De novo, não tem concorrência, mas
mesmo se tivesse acho que não participaríamos.
Pensariam duas vezes?
Ainda há muita insegurança. É uma relação complexa. Quando há qualquer
problema, o Estado tem ferramentas para te obrigar. Se você não fizer,
ele executa garantias, põe multa, põe no jornal que a Andrade Gutierrez,
aquela da Lava Jato, abandonou a obra. Que ele não pagou, isso ele
jamais cita. Você fica muito fragilizado.
Estamos fazendo uma usina termelétrica para a Manaus, subsidiária da
Eletrobras. Começamos a fazer e eles pararam de pagar. Aguardamos o
prazo, porque você tem que ficar 90 dias sem receber. Notificamos e
paramos a obra. Eles não tinham dinheiro mesmo. Ficou tudo parado mais
de ano. Entraram na Justiça para nos obrigar a retomar sob a alegação de
que era interesse nacional. Retomamos, com desequilibro, prejuízo,
tivemos de retomar. Agora estamos no fim da obra. Lá você entrega tudo
pronto. Os últimos faturamentos, já têm R$ 77 milhões executados, eles
não podem pagar, porque é preciso testar com gás. A Petrobras não
fornece o gás, porque a Eletrobras deve à Petrobras. Então, não consigo
provar que ela funciona, porque não me põem o gás.
Mas esse tipo de problema sempre ocorreu, não?
Desde sempre. Qual a diferença? É aí nossa culpa maior. Antigamente, se
resolvia isso. Não tinha TCU [Tribunal de Contas da União], Ministério
Público, CGU [Controladoria-Geral da União, atual Ministério da
Transparência], AGU [Advocacia-Geral da União], tudo que acaba com U,
imprensa que denuncia. O Brasil era muito... Você conseguia fazer os
reequilíbrios. Acabava resolvendo. Era a época que empreiteiro dizia: o
negócio é ganhar o contrato, depois nós damos jeito. E dava um jeito, de
uma forma ou de outra, acertava. O governador e o ministro tinham o
poder da caneta. Hoje ninguém tem. Hoje você vai no ministro e ele fala:
você tem toda razão, tem que entrar na Justiça. Todo mundo tem medo de
tudo.
Por isso que colocamos [no pedido de desculpas público da empresa quando
reconheceu que cometeu crimes] que contrato tem de ter ambiente,
liberação fundiária, desapropriação. Agora, por exemplo, esses leilões
[de aeroportos] não têm nada disso. Esses pobres coitados dos
estrangeiros vão se danar. Daqui a pouco, fazem uma outra medida
provisória para resolver o problema das concessões.
Até 2000, por aí, o Brasil ainda era um país em que as coisas eram
capazes de acontecer —para o bem e para o mal, com corrupção ou sem. Se
você procurasse lá o presidente da Eletrobras e falasse: olha não tem
gás, custou assim, ele mandava estudar e pagava. Isso acabou. O que é
bom para o país ter alguém fiscalizando. Nós é que não percebemos que o
Brasil mudou e continuamos assinando contrato assim para depois
resolver.
A gente ganhou o contrato da Transcarioca [via expressa no Rio de
Janeiro] e tinha só uma planilha. Eu não estava aqui [à época da
assinatura], mas a gente conversa. O que aconteceu? Sabíamos que depois a
obra ia ser outra coisa. A gente ia reorçar. O que gerou? R$ 450
milhões de prejuízo. Para perder esse tanto de dinheiro tem de ser muito
competente. Qual foi a solução do prefeito [Eduardo Paes], que sabia
que aquilo tudo lá era só para poder dar início? "Reconheço, mas entre
na Justiça". Repara: não tem a ver com Lava Jato.
Mas quando o senhor fala que antes se resolvia...
Era isso mesmo. Era errado.
Resolvia porque tinha dinheiro por fora.
Não quer dizer que, no passado, tudo se resolvia com propina. Tinha
claro. Só falta a gente negar, né. Mas tinha muita Renata [referindo-se à
repórter] que fazia o correto. Pegava a caneta e falava: vou pagar
isso, que entendo o correto. Hoje, a mesma Renata fala: acho que tinha
que pagar tanto, mas não vou assinar o documento. Porque amanhã o TCU
fala que a conta está errada e congela os bens dela. Virou um país de
denuncismo para todo lado. O excesso sempre é ruim.
Sou absolutamente favorável a esse processo de evolução. Sou brasileiro.
Mas passou do ponto. Virou um negócio que a Lava Jato virou fim. O
Brasil vive da Lava Jato. É a única coisa que se vê. Eu falo que peguei
uma birra da Renata, sua xará [Renata Lo Prete, da "GloboNews"]. De vez
em quando fala: "Só para lembrar: soltaram um foguete. Mas, voltando à
Lava Jato... Né, Merval [Merval Pereira, comentarista da GloboNews],
como está a Lava Jato aí?". É o samba da Lava Jato. E quem quer
trabalhar, quem quer produzir tem toda a dificuldade. Você saiu de uma
vida complicada e entrou numa vida arrumada, mas todo mundo quer jogar
[contra você]. Eu não consigo trabalhar, pô. Esse é um problema que nos
afeta muito. Acabar com a empresa é uma teoria meio sem lógica,
concorda?
Vocês firmaram acordo com o Ministério Público no ano passado. Há perspectiva de fechar um acordo de leniência com o governo?
A gente sempre pensa que sim. Se não, melhor fechar o boteco. Mas não
temos nenhum indicio. Entramos na CGU em novembro de 2015 com o pedido
de leniência, com todos os documentos. Já fizemos diversas reuniões. Não
acontece nada. Tem esperança? Tenho. Se não tiver tá danado.
E por que o senhor acha que isso acontece?
Difícil saber. A gente especula. São órgãos políticos, ligados a
políticos. No Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] e no
Ministério Público, a gente conseguiu caminhar. São órgãos
independentes. Na hora que você põe TCU, CGU, AGU... não anda. Tem o
fato de serem três órgãos juntos, o que torna tudo mais difícil. É uma
novidade no Brasil esse processo, então tem muita gente que não sabe
como faz.
O TCU tem uma atuação ao meu ver completamente estabanada no processo. É
um órgão de apoio ao Congresso. Ele tem de fiscalizar o governo e as
atitudes do governo. Se faço contrato com o governo, fruto de uma
licitação, ele quer que eu demonstre para ele... Não tenho que
demonstrar nada para ele. É tudo errado. Ele acha que tudo que o governo
faz de não pagar [as empresas], pode. No dia que paro a obra, ele manda
congelar conta. Virou uma campanha contra o privado.
Por isso que eu digo que trabalhar com o governo é muito perigoso. Você
fica sozinho contra tudo e contra todos, inclusive na imprensa. Porque
basta o cara dizer para a imprensa que a Andrade abandonou a obra que,
no dia seguinte, já sai lá: "A Andrade, a empresa da Lava Jato,
abandonou a obra". Porque isso vende.
Também criticamos o governo.
É... [fazendo cara de "mais ou menos"]. Você viu ML [obra do
monotrilho], aquela que tem o paliteiro na cidade lá. Uma obra licitada
para ser de 20 quilômetros. O governo nunca conseguiu desapropriar as
áreas. O trecho ficou menos da metade. Fizemos uma fábrica de vigas e
pilares para fazer o trecho todo. Aí você fala: como paga? Eu tinha de
depreciar em mil vigas [para compensar o investimento], são só 400. A
coisa vai ficando assim até o ponto da inviabilidade. Você não pode
quebrar fazendo uma obra. Já chega a Transcarioca. Quando você fala que
vai parar, depois de anos, não é conversinha não, é depois de anos. No
dia seguinte, o governo entra com campanha nos jornais que a Andrade
abandonou a obra. O cara lê e pensa: deve ser mesmo, está fugindo da
Lava Jato, é tudo bandido e tal. E nós vamos procurar quem para
restituir a verdade?
Entrevistas como essa são uma forma de falar sua versão.
Colocamos um comunicado. Mas convenhamos, quem é que lê aquilo ali? É
como "procurado, o cidadão falou...". Eu fico vendo aquilo da Globo.
Estou até preocupado agora que são 200 [políticos delatados por
executivos da Odebrecht]. Já pensou? Procurado, fulano disse isso,
procurado... Meia hora disso. Só para falar: "Procurado, ele nega".
Qual o efeito prático de não ter acordo com o governo? Porque, por outro lado, a empresa não foi declarada inidônea.
Todo mundo pensa no inidôneo. A lógica é: se for declarado inidôneo, não
posso licitar. Mas eu nem quero! O problema são os efeitos colaterais. O
grande problema nosso não é o governo. Eu quero não depender dele. Não
tenho nenhum contrato com o governo e não tenho perspectiva de ter. Não
que não queira, mas porque não tem obra. Mas isso suja meu nome. Foi
feito uma leniência, que é o julgamento da empresa. Você tem que pagar
essa multa, tem que criar um sistema de compliance [cumprimento da
legislação e de regras de conduta]. Aí, você faz tudo, mas não acontece
nada. O que acontece é a CGU e a AGU dizerem que não vale. Então faça o
que vale! Mas eles também não fazem.
O que farão diante da decisão do TCU de fixar uma multa adicional? [O
tribunal decretou na semana passada que as empresas da Lava Jato terão
de refazer o acordo com o Ministério Público e aumentar o valor de
ressarcimento aos cofres públicos ou serão declaradas inidôneas].
Não podemos ter uma posição radical, mas vamos nos defender. A decisão é
muito ruim. É uma decisão que afronta o Ministério Público, que deu a
leniência. Agora o TCU diz que se precisa de um aditivo. Não ser
considerada inidônea é melhor do que ser, claro. Mas tem o detalhe: você
faz um aditivo que não vou poder questionar? Não parece razoável.
Esperamos que, com diálogo e demonstração de boa-fé, possamos chegar a
um acordo. Essa confusão dos órgãos, de cada um achando que tem de ser
protagonista... Essa coisa de "vai lá e assina", certamente não faremos
isso. Isso seria dar um cheque em branco.
Não farão mesmo sob o risco da empresa ser declarada inidônea?
O efeito é o mesmo. Se eu disser que ele pode cobrar o que quiser... É o
"se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho come". De qualquer forma,
morro. Ele aplica multas de forma totalmente unilateral e eu não posso
fazer nada? É quase inacreditável. Imagina, a partir disso, que banco
vai me emprestar dinheiro? Se eu tenho essa faca no pescoço, do TCU
poder cobrar o que quiser?
Achamos que conseguiremos mostrar isso com a ajuda do Ministério
Público. Mas não vamos para o confronto. O risco é, na prática, eles
acabarem não recebendo. Porque não vamos conseguir [se a empresa
quebrar]. Se esse é o objetivo, há outras formas de fazer. Diz então "ó,
vocês viraram persona non grata".
Não podemos jogar a leniência no lixo. Isso foi homologado pela Justiça.
A punição não pode ser um câncer que mata a companhia. Porque aí não
sobra ninguém. É uma coisa insana. Achamos que vamos conseguir mostrar
isso e acreditamos que o bom senso deve prevalecer.
Com a Petrobras vocês querem continuar trabalhando?
Claro que quero trabalhar. Mas quero sair da lista. A lista negra
existiu por força da denúncia de corrupção. As pessoas foram presas,
condenadas e nós pagamos. Ué, por que eu vou continuar na lista? Não
consigo entender.
Pegamos contrato agora de obras de refinaria na Argentina. Uma Petrobras
de lá. Foi isso [faz um gesto de esforço] para o cara aceitar. E para
ele interessava. Nossa proposta era melhor. Ele falou: Quero vocês, mas,
caramba, vocês estão proibidos na Petrobras, como eu vou contratar?".
Olha o trabalho que dá...
Não sei porque eles não tiram a gente. O Ministério Público enviou carta
à Petrobras dizendo que não havia nada que impedisse a gente. Estive
lá, conversei com Pedro Parente [presidente da Petrobras] e ele disse:
sim, nós temos que fazer. E não faz nada.
Se eles falam que vão tirar da lista, mas não nos convidam para
concorrência, paciência. A lista é ter o nome no SPC [Serviço de
Proteção ao Crédito]. Você não quer me convidar para a sua casa, tudo
bem. Mas não põe no jornal que sou uma pessoa indesejável em festas.
Porque isso me atrapalha nas outras festas.
Quando o senhor vê a economia retomando?
A economia tem reagido bem, mas o lado político é interrogação. Fico
pensado que o Temer, de um jeito ou de outro, aos trancos e barrancos,
vai chegar ao fim. Acho que botou na cabeça que precisa fazer um governo
reformista porque, senão vai entrar para a história como? Só porque
tirou a Dilma? Se for isso, vai ficar mais é como golpe. Ele vai fazer
pressão enorme para passar as reformas. Se for feito, o país retoma
certo rumo.
Nesse negócio de infraestrutura no mundo inteiro tem havido um
movimento. E caminhando para PPP [parceria público-privada] ou
concessão. Nos dois modelos, a figura que toca é a privada. Você
consegue trabalhar em infraestrutura pesada sem necessariamente
trabalhar com o governo. Esse é um modelo que nos interessa muito.
Ganharam agora os aeroportos. Nós vamos bater lá na porta do cidadão e
dizer: olha, queremos ser convidados a apresentar proposta. Se fosse o
governo fazendo, provavelmente nesse momento não faríamos isso.
No pacote de concessão do governo, vocês só olham oportunidades em construção então?
Não posso concorrer com a CCR [empresa de concessões que a Andrade é
sócia]. Saneamento, portos eles não têm. Mas não estamos [interessados].
Não é uma hora legal para pensar em investir aqui. Falando pelo grupo,
não faríamos. Cuidei desse assunto desde o nascedouro da AG Concessões.
Fiquei 20 anos só mexendo com isso. Conheço um pouco, não por esperteza,
mas por excesso de exposição. Começou-se a fazer uma desconstrução do
que era correto. Para uma concessão, você faz a análise do investimento,
custo de operação, arcabouço financeiro para colocar aquela coisa de
pé. Tudo isso ficava explícito no plano financeiro da concessão. Você
tinha todas as informações ali: quanto ia investir, qual era o tráfego,
receita, tarifa, operação. Tudo isso era entregue e fazia parte do
contrato. Portanto, você estava habilitado a discutir à luz do que
estava entregue. Aboliram isso. Não foi por lei, não. Então, hoje para
você ganhar o aeroporto, vai lá na Bolsa no leilão com um número,
assina, ganhou, pronto. Se amanhã o governo não fizer algo da parte
dele, você não tem como demonstrar nada. Olha a insegurança. E é um
passo atrás. A coisa funcionava, era organizada. Eles conseguiram
desmontar. A própria CCR não entrou nos aeroportos.
A Andrade Gutierrez pecou na primeira rodada de conversas com o Ministério Público? Por que não falou tudo?
De 2011 a 2013 a empresa trocou muita gente. Não tinha nada a ver com
Lava Jato. Tinha uma proposta de renovação, puxada pelos acionistas,
[que gerou] certa conturbação interna. Uma campanha muito forte de
"precisa renovar esse negócio de gente velha", de ter uma empresa mais
jovem.
Saiu muita gente. A Odebrecht fez 77 delatores, todos trabalhavam na
Odebrecht. Quando nós fizemos [a delação] eram 11 e só seis trabalhavam
aqui.
Dentro da leniência, você se obriga, além de implantar "compliance",
informar quaisquer novos malfeitos que tenha cometido. Você tem que
ficar escarafunchando o passado. Além de contratar empresas [para isso],
acompanhamos as notícias. Toda vez que sai "fulano da Odebrecht deu
dinheiro para a empresa Jururu", a gente corre aqui. E aí Jururu tem?
Opa, fizemos contrato com a Jururu. Aí denunciamos, pagamos o Imposto de
Renda. Vamos lá no Ministério Público.
Falam em recall [da delação]. Não tem recall nada não. Nós somos
obrigados a fazer e já fazemos. Só que, com esse negócio da Odebrecht, o
negócio recrudesceu.
Se essas pessoas estivessem aqui, teríamos falado. Eu, por exemplo, não
sei. Vou lá saber que na obra de Manguinhos deram dinheiro para fulano?
Não tenho a menor ideia. E não tenho para quem perguntar. As pessoas já
não estão mais aqui. Esse é o nosso maior problema. Agora, por exemplo,
tem denúncia que em São Paulo teve [propina nas obras] no metrô. Não tem
alma aqui que trabalhou nesses negócios. Tenho que ir atrás de uma
Renata da vida que trabalhou aqui lá atrás. O que ela faz? Diz: ô
Ricardo, nem te conheço, pelo amor de Deus, não me envolve nisso, não.
Tudo bem o senhor não saber do contrato da Jururu. Mas o senhor está na empresa há décadas. Não sabia?
Claro que todo mundo sabe. Todo mundo sabe. Mas uma coisa você saber da
prática. Como o Emílio [Odebrecht] falou: caixa dois sempre teve, desde
dom João 6º já devia ter caixa dois. Qualquer um que fale diferente
disso é tolinho. Mas não posso acusar os outros sem prova. Você tem que
procurar a Renata e falar: você deu dinheiro para o fulano? Ah, dei.
Como você deu? Foi por meio da Jururu, que fez um contrato comigo. Para
você chegar a isso e a pessoa se sujeitar a ser preso... E é assim. Isso
era normal das empresas e o cara não se acha um criminoso. É complexo.
Como o senhor conseguiu ficar fora da Lava Jato?
Não trabalhava na construtora. E na área de concessões nunca fizemos.
Ah, por que vocês são mais bonitos? Pouco sou. Mas em concessões você
investe, põe o dinheiro. Como empreiteiro, você recebe o dinheiro. Aí
cria uma situação. Cria dificuldade para vender facilidade. É um
processo doente. Uma empresa concessionária não pode fazer doação de
campanha. A empreiteira podia. Não era legal ser com dinheiro sujo, mas
doação era legal. Por isso que tem essa briga sobre o que pode, caixa
um, caixa dois.
Vivi 20 anos, de 1992 a 2012, na AG Concessões. Mas eu sabia? Claro que
eu sabia [que existia pagamento de propina]. E não só aqui, não.
Qualquer empresa do Brasil. E de qualquer setor. Ah, então por que
gostam [de falar] de empreiteiro? Por que empreiteiro tem relação direta
com o poder. Aí pega o Renan [senador Renan Calheiros], o Jucá [senador
Romero Jucá], não sei quem. Dá ibope.
Mas o cara que vende merenda escolar também corrompe. Só que não dá
ibope nenhum prender o subsecretário de não sei o quê. O Brasil
infelizmente é assim. Não quero dizer com isso que não se pecou. Claro
que se pecou. Mas digo que, quem fica assim [faz cara de assustado] é um
anjo. O cidadão deve ter nascido ontem.
O setor inteiro da construção foi pego...
Uma coisa: havia 20 e tantas empresas estrangeiras que trabalhavam para a
Petrobras. Todas sem exceção estão envolvidas na Lava Jato. Não é uma
coisa estranha?
O que todo mundo quer acreditar é que Camargo, Andrade e Odebrecht é que
são os malvados. Sempre o trio da morte, né? Depois salpicam mais
alguns ali...
E os dinamarqueses, japoneses? Tudo de ilibada reputação? Sueco? Todos
estão. Onde está a doença? Isso que quero dizer. Não tem jeito de a
pessoa viver no Brasil empresarialmente sem fazer. Ou pelo menos não
tinha. De novo, não estou querendo jogar lenha na fogueira. Mas é um
fato. Uma coisa é dizer que o problema era nas grandes empreiteiras que
controlavam o poder. E os outros davam dinheiro porque eram doidos?
Skanska [empresa sueca envolvida na Lava Jato e declarada inidônea pela
CGU] dava dinheiro na Petrobras.
O senhor acha que é algo do Brasil?
Não é específico daqui. É no mundo inteiro. Tem mais e menos. O que acho
que aconteceu é que no Brasil recrudesceu, esparramou. Antes era muito
mais. Virou uma moda. Acho que tem muito a ver com a forma de funcionar
do PT... Não sei. Aí não sou sociólogo. Até para mim, que já sou macaco
velho do setor, fiquei assustado.
Meio que virou uma coisa maluca, um meio de vida. Antigamente as coisas
eram mais veladas. Era uma coisa pessoal, não era a administração tal
todo mundo rouba. Com o negócio do PT, como são mais democráticos e
abertos, virou uma coisa que todo mundo mama. E aí a coisa perde o
controle. Um movimento enorme de laranjas atravessando dinheiro para lá e
para cá. E aí você tem que lembrar: antigamente, o cara fazia uma coisa
dessas e a Receita Federal levava cinco anos para descobrir. Tinha até
vencido [a punição]. Hoje é tudo on-line.
Por isso que eu falo: o mundo mudou e as pessoas não perceberam. Você ficou pelado no meio da rua. Nós fomos pegos assim.
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